Há uma “tempestade de calor” que está a varrer grandes zonas da Europa, Ásia e América do Norte nesta semana. Já foram batidos recordes de temperatura – na China, por exemplo – e há mais locais onde se teme que as temperaturas máximas alguma vez medidas sejam batidas, como em Itália. Portugal, no entanto, mantém-se com temperaturas toleráveis.
“Em muitas zonas do mundo, prevê-se que hoje (segunda-feira) seja o dia mais quente de que há registo”, disse no Twitter o director-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “A #CriseClimática não é um aviso. Está a acontecer. Apelo aos líderes mundiais que ACTUEM já”, pede.
As elevadas temperaturas que se têm feito sentir são uma demonstração de que o objectivo de manter o aquecimento global a longo prazo dentro de 1,5°C está a ficar fora de alcance, avisam insistentemente os especialistas em clima.
Europa: anticiclones dos infernos
O anticiclone Cerberus (na mitologia grega, o cão de três cabeças que guardava as portas do submundo), uma região de alta pressão atmosférica, fez subir os termómetros na Europa na semana passada. Mas no seu encalço vem outro, que transporta uma massa quente do Norte de África, chamado Caronte (também na mitologia grega, o barqueiro que leva as almas dos que acabaram de morrer a cruzar o rio Estige para chegar ao Inferno).
Em países como Espanha ou Grécia, esta é a segunda onda de calor do Verão – e, na verdade, do mês de Julho. A primeira aconteceu em Espanha de 10 a 12 e trouxe uma máxima de perto de 45 graus Celsius em Loja (Granada). Esta segunda vem com avisos vermelhos de previsões de 44 graus em Córdova e Jaén.
A primeira semana de Julho foi a mais quente de sempre no planeta desde que há registos, com a temperatura média global a superar recordes durante vários dias. A isso sucederam-se ondas de calor abrasadoras.
O motor da actual onda de calor na região do Mediterrâneo é o anticiclone Caronte. “Temos de nos preparar para uma severa tempestade de calor que, dia após dia, vai cobrir todo o país”, diz o serviço de meteorologia italiano, num comunicado citado pela Reuters.
E, ao mesmo tempo que a temperatura do ar explode, surgem incêndios florestais.
Na Grécia, deflagrou um incêndio florestal numa zona a cerca de 30 quilómetros da capital, Atenas, que está a ameaçar a povoação de Kouvaras, diz a Reuters. Os habitantes foram retirados das suas casas e a televisão grega mostra carros destruídos pelo fogo.
Cerca de 150 bombeiros, 50 veículos e 11 aeronaves estão no combate às chamas. O progresso do incêndio está a ser ajudado por ventos fortes de 39 a 49 km/h (ponto 6 da Escala de Beaufort, que classifica a intensidade dos ventos), segundo o jornal grego
Grande parte do território da Grécia está sob alerta de incêndio, num momento em que recupera ainda de uma primeira onda de calor deste Verão. “Este é um dia difícil, com vários incêndios em todo o país”, disse o porta-voz dos bombeiros gregos, Ioannis Artopoios, numa conferência de imprensa na televisão, citado pela Reuters.
Em Espanha, os bombeiros estão a começar a controlar o incêndio na ilha de La Palma, que queimou uma área estimada de 4000 hectares e obrigou a retirar de suas casas 4255 pessoas. Espera-se que nesta segunda-feira algumas pessoas possam regressar às suas habitações, diz o El País.
Itália em brasa
Em Itália, há nesta segunda-feira 17 cidades sob o aviso vermelho do Ministério da Saúde por causa do calor, de norte a sul do país. Mas espera-se que aumentem para 20 na terça-feira e 23 na quarta o número das que têm aviso vermelho, diz a agência noticiosa Ansa. A onda de calor vai, portanto, agravar-se.
Esperam-se temperaturas acima de 45 graus em alguns locais, nomeadamente em cidades das ilhas da Sardenha e da Sicília, onde se pode chegar aos 48. Nesta segunda-feira, várias cidades muito procuradas pelos turistas chegaram a 40 graus, diz a Reuters. O ministro da Saúde italiano, Orazio Schillaci, apelou aos turistas que visitam as famosas ruínas romanas de Roma que tivessem cuidado com o sol e o calor, relata a Reuters.
Para Roma prevêem-se 42 graus e foram criados 28 refúgios para que as pessoas se possam refrescar e fugir do calor. Há uma task force de 80 pessoas, entre voluntários e funcionários da Protecção Civil e da Cruz Vermelha, que estarão em circulação pela cidade para acorrer a emergências relacionadas com o calor, noticia a Ansa.
A rede eléctrica teve falhas em várias zonas do país porque a procura por energia está a aumentar, devido ao uso de aparelhos de ar condicionado para aliviar o calor.
A maior associação do sector agrícola italiano, a Coldiretti, lançou um alerta sobre o sofrimento dos animais domésticos e de criação ou pecuária, diz a Reuters. As vacas estão a produzir 10% menos leite em resultado do calor, dizem em comunicado.
Portugal está a salvo desta onda de calor?
Portugal respira de alívio, no meio de todo este calor na Europa. “Não se espera nenhuma onda de calor nos próximos dias, as temperaturas até estão um bocadinho abaixo do normal para a época”, disse ao Azul a meteorologista de serviço do Instituto Português de Mar e da Atmosfera (IPMA), Madalena Rodrigues.
Estamos protegidos pelo anticiclone dos Açores. “Estendendo-se em crista até à Península Ibérica, ao Golfo da Biscaia, faz tampão para o outro anticiclone”, explica a meteorologista. O tal Caronte. “É um anticiclone que, na sua circulação, transporta uma massa de ar quente do Norte de África”, explica Madalena Rodrigues.
Temos de agradecer sermos poupados a esta onda de calor ao anticiclone dos Açores, portanto. “Se não tivéssemos o nosso anticiclone dos Açores a fazer de bloqueio, também teríamos essa massa de ar quente do Norte de África que está no Mediterrâneo, viria mais para Oeste”, conclui a meteorologista.
O resto do bafo quente do Caronte só alcança o distrito de Faro, e aí há um alerta amarelo em vigor por causa do calor (o terceiro numa escala de quatro).
A previsão do tempo diz-nos que hoje é o dia mais quente, principalmente na região Sul e Vale do Tejo, e que a partir de terça-feira se espera uma descida de temperatura, completou Madalena Rodrigues.
Batem-se recordes na China
Desde Abril, os países asiáticos têm sido atingidos por vários recordes de calor. Uma cidade remota no árido Noroeste da China suportou temperaturas de mais de 52 graus Celsius no domingo, informou a imprensa estatal, estabelecendo um recorde para um país que, há cerca de seis meses, estava a debater-se com 50 graus negativos.
As temperaturas no município de Sanbao, na depressão de Turpan, em Xinjiang, atingiram 52,2°C no domingo, informou o jornal estatal Xinjiang Daily esta segunda-feira, prevendo-se que o calor recorde persista pelo menos por mais cinco dias.
A temperatura de domingo bateu o recorde anterior de 50,3°C, medido em 2015 perto de Ayding, uma vasta bacia de dunas de areia e lagos secos mais de 150 metros abaixo do nível do mar.
Os prolongados períodos de temperaturas elevadas na China têm posto em causa as redes eléctricas e as colheitas, e aumentam as preocupações quanto a uma possível repetição da seca do ano passado, a mais grave dos últimos 60 anos.
Esta semana, o enviado especial para o Clima dos Estados Unidos, John Kerry, viaja até à China para retomar conversações com o país que acompanha os EUA no topo dos emissores de gases com efeito de estufa (que estão por detrás do aquecimento global).
Um tema fundamental em discussão será a cooperação para reduzir as emissões de metano – responsável por cerca de 30% do aquecimento global, diz a Reuters.
EUA com calor e tempestades
Cerca de um terço do território dos Estados Unidos, onde vivem 100 milhões de pessoas, está sob alerta para uma onda de calor. O Sul, o Sudoeste e o Sul da Florida são as zonas mais afectadas. A temperatura chegou a 56 graus Celsius no Vale da Morte, no deserto da Califórnia, com pessoas a fazerem fila para tirar uma foto junto do termómetro, como testemunha uma foto da Reuters.
Phoenix, no Arizona, suportou temperaturas de 43 graus durante as últimas duas semanas – uma das ondas de calor mais longas naquela cidade. Esperam-se temperaturas de 45 graus para áreas do deserto californiano, bem como no Arizona e no Nevada. Podem ser batidos recordes.
Mas, ao mesmo tempo que parte do país pena debaixo de um calor sufocante, noutras regiões, como o Vale do Ohio e o Nordeste dos EUA, tem havido grandes tempestades e cheias repentinas. Há vítimas mortais nestas cheias – cinco pessoas morreram na Pensilvânia. Espera-se este tipo de tempo pelo menos até terça-feira.