O traje é elaborado: um passa-montanhas. Roupa interior térmica e uma camisola de compressão. Um fato de Darth Vader de loja de Halloween completo com um capacete.
Jon Rice tenta tornar a sua corrida quase anual Darth Valley o mais difícil possível. Espera pelo dia mais quente da previsão meteorológica, veste o seu fato de várias camadas e parte para o Vale da Morte, onde corre uma milha o mais rápido possível à hora mais quente do dia.
É cansativo. É estimulante. É também, admite Rice, incrivelmente estúpido. ”Não concordo que mais alguém faça isso”, disse ele, acrescentando: “Nem sequer concordo que eu próprio faça isto, particularmente.”
As pessoas que sabem algumas coisas sobre o calor e o Vale da Morte na Califórnia, considerado por alguns como o lugar mais quente da Terra, enfatizam desde logo o perigo de apesar enfrentar condições tão escaldantes, quanto mais quando se trata de se exercitar neste cenário.
A temperatura máxima não-oficial no Parque Nacional do Vale da Morte no domingo, quando Rice fez a sua última corrida, foi de 53,3 graus Celsius — alguns graus abaixo do recorde de 56,6 graus estabelecido em 1913 (embora alguns tenham questionado essa leitura).
“Se passarmos muito tempo em temperaturas como estas e tivermos qualquer tipo de problema de saúde, acabamos por morrer”, confirma Jeff Goodell, o autor de The Heat Will Kill You First: Life and Death on a Scorched Planet.
Treinos na sauna
Rice, de 52 anos, disse que conhece os riscos. Ele treina-se o ano todo para a tradição, correndo no seu bairro perto de Santa Fé e dando socos ao ritmo de música electrónica na sua sauna, em casa. Treinar na sala de 65,5 graus várias vezes por semana tem como objectivo aclimatar o seu corpo às temperaturas do Vale da Morte, que são ainda menos toleráveis do que o habitual esta semana, uma vez que uma onda de calor cobre grande parte do país.
Rice disse que se certifica de escolher rotas com carros por perto, caso sinta que está a sobreaquecer e precise de pedir ajuda. A sua mulher, Laura Rice, acompanha-o ao parque na maioria dos anos e espera no final, ligando o ar condicionado do carro e preparando-se para lhe atirar uma toalha fria.
A tradição invulgar tornou-se uma rotina para ela. Quando o casal se conheceu, por volta de 2010, Jon era o vizinho excêntrico de Laura, que corria pela vizinhança nos dias quentes antes de desmaiar na entrada da garagem. Estava a começar os seus sprints em Darth Valley e também tinha o hábito de correr quilómetros pelos desfiladeiros e salinas do parque.
Mulher pede testamento actualizado
Laura Rice disse que rapidamente pôs fim às corridas mais longas, mas que se adaptou à tradição anual mais curta. Todos os anos, brinca com o marido dizendo que ele deve certificar-se de que o seu testamento está actualizado e deixar-lhe todos os números de telefone importantes.
“Brinco com ele porque não quero que ele faça nada de estúpido que ponha em risco a sua vida”, afirma. “Mas também sei que ele não o fará.”
Jon Rice começou a correr no Vale da Morte em 1997, quando ele e um amigo estavam a passear pelos Estados Unidos num Mustang alugado. Quando começaram a descer a Artists Drive do parque, Rice decidiu sair do carro e correr.
Acabou por correr quatro quilómetros enquanto o seu amigo continuava a conduzir, recorda. No final, não se estava a sentir bem. Começou a ter alucinações e convenceu-se de que estava a ir na direcção errada, apesar de estarem numa estrada de sentido único.
Apesar da terrível experiência da primeira vez, Rice ficou viciado. Correr sob um calor extremo era um grande desafio, mas era um desafio que que queria aceitar — mas com mais preparação da próxima vez.
Nos anos seguintes, Rice viajou da sua Inglaterra natal para a Califórnia para correr no Vale da Morte. Mais tarde, mudou-se para o Colorado, depois para o Missuri e, finalmente, para o Novo México, viajando religiosamente para o parque a partir de onde quer que vivesse.
Por volta de 2010, Rice quis tornar as corridas mais difíceis e pensou que usar uma máscara e roupa preta seria a solução. Quando se lembrou que partes do franchise Star Wars foram filmadas no Vale da Morte, teve a ideia de se vestir como o vilão da série.
Este ano, a corrida durou dez minutos
Rice, que edita uma publicação sobre comércio de criptomoedas, tem corrido o Darth Valley na maioria dos anos desde então, com pausas durante a pandemia do coronavírus e uma mudança de país. Por vezes, outros corredores juntam-se a ele — ocasionalmente com um fato de Chewbacca.
O tempo mais rápido de Rice foi no ano passado, quando disse ter registado uma milha (1,6 quilómetros) em 6m18s. Este ano, disse, correu-a em cerca de dez minutos, depois de se ter recuperado de uma lesão.
A corrida foi particularmente difícil desta vez. Rice disse que sentiu como se um secador de cabelo estivesse apontado para a sua garganta enquanto tentava respirar, e as pontas dos dedos pareciam estar a arder. Tossiu durante horas após a “façanha”.
Às vezes, os guardas-florestais levantam as sobrancelhas para Rice, possivelmente temendo que fique gravemente afectado, disse a sua mulher. Um homem de 65 anos morreu de calor extremo no seu carro em Death Valley este mês, e o Serviço de Parques ajuda regularmente os visitantes que sofrem de doenças relacionadas com o calor.
Nichole Andler, chefe de interpretação e educação do Vale da Morte, pede aos visitantes que não façam esforços físicos depois das 10h. Sete dos dez Verões mais quentes do parque ocorreram na última década, nota. Paralelamente a esta mudança, o número de visitantes mensais ultrapassou recentemente os 100.000 em Julho e Agosto de cada ano.
A atracção, pensa Andler, é a curiosidade. “Se formos de um sítio onde as temperaturas máximas estão normalmente nos 32,2 graus Celsius e é muito raro ultrapassarem os 37,7, quando chegam aos 48,8 ou mais, isso pode fazer a diferença e despertar o interesse das pessoas”, disse.
Para Rice, o risco de correr com estas temperaturas vale a pena. Ele está disposto a aceitar a possibilidade de se magoar em troca da alegria que o projecto traz à sua vida — e, segundo ele, à vida dos outros. No início da era das suas corridas em Darth Valley, reparou que as pessoas se inclinavam para fora das janelas dos carros e olhavam com choque e divertimento quando passavam por ele na estrada.
A imagem ficou-lhe na memória. “Pensei: ‘Que coisa fantástica, trazer um bocadinho de maravilha de volta à vida de alguém’”, disse Rice. “Adorei a ideia de que as pessoas teriam histórias para contar quando chegassem a casa.”