General russo diz ter sido afastado por criticar lideranças militares

Ivan Popov gravou uma mensagem em que acusa os comandantes de topo de atraiçoarem os soldados no terreno. Rebelião de Prigozhin levou à detenção de várias altas patentes.

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Ivan Popov, numa fotografia do Ministério da Defesa RUSSIAN DEFENCE MINISTRY/Reuters
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Um major-general russo diz ter sido afastado do seu cargo de comando depois de ter feito críticas à liderança das Forças Armadas russas sobre a forma como decorrem as operações militares na Ucrânia.

Ivan Popov, que comandava uma força presente na região de Zaporijjia, no Sul da Ucrânia, gravou um testemunho em áudio em que explica o que alegadamente lhe aconteceu. “Sublinhei todos os pontos problemáticos que existem hoje nas Forças Armadas em termos de combate e apoio. Chamei os bois pelo nome”, diz o major-general na mensagem de quatro minutos, divulgada pelo deputado russo Andrei Guruliov - ele próprio um antigo comandante da mesma unidade que Popov chefiava.

Popov diz ter falado aos seus superiores “com franqueza e de forma extremamente dura” sobre as carências russas no terreno, como a falta de peças para atingir a artilharia ucraniana e a debilidade do reconhecimento das posições inimigas. O militar afirma ter também referido “as mortes e os ferimentos graves dos nossos irmãos devido à artilharia inimiga”.

“Os soldados das Forças Armadas da Ucrânia não conseguiram alcançar o nosso Exército pela frente, [mas] os nossos comandantes de topo atingiram-nos pelas costas, vil e traiçoeiramente decapitando o Exército no momento mais difícil e tenso”, atira Ivan Popov, segundo a tradução da mensagem feita pela CNN.

O comandante, de 48 anos, que a Reuters diz ser muito respeitado entre os seus soldados, participou nas guerras da Tchetchénia e da Geórgia. Depois das suas críticas, afirma Popov sem especificar quando as fez, os superiores “sentiram-se de algum modo ameaçados” e “viram-se livres de mim”, afiança.

Nem o Kremlin nem o Ministério russo da Defesa responderam a perguntas sobre este assunto feitas por vários meios de comunicação internacionais. O jornal russo Kommersant traz na edição desta quinta-feira uma referência à mensagem de Popov, cujo paradeiro é neste momento desconhecido.

Antes mesmo de a sua mensagem ter sido tornada pública, foi um canal de Telegram ligado ao grupo Wagner que noticiou o afastamento de Ivan Popov, que teria sido acusado pelo chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Valeri Guerasimov, de “espalhar desinformação e pânico” e de ter tentado “chegar ao Presidente”.

Depois da rebelião abortada do grupo Wagner, no fim de Junho, são várias as altas patentes das Forças Armadas russas que estão afastadas de olhares públicos. Segundo fontes ouvidas pelo The Wall Street Journal, pelo menos 13 comandantes de topo foram detidos e outros 15 suspensos ou despedidos por suspeitas de colaborar com Yevgeny Prigozhin (Ievgueni Prigojin, na transliteração portuguesa) – ele próprio desaparecido do espaço público há semanas.

A mensagem de Popov é mais um sinal do ambiente tenso que aparentemente domina as relações entre os comandantes militares no terreno e as duas principais figuras das Forças Armadas: Guerasimov e o ministro da Defesa, Serguei Shoigu. Os dois homens são os alvos mais frequentes das queixas e insultos de Prigozhin, que pretendia afastá-los dos seus cargos.

As críticas de Popov são “um lembrete de que não há qualquer objectivo estratégico para a Rússia nesta guerra”, comenta Tom Nichols, um perito em relações internacionais que escreve para a The Atlantic. “As forças russas estão a lutar só porque são essas as ordens. (...) O objectivo russo passou a ser 'não deixem [os ucranianos] fazer isso, ou pelo menos não tão depressa​', porque Moscovo está paralisada, estupefacta por o seu único plano ter falhado instantaneamente. Isto significa que a Rússia vai continuar a enviar homens para a trituradora.”

Serguei Surovikin é, segundo o WSJ, um dos que se mantêm detidos e a serem interrogados. Uma fonte disse ao jornal americano que o general estava a par dos planos da rebelião, mas que não tomou parte activa nela. Surovikin, que ganhou a alcunha de “general Armagedão”, pelas tácticas agressivas que empregou quando chefiava a tropa russa na guerra da Síria, chegou a comandar as forças de Moscovo na Ucrânia até ser substituído, em Janeiro, por Guerasimov.

Mikhail Mizintsev, outro comandante com alcunha pouco abonatória – “o carniceiro de Mariupol”, no caso –, terá sido igualmente detido. Antigo vice-ministro da Defesa e responsável máximo pela logística das Forças Armadas, o coronel-general tornou-se membro do grupo Wagner em Abril.

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