JMJ não tem refúgios para o calor: peregrinos recebem um chapéu e uma garrafa de água
Deputada municipal alerta para a falta de sombras e aspersores nos recintos. Câmara de Lisboa diz que estão previstos bebedouros e a entrega de um kit com chapéu e garrafas de água.
“Faltam áreas de sombra”, capazes de proteger os peregrinos do calor intenso de Agosto, nos recintos onde vai decorrer a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), encontro religioso que decorre de 1 a 6 de Agosto em Lisboa. Isabel Mendes Lopes, deputada do partido Livre na Assembleia Municipal de Lisboa, mostra-se preocupada com a ocorrência de casos de desidratação e golpes de calor que sobrecarreguem serviços de saúde e de protecção civil.
“Quando fomos visitar o Parque Tejo, ficamos muito preocupados, pois está a ser construído o altar-palco junto à Ponte Vasco da Gama, onde há todo um terreno gigante sem sombras nenhumas. Foi-nos explicado que não haveria toldos para não perturbar a visibilidade para o palco, permitindo assim que toda a gente conseguisse ver o Papa”, afirmou Isabel Mendes Lopes ao PÚBLICO
Nessa mesma visita, a deputada do Livre diz ter questionado se haveria aspersores – dispositivos de nebulização que refrescam o ambiente. “Estavam a fazer obras para a infra-estrutura de águas e indaguei se estavam a trabalhar não só para os bebedores, mas também para aspersores. Mas não estavam previstos aspersores”, referiu Isabel Mendes Lopes numa conversa por videochamada.
A deputada afirma não só que “faltam zonas de sombra”, mas também falta incorporar a resposta ao calor “desde raiz” no plano de mobilidade apresentado esta sexta-feira, numa conferência de imprensa que contou com a presença de Ana Catarina Mendes, ministra dos Assuntos Parlamentares.
“É preciso conseguir garantir sombras, mesmo que temporárias, num máximo de sítios. Falta incorporar desde raiz no plano de emergência, mas também de mobilidade, esta questão do calor”, diz a deputada, lembrando que muitas pessoas farão o percurso a pé até ao Parque Tejo. Ao longo das deslocações, refere, é importante que haja locais para os peregrinos se sentarem abrigados do sol directo, uma vez que a zona “está muito exposta”.
“Isto vale para outros locais onde se poderá ver o Papa, como no Parque Eduardo VII. Isto é algo que nos preocupa muito, são muitos milhares de pessoas, vamos ter a cidade em sobrecarga, assim como o Serviço Nacional de Saúde. Há um grande risco de desidratação e insolação, pelo que é preciso garantir todos os meios para prevenir isso. Temos transmitido estas preocupações sempre que falamos com a Câmara de Lisboa, nomeadamente com o vice-presidente, Filipe Anacoreta Correia”, afirma Isabel Mendes Lopes.
Chapéus e garrafas de água
O PÚBLICO contactou a Câmara de Lisboa para saber se está a ser ultimado um plano de fuga ao calor especificamente para as JMJ. O departamento de comunicação da autarquia explicou, numa resposta enviada por e-mail, que o encontro religioso se realiza “sempre no Verão, sendo o calor uma marca constante”. A nota não faz referência à instalação de toldos ou aspersores.
“Os peregrinos terão informação fornecida pela Fundação JMJ para se precaverem contra as temperaturas que se possam verificar. No kit do peregrino, que será distribuído aos jovens, existirá um chapéu e garrafa de água precisamente como forma de os proteger do calor e do sol”, refere a Câmara de Lisboa numa nota enviada ao PÚBLICO.
A autarquia refere ainda que as garrafas poderão ser enchidas nos “cerca de 400 pontos de acesso a água potável na via pública em toda a cidade de Lisboa”. Existem na cidade 205 bebedouros, “cuja manutenção está a ser assegurada”, sendo que a câmara promete garantir cerca de 200 novos pontos de água, actualmente “em fase final de instalação”.
No que toca aos dois principais locais onde as JMJ vão decorrer, a autarquia recorda que há 16 bebedouros públicos na extensão do recinto do Parque Eduardo VII. Já no Parque Tejo, na zona de Lisboa, existem 32 contentores de bebedouros, cada um com 20 torneiras, ou seja, 640 torneiras.
Refúgios climáticos
Isabel Mendes Lopes é a autora da recomendação para a criação de uma rede de refúgios climáticos em Lisboa, com o objectivo de mitigar os efeitos de ondas de calor. Com a crise climática, estes fenómenos climáticos extremos tendem a ser mais intensos, longos e frequentes. A proposta foi aprovada pela Assembleia Municipal de Lisboa.
Na sequência da aprovação, o cientista de dados Manuel Banza elaborou um estudo que, segundo descreve, constitui “uma tentativa de analisar os factores que se devem ter em conta na criação de refúgios climáticos”.
Estes espaços são zonas arborizadas, sombreadas ou munidas de sistema de ar condicionado, locais onde a população pode estar gratuitamente nos dias mais quentes ou durante ondas de calor. Os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian ou até mesmo bibliotecas são exemplos de refúgios climáticos.
O artigo de Manuel Banza mapeia “os locais da cidade com mais necessidade de um refúgio climático de forma a combater ou mitigar as ondas de calor cada vez mais sentidas na cidade de Lisboa”. O artigo elaborado por Banza mostra que o Parque Eduardo VII, por exemplo, não pode ser considerado um refúgio climático, apesar de estar perto de um jardim.
“A proximidade ao jardim não quer dizer que se trata de um refúgio climático – se formos considerar as zonas de sombra, se calhar não é um sítio que podemos considerar um refúgio climático. O efeito ‘ilha de calor’ está numa temperatura até azul no mapa, o que significa que está numa temperatura inferior ao ponto de referência, há um mitigar do calor devido ao espaço verde.
No entanto, é muito claro que, à volta do parque, já notamos 2-3 graus Celsius acima do ponto de referência. Fora do jardim, já há vários factores que estão a influenciar a ilha de calor”, observa o cientista de dados, numa videochamada com o PÚBLICO.
Manuel Banza confirma que a zona do Parque do Tejo não beneficia de zonas significativas de sombra. “Quando olhamos para a zona do rio Trancão, que é mesmo antes da Ponte Vasco da Gama, no limite mesmo de Lisboa, já temos 4 ou 5 graus Celsius acima do ponto de referência. Parece que nesta zona se vai sentir o efeito ‘ilha de calor’ muito mais do que no Parque Eduardo VII”, refere o cientista de dados.
Uma forte onda de calor está a varrer a Europa, tendo sido registados recordes de temperatura na França, Suíça, Alemanha e Espanha. Portugal tem sido poupado, mas na região espanhola da Estremadura, por exemplo, a temperatura à superfície do solo ultrapassou 60 graus Celsius na terça-feira.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou na segunda-feira que o início de Julho foi a semana mais quente no planeta desde que há registos. Antes, também já tinha sido confirmado que Junho foi o mês mais quente do historial de registos da Terra. Num ano de fenómeno climático El Niño “mais forte” que já vimos pode trazer calor e chuva para Portugal">El Niño, os cientistas da Agência Espacial Europeia já avisaram que “isto é só o começo”.
As ondas de calor que estão a atingir várias partes do mundo vão intensificar-se este sábado, aguardando-se que atinjam temperaturas recorde na Europa, China e Estados Unidos, indicam especialistas climáticos.
O fenómeno está a obrigar as autoridades a tomar medidas drásticas para fazer face às vagas de calor, que são, segundo os especialistas, mais uma ilustração das alterações climáticas.