Uma noite de História com Os Verdes Anos da curta-metragem portuguesa

Vila do Conde mostra filmes de Fernando Lopes, António de Macedo ou Manoel de Oliveira para marcar os 60 anos do Cinema Novo.

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As Palavras e os Fios, de Fernando Lopes DR
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É demasiado fácil esquecer que a curta-metragem made in Portugal não é coisa só de hoje, que na verdade já vem muito lá de trás, dos anos em que o Estado exigia quotas de produção portuguesa nos programas de exibição, como complemento aos “filmes de fundo”, ou em que a embriónica RTP mostrava o que, para todos os efeitos, eram realmente curtas a fingir-se programas televisivos. Ora, o Curtas Vila do Conde propõe regularmente voltar atrás no tempo para reavaliar a história deste formato entre nós, e ver ou rever, com os olhos de hoje, aquilo que durante muito tempo parecia ser apenas “marginália” ou curiosidade.

E é precisamente essa a ideia que norteia a sessão desta quarta-feira da secção Cinema Revisitado, às 21h15. Marcando os 60 anos da estreia (em Novembro de 1963) do seminal Os Verdes Anos, de Paulo Rocha, o filme que deu o “pontapé de saída” público do Cinema Novo, os académicos e historiadores Daniel Ribas e Paulo Cunha seleccionaram um programa de curtas-metragens portuguesas realizadas entre 1962 e 1963 por nomes-chave daquele movimento. Na nota que acompanha a sessão, intitulada Quando o Cinema Mudou, os dois investigadores definem estes filmes como o “prelúdio do que iria acontecer nas longas-metragens”, descrevendo-os como “um terreno fértil para antecipar as transformações […] do cinema português”.

O que se verá, então, em cópias digitalizadas pela Cinemateca Portuguesa, são três curtas-metragens de “jovens cineastas” daquele período, a que se junta uma do cineasta que os inspirou a todos. Os “jovens”, esfomeados de novidade e diferença, movidos pelo desejo de traduzir para Portugal a liberdade formal que vinha do estrangeiro, experimentam com o filme “industrial” de encomenda. E assim Fernando Lopes (1935-2012) filma uma fábrica de cabos eléctricos como um recreio de cores e luz musicado por Manuel Jorge Veloso em As Palavras e os Fios (1962); António de Macedo (1931-2017) sobrepõe um poema de Maria Teresa Horta ao patrocínio de uma cervejeira em Verão Coincidente (1963); e Alfredo Tropa e António da Cunha Telles (1935-2022) propõem um filme educativo sobre Os Transportes (1962).

São obras raras, quando não mesmo invisíveis (a curta As Palavras e os Fios, no entanto, pode ser encontrada no DVD Fernando Lopes: 13 Filmes Curtos 1963-77, editado pela Midas). Embora Cunha Telles estivesse já activo na produção, seria preciso ainda bastante tempo para estes nomes chegarem à longa-metragem; o primeiro a fazê-lo seria Lopes, com Belarmino, em 1964, que será também mostrado neste Curtas na noite de sexta, no âmbito do programa dedicado a Augusto Cabrita.

A sessão prossegue com o lendário A Caça (1963), de Manoel de Oliveira, homem que já então era o “farol” do Cinema Novo e que se tornaria com o tempo figura tutelar de todo o cinema português pós-1963. Esta curta de Oliveira, a quem a censura salazarista impôs à época a alteração do final e que só em 1988 reencontrou a sua versão original, sucede à longa de 1962 Acto da Primavera, que chegaria às salas portugueses apenas um mês antes de Os Verdes Anos — com Paulo Rocha a colaborar em ambos os filmes, feitos em estrito regime de auto-produção.

O programa da sessão regressa, para terminar, à fundadora longa-metragem de Rocha, através de um excerto seleccionado como “exemplo” dos novos rumos antecipados pelas curtas-metragens apresentadas. Uma noite de História, portanto.

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