“Paraíso fiscal” na aviação impede Estado português de receber 1200 milhões de euros

UE arrecadaria 26.400 milhões de euros em 2022 se sector pagasse imposto sobre produtos petrolíferos e outras taxas, diz relatório. Valor poderia ajudar na descarbonização da aviação, defende a Zero.

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A falta de taxas é uma das razões para o aumento das emissões de gases com efeito de estufa, lê-se no relatório Daniel Rocha/ARQUIVO
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Ao não pagarem o imposto especial para os combustíveis fósseis e outras taxas, as companhias aéreas estão a causar aos estados europeus um “buraco fiscal” de milhares de milhões de euros, denuncia um relatório publicado nesta quarta-feira. Só em 2022, a União Europeia (UE) poderia ter recebido mais 26.400 milhões de euros se aquelas taxas fossem aplicadas. No caso de Portugal, esse valor seria de 1200 milhões de euros, o que permitiria investir na descarbonização do sector dos transportes, incluindo o da aviação comercial, adianta a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

“As companhias aéreas vivem uma situação de paraíso fiscal na Europa”, diz ao PÚBLICO Pedro Nunes, especialista em política pública da Zero, acrescentando que não há uma mudança por “falta de vontade política”.

Esta situação tem implicações no ambiente. A nível mundial, o sector da aviação é responsável por 2,5% das emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal gás responsável pelo efeito de estufa que causa aquecimento global. Apesar de haver alguns esforços e investimento para que os aviões se tornem mais económicos do ponto de vista energético, o crescimento do sector continua a traduzir-se num aumento das emissões. Enquanto em 2013 a aviação produziu 706 milhões de toneladas de CO2, em 2019 esse valor tinha subido para 920 milhões de toneladas. Por comparação, em 2019 Portugal lançou para a atmosfera 50 milhões de toneladas.

A falta de taxas é uma das razões para o aumento das emissões porque não “dá ao sector nenhum incentivo para investir em tecnologias sustentáveis e torna os voos artificialmente baratos”, lê-se na introdução do novo relatório, produzido pela Transport & Environment – Transporte e Ambiente –, uma organização não-governamental com mais de 30 anos e sede em Bruxelas que tem como objectivo a promoção de um sistema de mobilidade europeu acessível e com zero emissões.

A directiva comunitária de 2003 que reestruturou a “tributação dos produtos energéticos e da electricidade” aconselhava a manter-se “as isenções aplicáveis aos produtos energéticos fornecidos para fins de navegação aérea” por uma questão de “obrigações internacionais” e de concorrência. Ou seja, ao contrário de qualquer consumidor ou empresa de transportes rodoviários que vai abastecer o carro ou o autocarro de gasóleo ou gasolina e paga um imposto especial pelos produtos petrolíferos, as empresas de aviação não têm de pagar essa taxa quando abastecem os aviões de querosene.

Viagens sem IVA

Além disso, as viagens internacionais não são alvo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nos Estados-membros da UE. Mesmo em relação às viagens domésticas, esses valores são discrepantes. No caso de Portugal, para viagens entre Lisboa, Porto e Faro, o custo do bilhete incorpora um valor de IVA de 6%. Já nos trajectos entre Portugal continental e os arquipélagos dos Açores ou da Madeira, ou entre os dois arquipélagos, não se paga IVA.

“Este diferencial de que o sector beneficia é, na prática, um buraco fiscal nos cofres do Estado e uma borla às companhias aéreas”, alega em comunicado a Zero, que é um dos membros da Transport & Environment. Por outro lado, a situação é injusta do ponto de vista da concorrência para outros sectores dos transportes, como a ferrovia. As companhias aéreas têm ainda um último benefício, já que uma parte das licenças de emissão de dióxido de carbono é, para já, atribuída gratuitamente.

Perante esta situação, a organização foi avaliar quanto é que as empresas de aviação teriam de pagar se o IVA dos bilhetes passasse a 20%, tanto nas viagens domésticas como nas internacionais, se cada litro de combustível fosse taxado a 38 cêntimos e a emissão de cada tonelada de CO2 custasse 85 euros. Além dos 27 Estados-membros da UE, o relatório incluiu a Islândia, a Noruega, o Reino Unido (cujo valor de custo de emissão é de 93 euros por tonelada de CO2), e a Suíça.

Tendo em conta todos os países incluídos no estudo, se as companhias aéreas não tivessem isenções de impostos e taxas, os 31 países receberiam ao todo 43.000 milhões de euros daquele sector. Este valor já inclui uma diminuição de 30% no número de passageiros devido ao aumento dos preços das viagens, o que também significaria menos 26% das emissões de CO2, avança o relatório.

Segundo as contas do relatório, em 2022 o sector da aviação destes 31 países já pagou 8800 milhões de euros entre a parte das licenças de emissão de carbono que tiveram de pagar, o IVA aplicado a parte das viagens e as várias taxas que alguns países aplicam. Em Portugal, desde 1 de Julho de 2021, cada pessoa que viaja de avião tem de pagar dois euros de taxa de carbono, que reverte para o Fundo Ambiental. Em 2022, essa taxa resultou em cerca de 40,9 milhões de euros, de acordo com a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC).

Assim, retirando 8800 aos 43.000 milhões de euros, os 31 governos europeus perderam 34.200 milhões de euros em impostos e taxas. Na mesma lógica, a UE cobrou 5000 milhões de euros em taxas e impostos à aviação, perdendo 26.400 milhões de euros. Se a isenção continuar, em 2025, com o esperado crescimento do número de passageiros, “o buraco fiscal aumentará para 47.100 milhões de euros na Europa”, avisa-se no comunicado da Zero, citando os cálculos prospectivos do relatório.

“Ao permitirmos que não se pague o verdadeiro custo das viagens, não estamos a dar o sinal necessário para as companhias aéreas iniciarem o seu processo de descarbonização”, avisa Pedro Nunes. “Temos a aviação a descarbonizar-se a um ritmo muito inferior ao crescimento de passageiros. Se deixarmos as coisas desequilibradas, mesmo que consigamos baixar o nível de emissões de CO2, essa diminuição é comida com o aumento de número de passageiros, e na prática ficamos na mesma ou pior.”