BE acusa MAI de ingerência na RTP e também quer ouvir Adão e Silva no Parlamento

Em causa está o polémico cartoon alusivo à polícia e ao racismo que a RTP passou nos últimos dias.

Foto
Joana Mortágua criticou ministro da Administração Interna por ter ligado ao Conselho de Administração da RTP "para se queixar de um cartoon perfeitamente enquadrado pela liberdade de expressão" Nuno Ferreira Santos

O Bloco de Esquerda (BE) acusou nesta terça-feira o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, de tentativa de ingerência editorial na RTP e adiantou que quer ouvi-lo no parlamento, bem como ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.

Em conferência de imprensa, no Parlamento, a deputada bloquista Joana Mortágua assinalou também que vai entregar um voto de condenação contra atentados à liberdade de expressão em relação ao cartoon de Cristina Sampaio, que se chama Carreira de Tiro.

Cristina Sampaio é colaboradora do colectivo Spam Cartoon, que tem uma rubrica semanal na RTP (é também colaboradora do PÚBLICO, na rubrica Desalinho, do P2). O seu cartoon Carreira de Tiro foi exibido pela televisão pública durante a transmissão do festival de música Nos Alive. Mostra um polícia que vai disparando e acertando cada vez mais tiros à medida que a pele do alvo vai escurecendo, com uma expressão cada vez mais zangada.

José Luís Carneiro afirmou na segunda-feira que expressou ao Conselho de Administração da RTP desagrado pela exibição desse cartoon​. Por seu turno, a direcção nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) revelou ter apresentado queixa ao Ministério Público. Em contraponto, Pedro Adão e Silva, argumentou que os humoristas e cartoonistas devem ter autonomia.

"A liberdade de expressão deve ser preservada para além de uma questão de gosto, e a possibilidade de ironia e provocação devem permanecer no âmbito da liberdade artística de uma forma muito ampla, mesmo que isso possa ferir algumas sensibilidades", começou por salientar Joana Mortágua, nesta terça-feira, no Parlamento.

Neste quadro, a deputada do Bloco considerou "inaceitável que o director nacional da PSP entenda que isto se pode resolver com uma queixa-crime, mas ainda mais grave é que, perante esta mesma vontade de limitar a liberdade de expressão, o ministro da Administração Interna se sinta na autoridade, na capacidade e no poder de fazer uma chamada para o Conselho de Administração da RTP".

Mortágua vincou que a RTP é uma empresa pública de comunicação "naturalmente com liberdade e independência editorial e de informação", razão pela qual é "inconcebível que o ministro da Administração Interna se sinta no poder de ligar ao Conselho de Administração para condicionar aquilo que a RTP passa enquanto sua escolha editorial".

"Estamos perante uma ingerência absolutamente inaceitável em relação à liberdade de imprensa e de expressão", completou, antes de justificar a opção de o Bloco de Esquerda também pretender ouvir no Parlamento o ministro da Cultura, além de José Luís Carneiro.

A bloquista observou que o ministro Pedro Adão e Silva tem a tutela da comunicação social e da RTP.

"Tal como o ministro da Administração Interna, o da Cultura também pertence ao chamado núcleo duro do Governo. Gostaríamos de perceber como é que o ministro da Cultura entende ter um colega seu, o da Administração Interna, a ligar directamente ao Conselho de Administração da RTP para se queixar do conteúdo de um cartoon que está perfeitamente enquadrado pela liberdade de expressão, de imprensa e artística", apontou Joana Mortágua.

A deputada do BE, eleita por Setúbal, acrescentou que, com a audição parlamentar, quer saber igualmente se Pedro Adão e Silva "considera normal que um outro membro do Governo ligue para o Conselho de Administração por não gostar de uma coisa que viu na televisão".

Em relação a este caso, fonte oficial da RTP disse à agência Lusa que o Spam Cartoon, sendo da autoria de "alguns dos mais reconhecidos cartoonistas portugueses", "é um exercício de opinião livre sobre a actualidade nacional e internacional que a RTP acolhe desde 2017".

"Em nenhuma circunstância [o cartoon em questão] serviu para instigar à violência contra quem quer que seja. Os valores da liberdade de expressão e de opinião são basilares da democracia e do serviço público da RTP", salientou o canal de televisão.

O PSD já questionou o Conselho de Administração da RTP e o Chega propôs a audição no Parlamento do canal público e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Por sua vez, a direcção nacional da PSP adiantou que apresentou queixa ao Ministério Público por considerar que o vídeo "representa juízos ofensivos da honra e consideração de todos os profissionais da PSP".