“Portugal tem tudo a ganhar com uma Lei do Restauro da Natureza ambiciosa”

Ambientalistas defendem lei sobre recuperação da natureza, votada esta quarta-feira no Parlamento Europeu. Bloqueio da direita coloca em xeque um dos pilares simbólicos do Pacto Ecológico Europeu.

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Agricultores e representantes do sector agrícola em protesto em frente ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, nesta terça-feira JULIEN WARNAND/EPA
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Agricultores e representantes do sector agrícola em protesto em frente ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, nesta terça-feira JULIEN WARNAND/EPA
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Agricultores e representantes do sector agrícola em protesto em frente ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, nesta terça-feira JULIEN WARNAND/EPA
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Protestos a favor da Lei do Restauro em Estrasburgo JULIEN WARNAND/EPA
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O plenário do Parlamento Europeu vota esta quarta-feira a Lei do Restauro (ou Restauração) da Natureza, uma proposta legislativa que, a menos de um ano das eleições europeias, promete marcar o tom do debate para os próximos meses. Proposta pela Comissão Europeia para assegurar a recuperação de 20% dos ecossistemas degradados até 2030, a lei tropeçou no Parlamento Europeu: um boicote do grupo democrata-cristão Partido Popular Europeu (PPE, onde estão eurodeputados do PDS e do CDS) levou à rejeição da proposta nas três comissões que analisaram o documento, incluindo um empate final na comissão de Ambiente, que recomenda ao plenário que rejeite a proposta — ou seja, que não prossiga a negociação com o Conselho da União Europeia.

O dia de terça-feira amanheceu com duas manifestações opostas à porta do Parlamento Europeu, em Estrasburgo: de um lado, uma concentração de produtores agrícolas contra a aprovação da lei; do outro lado do cordão policial, um grupo em tons de verde reúne-se à volta de um palco improvisado onde começam por discursar vários jovens de diferentes países europeus, incluindo a activista climática sueca Greta Thunberg.

Lá dentro, nos corredores do Parlamento Europeu, o clima de divisão é quase palpável e ninguém arrisca grandes previsões. Há quem já conte com a derrota da lei, face à divisão no seio do grupo liberal Renew (partido europeu ao qual pertence o Presidente francês Emmanuel Macron). Outros vêem com alguma expectativa a ideia de que alguns deputados — em particular os do PPE — prefiram faltar à votação, para não confrontarem publicamente a linha partidária. “Prognósticos, só no fim do jogo”, brinca um dos assessores, ilustrando a incógnita que ronda a votação.

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A activista climática Greta Thunberg também esteve nos protestos a favor da Lei do Restauro em Estrasburgo JULIEN WARNAND/EPA

Uma lei “mal feita”?

O PPE, entretanto, insiste que esta é uma lei que veio “mal feita” da Comissão Europeia. “Mas então para que é que servem o Parlamento Europeu e o Conselho?”, questiona, estupefacta, a eurodeputada socialista Sara Cerdas, membro da comissão de Ambiente, recordando o poder do Parlamento de propor alterações à lei. “Nós já estamos a viver as consequências das alterações climáticas, não podemos esperar. Temos de actuar, e temos de actuar já”, alerta. “Não podemos dizer que o Pacto Ecológico já está a ir muito longe, a verdade é que nós ainda estamos atrasados.”

Um dos grandes motivos alegados pelo PPE é a ameaça à soberania alimentar europeia — um “papão” que foi desmistificado por milhares de investigadores europeus (incluindo quase 100 portugueses) que subscrevem um artigo científico onde são desmontados, com base em investigação científica, vários argumentos usados pelo PPE, como a perda de solos agrícolas ou a suposta ameaça ao mercado das renováveis.

Além do apoio maciço da comunidade científica, a lei tem também o apoio de várias indústrias e outros sectores, desde a produção de energias renováveis até outros mais conservadores, como a caça. O grande reduto de resistência à lei vem da COPA-COGECA, um grupo de interesse que reúne organizações agrícolas e defende os interesses dos (grandes) agricultores europeus.

Para Sara Cerdas, é falsa a “narrativa de que isto é mau para os agricultores”. “Se 40% do nosso território está em seca extrema e os solos que temos não são férteis, como é que a sua actividade vai continuar?”, questiona a eurodeputada, apontando o restauro dos solos como uma solução. “Esta lei é a favor dos agricultores, é para garantir a nossa segurança e sustentabilidade alimentar. É disso que estamos efectivamente a falar. E é isso que estamos a sentir na pele todos os dias, com recordes de temperaturas”, assinalou a eurodeputada socialista.

“Faz todo o sentido para Portugal”

Esta semana, nove organizações ambientalistas portuguesas entregaram uma carta aos eurodeputados defendendo que “Portugal tem tudo a ganhar com uma Lei do Restauro da Natureza ambiciosa”. Apelando ao voto a favor da lei, pedem que os políticos demonstrem um “compromisso claro para manter e consolidar o equilíbrio entre os ecossistemas saudáveis e a prosperidade das populações que deles dependem”.

A carta é subscrita pela Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), Geota, Liga para a Protecção da Natureza (LPN), Observatório do Mar dos Açores (OMA), Sciaena, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Sociedade Portuguesa de Ecologia (Speco), Centro de Conservação das Borboletas de Portugal (Tagis) e Zero.

Em declarações ao PÚBLICO, Gonçalo Carvalho, da organização Sciaena, explica que esta legislação “faz todo o sentido para Portugal”, onde existem “inúmeros exemplos em terra e em mar onde a conservação e o restauro já está a acontecer com pescadores e agricultores envolvidos”. “Esta lei permitiria continuar esse caminho e até talvez ter melhor financiamento e ferramentas para fazer essa transição”, sublinhou. “Portugal está em vantagem com a aplicação desta regulamentação.”

No sentido contrário, a eurodeputada do PSD Lídia Pereira defende que Portugal tem motivos específicos para estar contra esta lei, alegando que a madeira morta que se propõe manter nas florestas converter-se-á em combustível para exacerbar a destruição das florestas nos países do sul da Europa.

A jovem social-democrata, que representa o PPE em alguns dossiers relacionados com questões climáticas (como a posição do Parlamento Europeu em relação ao mandato da UE à COP28), reforça que o seu partido “está do lado do ambiente”, mas que “esta proposta que vai contra os interesses de Portugal”, criticando “o impacto que a aprovação dessa lei tem nos incêndios e na gestão da limpeza florestal”. “A questão da madeira morta é uma linha vermelha para nós”, diz mesmo a eurodeputada, denunciando pouca flexibilidade para encontrar uma solução de compromisso.

“Tentem fazer produção sem abelhas”

O eurodeputado João Pimenta Lopes, do PCP, que acompanhou o dossier nas comissões das pescas e do ambiente, nota que “a crítica a esse critério revela um profundo desconhecimento do que é uma floresta em si”. O eurodeputado lamenta a polarização que levou a que a proposta em cima da mesa do plenário tenha agora tão pouca ambição, sublinhando que é também preciso “olhar para o caminho que foi feito nos sectores produtivos para o estado de degradação em que estamos hoje”, em particular “o caminho que a própria UE tem vindo a promover e a potenciar a superprodução intensiva”.

Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda e membro suplente da comissão de Ambiente, relembra ainda que “não existe nenhuma meta de carácter vinculativo em relação à madeira morta deixada nos terrenos”, reforçando que a lei prevê que cada país, no âmbito do seu plano nacional, defina as prioridades e estratégias para o restauro dos ecossistemas.

“O único número que conta aqui é que os estudos mostram que, na União Europeia, 80% dos habitats estão degradados”, alerta. “A insegurança alimentar vai ser uma realidade, mas é porque deixamos de ter solo fértil e arável”, alerta, notando a importância desta lei para a recuperação, por exemplo, dos polinizadores que garantem a produção. “Tentem fazer produção sem abelhas.”

O PÚBLICO viajou a convite do Parlamento Europeu