Alter Nativas, um filme a dar corda à esperança
Documentário de Agusti Corominas e Juan Del Río estreia-se em Portugal esta terça-feira, na Póvoa de Varzim, e vai dar origem a um outro filme, sobre a Transição no nosso país.
Num tempo de pessimismo – veja quantas notícias, nos últimos dias, nos remetem para as consequências desastrosas da crise climática –, a esperança é sempre bem-vinda. Desde a sua fundação em Totnes, Inglaterra, no início deste século, o Movimento para a Transição tem tentado substantivar no presente, em pequenas iniciativas de base local, futuros possíveis para uma sociedade menos consumidora de recursos, mais resiliente (no sentido de ser capaz, com o que tem por perto, de resistir às sucessivas crises) e socialmente mais justa. Soa a utopia, não fosse o caso de serem já muitos os topos (locais), em dezenas de países, incluindo Portugal, em que a transição está a ser posta em prática.
Espanha, aqui ao lado, tem sido terreno fértil para muitas iniciativas vinculadas ou simplesmente inspiradas nos mesmos princípios da Transição, e, graças a um participado processo de financiamento colectivo (são dois minutos e 15 segundos de nomes a rolar, no genérico final), Juan del Río e Agusti Corominas conseguiram realizar Alter Nativas – Construyendo Futuros Posibles, um documentário cujo título não precisa de tradução, e que é muito claro nos seus propósitos: mostrar práticas, protagonistas e a geografia do movimento no país vizinho.
A estreia deste filme em Portugal acontece nesta terça-feira à noite, no Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, associada ao lançamento do movimento Póvoa em Transição e do respectivo centro do clima. A digressão portuguesa de Alter Nativas vai ser uma oportunidade para tomar o pulso ao movimento para a Transição no nosso país, e, nesse sentido, o antropólogo visual Fernando Antunes Amaral vai acompanhar e filmar essa viagem, nos próximos dias, com paragens por Aveiro (Casa da Bicicleta), Odemira (Centro Tamera e Transição São Luís), Palmela e Telheiras (Lisboa).
O filme da dupla espanhola segue uma linha muito semelhante à de Demain, o documentário francês de Cyril Dion, activista, poeta, escritor e actor e fundador do Mouvement Colibris, e da conhecida actriz Mélanie Laurent. Mas, ao contrário dessa viagem pelo mundo que lhes valeu, em 2016, um prémio César de melhor documentário, Alter Nativas observa especificamente o panorama espanhol, dando-nos uma perspectiva do que está a acontecer numa cultura não muito diferente da portuguesa, em múltiplos aspectos.
Desde os seus primeiros debates, o movimento para a Transição preocupa-se com a excessiva dependência da sociedade ocidental de recursos que nuns casos estão centralizados em poucas mãos – como os combustíveis fósseis; que, noutros, são produzidos cada vez mais longe das comunidades – como acontece com muitos bens alimentares; e que na maior parte dos casos não são reutilizados, por razões de design ou de cultura de uso.
Filme namora ideias do decrescimento
Os seus objectivos passam, por isso, por descentralizar a produção de energia e de muitos bens, como os alimentos, aproximando-a dos locais de consumo e promovendo uma lógica de circularidade, que minimize a necessidade de recursos: dando às comunidades ferramentas para resistirem a crises ou eventos com impactos globais, como a recente pandemia de covid-19.
Em Alter Nativas há exemplos de tudo isso, em áreas como a mobilidade, a energia, a agricultura regenerativa, a reutilização de bens e recursos e até na criação de moedas locais. Namorando, às claras, as ideias do decrescimento, apresentadas como uma busca de frugalidade e autocontenção, face aos excessos de uma sociedade de consumo assente na ideia do crescimento sem limites, que o movimento vem criticando.
Mas há mais do que isso. A Transição não é só um roteiro de boas práticas e conselhos para uma economia pós-carbónica e tem uma componente clara de transformação social, por via da promoção da vizinhança, da crença no poder transformador da acção comunitária. E está bem presente, em múltiplos casos apresentados, essa reacção a um individualismo que, insistem, nos afasta uns dos outros e desperdiça a energia colectiva na qual acreditam.
A crise, escuta-se a determinado momento, “é ecossocial”, e uma transição que seja justa não pode deixar ninguém para trás. Com uma pequena contribuição para o documentário, um dos fundadores do movimento, Rob Hopkins, assinala que essa nova economia de que falam já está aí, bem presente em inúmeros locais, e que se Totnes teve algum contributo, foi o de nos dar “um par de óculos diferentes, para mudar a forma como vemos o mundo” em que vivemos. O autor de From What is to What If (Do que é ao que poderia ser) repete, como um mantra, o subtítulo desse seu último livro: precisamos de “libertar o poder da imaginação, para criar o futuro que desejamos”.