Vários especialistas climáticos da agência espacial norte-americana (NASA) reuniram-se esta semana em Washington. "Estamos a assistir a mudanças sem precedentes em todo o mundo", constatou Gavin Schmidt, director do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, que deixou o alerta sobre o que ainda está por vir. Julho de 2023 será provavelmente o mês mais quente do mundo em "centenas, se não milhares, de anos", afirmou o climatologista, citado pela agência AFP.
O caos que se instalou um pouco por toda a parte neste mês de Julho colocou a crise climática bem à vista de todos. Incêndios alimentados por dias consecutivos de calor excessivo, vagas de altas temperaturas que se arrastam por semanas com recordes a ser quebrados em muitos países afectando sobretudo os continentes da Europa, América e Ásia, inundações de grandes proporções que causam vítimas mortais.
As ondas de calor deverão persistir em grande parte do mundo durante o mês de Agosto, disse esta sexta-feira um especialista da Organização Meteorológica Mundial (OMM), na sequência das temperaturas recorde registadas nas últimas semanas.
A OMM disse no início desta semana que esperava que as temperaturas na América do Norte, Ásia, Norte de África e Mediterrâneo fossem superiores a 40 graus Celsius "durante um número prolongado de dias desta semana, à medida que a onda de calor se intensifica". "Devemos esperar, ou pelo menos planear, que estas ondas de calor extremas continuem até Agosto", disse à Reuters John Nairn, conselheiro sénior para o calor extremo da OMM.
Este mês de Julho já conta com algumas quebras de recordes diários, de acordo com ferramentas geridas pela União Europeia e pela Universidade do Maine, nos EUA, que combinam dados terrestres e de satélite em modelos para gerar estimativas. Os dados divulgados não são ainda os dados finais, mas “a tendência para o calor extremo é inconfundível e irá provavelmente reflectir-se nos relatórios mensais mais robustos emitidos mais tarde pelas agências norte-americanas”, referiu esta semana Gavin Schmidt durante uma conferência de imprensa da NASA, citado pelas agências internacionais.
"Estamos a assistir a mudanças sem precedentes em todo o mundo – as ondas de calor que estamos a ver nos EUA, na Europa e na China estão a derrubar recordes, à esquerda, à direita e ao centro", acrescentou. Ao que tudo indica, ainda não há tréguas à vista.
Gavin Schmidt fez o anúncio durante uma reunião na sede da NASA em Washington, que reuniu especialistas em clima da agência e outros líderes, incluindo o administrador da agência, Bill Nelson, e a cientista-chefe e conselheira sénior para o clima, Kate Calvin.
O que estamos a assistir pode ser chocante, mas não é surpreendente para os cientistas, disse o especialista da NASA citado numa notícia do The Guardian. "Tem-se registado um aumento das temperaturas de década para década ao longo das últimas quatro décadas.”
Depois do mês de Junho mais quente de que há registo, de acordo com a análise da temperatura global da NASA, anunciada pela agência na semana passada, segue-se um Julho que também promete manchar o registo climático. O calor está "certamente a aumentar as hipóteses" de 2023 ser o ano mais quente de que há registo, refere a notícia do The Guardian, que adianta ainda que os cálculos “mostram que a Terra tem 50% de hipóteses de estabelecer esse recorde este ano; outros modelos dizem que há até 80% de hipóteses”.
Tal como previam os cientistas, as ondas de calor estão a tornar-se cada vez mais intensas e frequentes. A vaga que varreu a Europa no Verão de 2022 pode ter provocado mais de 61 mil mortes, indica um estudo publicado recentemente na revista científica Nature Medicine. Desse total, os investigadores estimam que mais de 2200 óbitos terão sido registados em Portugal.
“Estimámos 2212 mortes relacionadas com o calor no Verão de 2022 em Portugal. Em termos de mortes por milhão de habitantes, Portugal teve uma das taxas mais elevadas, ficando atrás apenas de Itália, Grécia e Espanha”, afirmou ao PÚBLICO o co-autor Xavier Basagaña, investigador do Instituto de Barcelona para a Saúde Global, em Espanha.
Danos na terra e morte silenciosa no mar
Entretanto, tal como as más notícias sobre o clima, os alertas também vão aumentando em relação a consequências menos perceptíveis porque não são sentidas no imediato – mas que podem deixar marcas a médio e longo prazo. “As sucessivas vagas de calor ameaçam a capacidade da natureza para nos fornecer alimentos, afirmam os investigadores, que alertam para uma 'morte silenciosa e invisível' nos nossos oceanos, num contexto de temperaturas recorde que queimam a Terra”, refere uma outra notícia do The Guardian que fala sobre a forma como as ondas de calor galopantes ameaçam a segurança alimentar de todo o planeta.
"O nosso sistema alimentar é global", alerta John Marsham, professor de ciências atmosféricas na Universidade de Leeds, citado na notícia. "Há riscos crescentes de grandes perdas simultâneas de colheitas em diferentes regiões do mundo, o que afectará realmente a disponibilidade e os preços dos alimentos. Não é o que estamos a ver agora, mas nas próximas décadas é uma das coisas que mais me assustam. Como ser humano, se formos suficientemente ricos, podemos entrar em casa e ligar o ar condicionado. Mas os ecossistemas naturais e os ecossistemas cultivados não podem fazer isso", acrescenta.
Segundo este especialista, a maioria das pessoas não está a sentir na pele o verdadeiro prejuízo de um planeta em sofrimento. "As pessoas estão geralmente isoladas dos efeitos do clima de que todos dependemos. Vamos às lojas para comprar alimentos – não os cultivamos nós próprios. Mas se falarmos com os agricultores em qualquer parte do mundo, eles estão extremamente conscientes do que o clima está a fazer e dos impactos na sua agricultura", nota.
E se na terra os estragos podem estar mais à vista, é preciso lembrar que longe dos nossos olhos, debaixo dos oceanos, também há danos evidentes causados por estes fenómenos extremos que se estão a tornar cada vez mais intensos e frequentes. "Pensamos frequentemente nos impactos nos ecossistemas terrestres porque é fácil de ver – as plantas murcham e os animais ficam demasiado quentes. Mas as pessoas geralmente não pensam nas ondas de calor marinhas. É isso que realmente me preocupa – essa morte silenciosa e invisível", refere Daniela Schmidt, professora de Ciências da Terra na Universidade de Bristol, citada também na notícia do The Guardian.
O programa europeu de monitorização do clima tem estado atento ao que se está a passar no Sul da Europa. Na semana passada, mostrou imagens impressionantes sobre a onda de calor que afectou esta região, revelando que a temperatura à superfície do solo em Espanha ultrapassou os 60 graus Celsius.
A Agência Espacial Europeia (ESA) também emitiu alguns comunicados a explicar o que estava a causar esta anomalia na temperatura, revelando, por exemplo, os efeitos do anticiclone Cerberus. A Europa está a escaldar e “isto é só o início”, avisaram os cientistas da ESA.
Por seu lado, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou que o início de Julho foi a semana mais quente no planeta desde que há registos. Antes, também já tinha sido confirmado que Junho foi o mês mais quente do historial de registos da Terra.
Para piorar a situação, o planeta conta com a influência do El Niño. As notícias “preocupantes” coincidem com o desenvolvimento do El Niño, fenómeno climático natural que tem origem em águas invulgarmente mornas do oceano Pacífico oriental, próximo da costa do Peru e do Equador, sendo comummente acompanhado por um abrandamento ou inversão dos ventos alísios de Leste.