Em 20 anos, juízes cooptados do TC estiveram, no mínimo, três meses a mais em funções

Sá Fernandes perde recurso sobre mandato de juízes do TC. Mas declaração de voto de Mariana Canotilho sugere que se altere a lei.

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Mariana Canotilho, à direita na foto, na tomada de posse do novo presidente do TC Rui Gaudencio
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O advogado Ricardo Sá Fernandes perdeu o recurso que tinha interposto no Tribunal Constitucional em Abril, no qual pedia a nulidade de uma decisão da conferência do TC que era subscrita pelo vice-presidente Pedro Machete, alegando que a manutenção deste juiz no cargo era inconstitucional, uma vez que o seu mandato de nove anos tinha terminado ano e meio antes. Mas teve um prémio de consolação: uma declaração de voto de Mariana Canotilho em que se sugere ter sido atropelado o princípio constitucional da renovação dos mandatos.

Nessa declaração de voto, a juíza cujo nome chegou a ser aventado como possível presidente do TC considera que a lei de funcionamento do Tribunal Constitucional deveria ter previsto um prazo máximo de manutenção em funções dos juízes após o fim dos nove anos de mandato. E revela que, nos últimos 20 anos, todos os seis juízes cooptados (escolhidos por aqueles que são eleitos pela Assembleia da República) viram os mandatos prorrogados para além do prazo, “que apenas num caso foi menor do que 120 dias”.

Ainda que compreenda as dificuldades inerentes ao processo de cooptação, Mariana Canotilho considera “imperioso” que “o legislador encontre soluções de incentivo à renovação, não dando prevalência absoluta à necessidade de assegurar a continuidade e a regularidade de funcionamento do Tribunal Constitucional”.

No seu pedido, Sá Fernandes faz um levantamento das diferentes soluções legais relativas ao fim dos mandatos, demonstrando que não existe uma regra geral ou modelo único. Há casos em que o mandato se mantém até à posse do substituto, outros em que a função cessa no fim do prazo do mandato.

“Não há nenhuma razão para admitir que, em relação ao mandato dos juízes do Tribunal Constitucional, o legislador tenha pretendido que o seu mandato se prorrogasse até à data da tomada de posse dos sucessores”. “Se o tivesse querido, seguramente o teria estabelecido (como fez em relação ao Presidente da República, deputados da AR e das assembleias legislativas regionais, membros do Conselho de Estado ou representantes da República nas regiões autónomas)”, afirma.

Entre outros argumentos, acrescenta que “a matéria da data em que os juízes do TC cessam funções não é uma lacuna que possa ser preenchida pelo legislador ordinário”.

O colectivo de juízes contrapõe, porém, com o preceituado na lei de funcionamento do TC, em cujo artigo 21.º se diz expressamente que os juízes “cessam funções com a posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar”. E sustentam que “a Constituição deixou em aberto determinadas matérias”, seja porque as remete para lei ordinária, seja porque “não seria possível nem apropriado” prever “todos os aspectos do regime” na lei fundamental.

Concluem, assim, que o modelo de sucessão dos mandatos dos juízes “é matéria não-regulada” na Constituição e que foi “atribuída especificamente” ao Parlamento, o que sustenta a decisão de que não existiu inconstitucionalidade.

Opinião diversa, porém, teve Mariana Canotilho. Apesar de ter votado ao lado dos restantes juízes, por considerar que se trata de matéria remetida para o legislador ordinário, a juíza de Coimbra considera que a solução legal deveria respeitar “o princípio da renovação dos titulares dos cargos políticos”.

Em declaração de voto, escreve que, “no quadro de uma república como programa ético constitucionalmente consagrado, o princípio da renovação dos mandatos dos titulares dos cargos públicos impõe, em regra, a limitação temporal dos mandatos e, preferencialmente, a sua não-prorrogação nem renovação”.

E embora considere compreensível a fórmula legal de manter os juízes em funções até serem substituídos, sustenta que poderia ter sido encontrada uma forma intermédia, definindo, por exemplo, um “prazo máximo para essa permanência em funções”. Em conclusão, considera que se “imporia um juízo distinto acerca da constitucionalidade” do artigo 21.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

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