Portugal vai definir plano de conservação de tubarões, raias e quimeras

Documento deverá identificar tubarões, raias e quimeras mais vulneráveis, definir habitats críticos e monitorizar exploração sustentável daqueles peixes cartilagíneos no espaço marítimo português.

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Tubarão e raia nadam no Oceanário de Lisboa Daniel Rocha
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Um novo grupo de trabalho está encarregado de elaborar um “Plano de Acção Nacional para a conservação de tubarões, raias e quimeras”, de acordo com um despacho publicado nesta quinta-feira no Diário da República. Esta medida vai ao encontro das orientações da União Europeia (UE) para a conservação daquelas espécies de peixes cartilagíneos, muitas deles ameaçados de extinção, e também das exigências de associações ambientalistas como a ANP/WWF.

Este despacho teve que passar por quatro secretarias diferentes e talvez por isso tenha demorado este tempo”, diz ao PÚBLICO Ana Henriques, bióloga e técnica de oceanos e pesca da ANP/WWF. A bióloga foi responsável por um relatório em 2021 sobre o estado dos tubarões e das raias no contexto português. De acordo com aquele documento, Portugal é o terceiro país europeu que mais captura e tubarões e raias. Na altura, o relatório referia que Portugal “deve assumir um papel de liderança” e “iniciar rapidamente a elaboração do seu Plano de Acção Nacional” para a gestão e conservação daqueles animais.

No espaço marítimo português já foram descritas 117 espécies de tubarões, raias e quimeras (três grupos de peixes cartilagíneos que pertencem à classe dos Chondrichthyes). Este número representa 89% das espécies conhecidas nos mares e oceano que circundam a Europa e 9% das espécies do mundo. Ou seja, Portugal detém uma “grande diversidade” daquelas espécies, refere o despacho n.º 7357/2023.

No final da década de 1990, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês) elaborou um Plano de Acção para a Conservação e Gestão de Tubarões após serem avaliados os impactos na biodiversidade daquelas espécies devido ao “grande aumento das capturas globais” que sofreram, lê-se no despacho. O plano dava indicações sobre as medidas de conservação que os Estados-membros da FAO deveriam adoptar para a conservação dos peixes cartilagíneos.

Passados dez anos, a UE publicou também um plano de acção que “propõe orientações para que os Estados-membros elaborem os seus próprios planos de conservação”, explica o documento. Portugal é o primeiro país da UE a elaborar um plano de acção.

Portugal é o segundo maior exportador de carne de tubarão

Apesar de o despacho referir que “a pesca de tubarões, raias e quimeras em Portugal ocorre, na sua maioria, sob a forma de captura acidental”, Ana Henriques diz que a realidade é outra. “Apesar de não se considerar que haver pesca oficialmente dirigida a tubarões, já existem frotas, como a frota de palangres, que pesca espadarte, cujas capturas de tintureira, também conhecido como tubarão-azul [Prionace glauca], e tubarão-anequim [Isurus oxyrinchus] ascendem a 70% das capturas”, refere a especialista.

Além disso, Portugal é o segundo maior exportador de carne de tubarão no mundo, recorda ANP/WWF. Nas últimas décadas, tem havido um aumento do consumo deste tipo de peixes por todo o mundo. Por isso, “há responsabilidade de Portugal no que toca à gestão e conservação destas espécies”, afirma Ana Henriques.

Um estudo publicado em 2021 na revista Current Biology mostrava que 41% de 611 espécies de raias, 35,9% de 536 espécies de tubarões e 8,3% de 52 espécies de quimeras analisadas estavam ameaçadas de extinção. O tubarão-anequim, é uma das espécies mais ameaçadas. Ele foi recentemente proibido de capturar, os pescadores têm que o devolver ao mar. As fêmeas só atingem a idade de reprodução aos 20 anos e têm pouca descendência, diz Ana Henriques. ​“É uma espécie muito vulnerável à captura excessiva.”

O que é que o grupo de trabalho vai fazer?

O novo grupo de trabalho terá que avaliar que exploração é que efectivamente existe no espaço marítimo português e identificar quais as ameaças que aquelas espécies estão sujeitas. Por outro lado, terá de identificar quais são as espécies que estão mais vulneráveis ou ameaçadas e propor “medidas de protecção de habitats críticos” identificados para os tubarões, raias e quimeras.

Além disso, o plano deverá “incentivar estratégias de exploração” que sejam sustentáveis para as espécies não ameaçadas de modo a permitir a “viabilidade das populações a longo termo”, sublinha o despacho. Ao mesmo tempo, o documento terá de definir medidas que diminuam as capturas acidentais e conceber “um plano de monitorização” da captura daquelas espécies.

O grupo de trabalho terá dois funcionários do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), dois do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), um da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, dois da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRNSSM), um da Direcção-Geral de Política do Mar, e um representante de cada uma das seguintes secretarias de Estado: do Mar, da Conservação da Natureza e Florestas, das Pescas e da Defesa Nacional. Integrarão ainda representantes dos Governos das Regiões Autónomas mediante convite da área governativa da economia e mar, adianta o despacho.

Apesar de o grupo de trabalho poder ainda recorrer à ajuda de outros organismos públicos e privados, e de especialistas na área, Ana Henriques tem reservas ao facto de não terem sido incluídos académicos da área, responsáveis do sector da pesca e de organizações não-governamentais ambientalistas, que representam a sociedade civil em relação a preocupações sobre conservação e biodiversidade.

“Se for um grupo governamental, o processo de realização poderá ser mais agilizado já que há menos consulta”, diz a bióloga, tentando justificar a razão para só terem sido escolhidas integrantes do aparelho do Estado. “Mas a nós não nos interessa ter um plano no papel, mas sim ter um plano que faça sentido e contribua realmente para a recuperação dos tubarões e das raias.

Um plano sem data de conclusão

Temendo que a participação pública na elaboração do plano, que está prevista no despacho, só ocorra depois da estrutura do plano já ter sido feita e permita pouca margem de manobra, a ANP/WWF realizou recentemente um workshop participativo a nível nacional, que permitiu elaborar as bases para o que deve ser um plano de acção nacional, diz Ana Henriques, explicando que a ANP/WWF já se tinha reunido várias vezes nos últimos anos com o Governo sobre este tema.

O workshop contou com vários interessados: autoridades como a DGRNSSM, o IPMA, o ICNF, a Direcção-Regional das Pescas dos Açores, responsáveis das secretarias de Estado do Mar, das Pescas e da Conservação da Natureza e Florestas, investigadores de centros do estudo do mar de Lisboa, de Coimbra e da Madeira, responsáveis da Federação da Pesca dos Açores e da Coopesca Madeira, entre outros.

“Não podemos fazer um plano nacional se não considerarmos as regiões autónomas. Há especificidades locais que têm de ser tidas em conta”, afirma Ana Henriques, dando exemplos como a diferença das espécies que são capturadas no continente, nos Açores e na Madeira, ou o tipo de técnica de pesca utilizada.

Do encontro, saíram as bases de um plano que é a visão comum dos intervenientes do workshop e a definição de cinco linhas temáticas importantes para a conservação e gestão dos tubarões, das raias e das quimeras: a pesca dirigida e acidental, o consumo e o comércio, o conhecimento científico e a literacia, as ameaças ambientais e a protecção do ambiente e, finalmente, a interacção com outras actividades humanas. O resultado foi incluído num relatório que a associação irá enviar para o grupo de trabalho. “Queremos influenciar de forma positiva a formulação do plano”, assume Ana Henriques.

O despacho publicado agora em Diário da República avisa ainda que a informação relevante sobre os trabalhos deste grupo será divulgada pelo IPMA, mas não apresenta um prazo para a conclusão da elaboração do plano.