É mais um sério alerta sobre o possível alcance da poluição por plásticos no planeta. Dois estudos publicados esta quarta-feira pela revista científica Nature trouxeram à tona novos dados de uma contaminação generalizada dos recifes de coral e dos lagos de água doce por plástico — mesmo naqueles que ficam mais longe da civilização que produz estes materiais. Portugal é assinalado no mapa num artigo que conta com assinatura de autores portugueses.
Num dos estudos, liderado por Veronica Nava (Universidade de Milão-Bicocca, Itália), os quase 80 cientistas (cinco dos quais portugueses) descobriram que todos os 38 lagos e reservatórios de água doce analisados, a maioria no hemisfério Norte, estavam contaminados por microplásticos — isto é, minúsculas partículas de plástico — com mais de 2,5 milímetros de comprimento.
Dois deles ficam em Portugal e estão entre os mais atingidos por este tipo de poluição: o lago da barragem do Alqueva e a lagoa Azul, nos Açores. As amostras recolhidas no local mostram que esse último é o nono corpo de água analisado com maiores concentrações de microplásticos. O lago do Alqueva ocupa a 13.ª posição. No artigo, não são referidos os valores exactos encontrados nestes dois locais no país, mas um mapa publicado permite concluir que a concentração está entre uma e 2,5 partículas por metro cúbico.
Mas os casos mais preocupantes são os dos lagos Lugano, Maior (ambos entre a Suíça e Itália) e o Tahoe (Estados Unidos), que têm concentrações de microplásticos superiores às detectadas nos grandes sistemas de correntes marinhas rotativas (giros oceânicos) subtropicais. No lago Lugano, a concentração é de 11,5 partículas por metro cúbico, no lago Maior de 8,2 partículas e no lago Tahoe, de 5,4. Essas são consideradas algumas das maiores zonas de acumulação de plástico do mundo.
De acordo com os autores do estudo, há dois tipos de reservas de água especialmente vulneráveis à contaminação por plásticos: os lagos que ficam em áreas densamente povoadas e urbanizadas e os reservatórios que têm grandes áreas de deposição, longos tempos de retenção de água e que são altamente impactados pela actividade humana.
Os lagos com áreas de superfície mais pequenas tinham uma percentagem maior de fibras de poliéster, normalmente azuis ou brancas, enquanto os lagos maiores e mais profundos tendiam a ser dominados por fragmentos brancos ou transparentes de polipropileno e polietileno, concluíram os autores do artigo.
Mas mesmo em zonas mais remotas e com menos presença humana, foram encontradas fibras têxteis, que são uma das principais fontes de contaminação por plásticos. Segundo o estudo, as fibras podem ter chegado a esses lagos por deposição atmosférica ou através de afluentes dos rios que os alimentam.
Estes dados sugerem que os lagos e reservatórios de água doce “desempenham um papel fundamental no ciclo de poluição por plásticos”, defendem os cientistas. “As nossas conclusões sublinham a importância de incluir os lagos e reservatórios na abordagem da poluição por plásticos, no contexto da gestão da poluição e para a prestação contínua de serviços ecossistémicos lacustres”, escrevem no artigo.
Macroplástico encontrado em nove em cada dez recifes
Outro estudo, liderado por Hudson T. Pinheiro (Academia de Ciências da Califórnia, EUA), que também é publicado na mesma edição da Nature, procurou esta poluição junto dos recifes de corais. A equipa percebeu que a maior parte do plástico encontrado nos corais é constituída por macroplásticos (fragmentos de plástico de maiores dimensões, com pelo menos cinco centímetros) com origem na indústria pesqueira, por causa das cordas e das armadilhas abandonadas no mar. Esses detritos maiores são especialmente abundantes nos recifes mais profundos.
Os cientistas chegaram a esta conclusão depois de terem analisado as amostras recolhidas por mergulhadores e veículos submarinos em 84 ecossistemas, ao longo de uma profundidade até aos 150 metros, em 25 locais nas bacias do Pacífico, Atlântico e Índico. Foram encontrados detritos em 77 desses pontos (92%), 88% dos quais eram macroplásticos, e são especialmente grandes nos locais mais profundos.
Isso contraria as observações realizadas noutros ecossistemas marinhos próximos da costa, sublinham os investigadores no artigo publicado pela Nature, que pareciam indicar que as densidades de macroplástico diminuem com a profundidade e têm origem em objectos de consumo, como embalagens ou brinquedos.
Tal como o estudo sobre os lagos e reservatórios de água doce, esta análise também sugere que a quantidade de detritos varia muito de lugar para lugar. A maior quantidade de macroplásticos encontrada por quilómetro quadrado, quase todos originários de bens de consumo, foi detectada nas ilhas Comores, ao largo da costa Leste de África.
Mas a maioria dos outros locais tinha sobretudo detritos relacionados com a pesca. Tal como apontam Kara Lavender Law e Chelsea M. Rochman, dois investigadores convidados pela Nature para comentar estes resultados científicos, “as correlações entre os detritos de consumo e a proximidade dos grandes centros populacionais, e entre os detritos de pesca e a complexidade do habitat, sugerem potenciais factores de contaminação que poderiam ser alvo de intervenção”.
Coordenação entre investigações “ajudará a monitorização”
Embora as duas investigações publicadas esta terça-feira sejam independentes, ambas se debruçam sobre uma das tarefas mais complexas da monitorização da poluição produzida pelo plástico: o estudo da abundância e da distribuição dos detritos pelo ambiente. É difícil acompanhar o rasto destes poluentes que podem ter tamanhos muito díspares, características químicas e formatos diferentes.
Cada tipo de plástico requer uma abordagem própria para ser recolhida e analisada. Por isso, e tal como aponta o comentário publicado pela revista Nature, nem sempre os dados científicos podem ser comparados ou cruzados para revelar a verdadeira dimensão do problema e onde é que ele é mais profundo.
Mas os estudos publicados esta quarta-feira “demonstram uma coordenação impressionante entre muitos grupos de investigação e vários locais”, consideraram as duas investigadores no comentário na revista científica: “Ambas as equipas utilizaram métodos padronizados (ou, pelo menos, comparáveis) para realizar as suas análises.” Esta “sintonia”, argumentam, permite identificar padrões tanto sobre a abundância de detritos como sobre a sua origem.
“Para facilitar a gestão e a atenuação desta contaminação, são necessários esforços coordenados de monitorização para identificar os locais onde a exposição é mais elevada e apresenta maior risco”, escrevem Kara Lavender Law e Chelsea M. Rochman. Métodos como os utilizados nos dois novos estudos podem “ajudar os programas de monitorização, à escala local e global, a avaliar a contaminação de base e os seus factores determinantes e a medir os efeitos das acções de atenuação e prevenção”.