Começo por dizer que sou millennial. Nasci em 1989, numa família da classe média (outrora existente) da zona norte do país. A minha infância e adolescência foram felizes e culminaram num jovem adulto feliz, realizado, que seguiu a área que queria e exerce a profissão que sempre quis na cidade que escolheu.
Este é o retrato de um crescimento perfeito. Aos olhos da generalidade da população isto é o “sonho americano, versão portuguesa”. E se olharmos de uma forma macro, isto é felicidade. Os nossos pais sempre nos disseram desde tenra idade “vocês são uns sortudos por não passarem o que nós passamos, a fome, muita miséria…” e durante uns tempos este discurso era por nós assimilado.
“Realmente, temos mesmo sorte”. E assim fomos até ao início da nossa vida profissional. Até ao momento de tomar decisões. E é nesta fase que estamos. Decisões. Incertezas. Por toda a parte. Trabalhos mal remunerados, casas impossíveis de comprar, relações sinuosas.
E a geração “sortuda” aparece angustiada, marcada pela depressão, pela ansiedade, pela necessidade comprimidos para dormir… e comprimidos para festejar. O que aconteceu durante o caminho? Ou é apenas evolução normal das coisas?
A verdade é que muitos de nós não passámos pelo sofrimento físico e palpável das gerações anteriores. Portugal entrou na UE, foram tempos prósperos. A saúde melhorou, a educação melhorou e os indicadores aproximaram Portugal dos países mais desenvolvidos. Não sobrevivemos. Uma grande parte de nós viveu.
Mas deixo aqui a seguinte questão: as dificuldades como a fome, o frio, a imensa desigualdade económica suplanta a necessidade de performance no trabalho, a ausência de um local para viver que nos torna quase nómadas, a dificuldade em comprar casa?
É aqui que surge o profundo conflito geracional: as gerações mais antigas respondem taxativamente que sim. Eu tendo a discordar. Se, por um lado, os nossos pais poderiam não ter nada para comer se não trabalhassem e era isso que os movia, também é verdade que hoje somos engolidos por empresas que nos exigem mais e mais. As gerações antigas não lidavam com isto.
Eram causa e efeito: trabalho para sobreviver. As actuais já lidam com algo mais complexo: trabalho para mais performance, para mais hipóteses de singrar pessoalmente e profissionalmente. A ansiedade torna-nos produtivos. Até um certo ponto. Ultrapassado este ponto, é uma gaiola que nos prende e cada vez nos sufoca mais até ao limite do insustentável.
Este ano, pela primeira vez, ela apareceu na minha vida. Sempre fui resiliente e, modéstia à parte, geri todos os quadrantes da minha vida sem grandes sobressaltos. Mas num momento de stress profissional sem precedentes e um evento familiar adverso, os sintomas apareceram. Sem aviso prévio.
A minha família e o meu grupo de amigos entendeu, pois fiz questão de partilhar. Mas, no meio de algumas conversas, saiu um “como é que a tua geração está tão infeliz? Tão ansiosa e deprimida?”. E eu não condeno a pergunta. É um facto. Diria que 70 a 80% dos meus amigos tem ou teve algum problema que os faz precisar de psicoterapia e/ou medicação.
A minha geração é, sem dúvida, ansiosa, triste, até algo bipolar pela forma como alterna euforia com depressão. Férias, cidades, festivais, concertos… nunca uma geração viu e experienciou tanto como a minha. Mas também nenhuma, arrisco a dizer, sofre tanto psicologicamente como a minha. A explicação, penso, é multifactorial: trabalho, instabilidade, habitação e também alguma pressão dos nossos pais com esse pensamento de “têm tudo para ser felizes. Não sofreram como nós.”
Mas porque acham isso? Porque é que estas incertezas que carregamos são menores que as deles? Somos diariamente inundados com estímulos variados, que nem conseguimos processar. Abrimos qualquer rede social e tudo nos impele a ir, a comprar, a partilhar, a arriscar. Vimos mais e experienciamos mais do que qualquer outra geração anterior à nossa. Mas em momento algum dissemos que deixamos de ter medo, que deixamos de sofrer.
Reprimimos esses pensamentos muitas vezes, com inúmeras máscaras sociais e com interesses variados. Lemos, pintamos, escrevemos, representamos, viajamos… mas somos humanos. Como os que antes de nós vieram. Não precisamos que nos relembrem diariamente a sorte que temos em viver no mundo de agora. Nós sabemos. Um mundo cada vez mais livre, igual e livre de preconceito. E também trabalhamos para tal. A única coisa que pedimos em troca? Não achem que a nossa vida é mais fácil. Não é.