Jane Birkin no país inverificável da infância

O seu lugar foi o da criança, do jogo, da verdade, do gesto simples. É este território que se faz agora cemitério.

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Talvez tenha finalmente acedido ao “pays invérifiable” da infância a cantora e atriz, de origem inglesa, Jane Birkin (1946-2023), desaparecida no passado dia 16 de julho, e que havia escolhido a França como seu país de residência e trabalho. Aquela que ficou conhecida como a musa de Serge Gainsbourg, desde o lançamento, há mais de cinquenta anos, do tema “Je t’aime moi non plus”, continuaria a ser a intérprete de temas do músico e compositor francês, depois do final da sua relação, emprestando a sua cândida forma de expressão a uma tessitura de hábeis jogos fónicos de palavras e a uma métrica com temperamento próprio.

Uma passagem por “Quoi” confirmar-no-lo-á: “De notre amour fou ne resterait que des cendres/ Moi j’ aimerais que la terre s’ arrête pour descendre/ Toi tu me dis que tu ne vaux pas la corde pour te pendre.

Talvez que o carrossel da Terra, movido por um tempo inexorável, às vezes feio, tenha parado por breves segundos, para deixar em bom apeadeiro a doce Jane. Talvez que o labirinto de “Amour des Feintes”, feito de cartas, tenha desabado a troco de um benefício maior. É ela, hoje, Jane, a “infante défunte”, não a homenageada por Ravel, mas a que uma geração orgulhosa dos seus ícones chora.

Foto
Jane, óleo sobre papel (Almerinda Pereira) DR

O seu lugar foi o da criança, do jogo, da verdade, do gesto simples. É este território que se faz agora cemitério, o mesmo talvez dos “Jeux Interdits”, onde uma pequena Kate e uma pequena Charlotte, suas filhas, se entretêm no exercício do enterro e esconderijo de pequenos seres, onde as duas meninas são chamadas à atenção simplesmente por distribuir pelas campas vazias as flores das campas fartas.

O paradoxo de Jane é este: o de ter sido tão autêntica e tão polémica ao mesmo tempo. Deixou-nos com a idade de 76 anos, com os seus temas que são síntese de uma complexidade sempre por desmontar. Deixou-nos filmes, muitos, até aos últimos, os da maturidade, “La femme et le TGV” e “Jane by Charlotte”. Neles é, provavelmente, já a alma que fala, mais do que o corpo, como se para se conseguir um máximo de emoção fosse preciso um mínimo de matéria.

Adieu, Jane… Até esse lugar inverificável da infância.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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