Porque não está Portugal a sofrer com as ondas de calor que assolam a Europa?
Graças ao anticiclone dos Açores, Portugal escapou incólume à onda de calor recorde que afecta a Itália, Espanha e Grécia. A Organização Meteorológica Mundial avisou que não há tréguas à vista.
Enquanto vastas extensões do hemisfério norte estão a enfrentar ondas de calor, com a Europa a desdobrar-se para proteger os mais vulneráveis das altas temperaturas, Portugal tem escapado ileso a estes fenómenos extremos. Tudo graças ao anticiclone dos Açores. E há boas notícias para os próximos dias: a previsão meteorológica indica que as temperaturas se mantêm mais ou menos estáveis.
“A explicação do anticiclone dos Açores ajuda-nos a perceber a circulação das massas de ar à superfície. Este anticiclone – que está, neste momento, posicionado exactamente sobre os Açores – faz com que a costa portuguesa seja atingida por um transporte de norte para sul de massas de ar que vêm do Atlântico Norte. Estas massas são relativamente mais frescas”, afirma ao PÚBLICO Alessandro Marraccini, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Alessandro Marraccini compara o fenómeno, em altitude, ao comportamento das ondas. Imaginemos que a crista desta grande vaga esteja agora na região central do Sul da Europa. Como Portugal se encontra num ramo descendente desta onda, que se desloca de oeste para leste, estamos a escapar incólumes ao calor extremo.
“A crista corresponde ao ar quente que vem das latitudes mais baixas e que tende a subir. E há o frio das latitudes mais altas que desce. Nós estamos mesmo na fronteira entre a crista da onda e a parte mais baixa”, esclarece o meteorologista do IPMA.
Por cá, temperaturas estáveis
Portugal tem sido poupado às ondas de calor, e a previsão meteorológica para esta semana mantém a mesma tendência. De acordo com o serviço de meteorologia do IPMA, prevê-se céu pouco nublado ou limpo em boa parte do território nacional, com alguma neblina, nevoeiro matinal e nebulosidade baixa matinal no litoral norte e centro. Essa nebulosidade dissipa-se ao longo do dia, com excepção da próxima sexta-feira, dia 21 de Julho, quando poderá ocorrer uma precipitação fraca.
“Na sexta-feira, aproxima-se uma superfície frontal de fraca actividade, que poderá trazer alguma precipitação, em especial no litoral norte e centro, e provavelmente mais na região norte e para o interior. De resto, os dias tendem a continuar iguais, ou seja, com temperaturas mais ou menos estáveis, com uma ligeira descida na sexta-feira (por causa da nebulosidade) e posterior subida no sábado”, refere Alessandro Marraccini, numa conversa telefónica.
As ilhas do grupo ocidental dos Açores estarão, a partir da tarde de quinta-feira, sob aviso amarelo devido às previsões de chuva forte e trovoada. De acordo com o IPMA, o aviso amarelo para as ilhas de Flores e Corvo vigora entre as 15h de quinta-feira e o meio-dia de sexta-feira. O distrito de Faro também está em aviso amarelo, mas de tempo quente e só até às 21h desta quarta-feira.
O aviso amarelo é considerado o menos grave numa escala de três cores (amarelo, laranja e vermelho). Caracteriza-se por uma “situação de risco para determinadas actividades dependentes da situação meteorológica”, segundo o critério de emissão do IPMA.
Vem aí poeira do Sara
O calor intenso no planeta tem motivado uma catadupa de notícias de recordes de temperatura média e absoluta, diária ou mensal, local ou global. Em Junho, por exemplo, testemunhámos a temperatura média global mais alta de sempre – uma tendência que se mantém em Julho, de acordo com dados preliminares, refere a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
“O clima extremo – uma ocorrência cada vez mais frequente na nossa atmosfera em aquecimento – está a ter um grande impacto na saúde humana, nos ecossistemas, nas economias, na agricultura, na energia e no abastecimento de água. Isso destaca a crescente urgência de reduzir as emissões de gases de efeito de estufa o mais rápido possível”, disse Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, num comunicado divulgado esta terça-feira.
A previsão é a de que o calor se intensifique, a partir desta quarta-feira, em diferentes regiões do Mediterrâneo, incluindo a Grécia e a Turquia. No que toca às temperaturas máximas registadas até às 14h30 de terça-feira, destacam-se valores como 46,3 e 45,8 graus Celsius em Licata e Riesi, no arquipélago italiano da Sicília, e 45,3 graus Celsius em Figueres, na região espanhola da Catalunha.
Além da onda de calor recorde, a bacia do Mediterrâneo ocidental deve ser afectada por altas concentrações de poeira do Sara, agravando ainda mais as condições extremas (ver imagem principal).
Uma imagem divulgada pelo programa europeu Copérnico, elaborada a partir de dados do sistema de monitorização da atmosfera, mostra uma alta concentração de poeira prevista para esta quarta-feira, a partir das 15h. Na Grécia, refere a nota do Copérnico, a situação é agravada por incêndios florestais que consomem vegetação em áreas nas imediações de Atenas e no Leste do Peloponeso.
“Não há tréguas à vista”
“Temos de intensificar os esforços para ajudar a sociedade a adaptar-se ao que, infelizmente, está a tornar-se o novo normal. A equipa da OMM tem facultado previsões e alertas para proteger vidas e meios de subsistência, ao mesmo tempo em que nos empenhamos para alcançar o objectivo de criação de Alertas Antecipados para Todos”, acrescenta Petteri Taalas.
O Departamento Regional do Clima da OMM para a Europa, operado pelo serviço meteorológico alemão (Deutscher Wetterdienst – DWD, na sigla em alemão), já avisou que não deverá haver “tréguas imediata à vista”. É bem provável que a situação se mantenha no mês de Agosto, indica um alerta do Climate Watch.
“Um número crescente de estudos demonstra associações entre o aquecimento rápido e os padrões climáticos do Árctico e das latitudes médias, inclusive na dinâmica atmosférica, como a corrente de jacto. A corrente de jacto torna-se mais fraca e ondulada quando o ar quente é transportado para o Norte e o ar frio para o Sul. Nessas condições, padrões climáticos quase estacionários estabelecem-se e provocam ondas de calor prolongadas e secas nalgumas regiões e fortes precipitações noutras”, explica Álvaro Silva, especialista da divisão de serviços climáticos da OMM, citado no documento.
Ao mesmo tempo em que extensas áreas da América do Norte, da Ásia e da Europa enfrentam ondas de calor, fortes precipitações causaram inundações e mortes em países como a República da Coreia, a Índia e o Japão.