As ondas de calor que varreram a Europa no Verão de 2022 podem ter provocado mais de 61 mil mortes, indica um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Medicine. Desse total, os investigadores estimam que mais de 2200 óbitos terão tido lugar em Portugal.
“Estimámos 2212 mortes relacionadas com o calor no Verão de 2022 em Portugal. Em termos de mortes por milhão de habitantes, Portugal teve uma das taxas mais elevadas, ficando atrás apenas de Itália, Grécia e Espanha”, afirmou ao PÚBLICO o co-autor Xavier Basagaña, investigador do Instituto de Barcelona para a Saúde Global, em Espanha.
As conclusões do estudo ancoram-se em estatísticas do Eurostat, que facultou dados relativos a mais de 45 milhões de mortes ocorridas em 35 países da Europa. O serviço de estatística da União Europeia verificou níveis elevados de excesso de mortalidade nesse período, mas, segundo os autores, nunca chegou a ser quantificado o impacto no continente europeu.
Os autores analisaram os dados de excesso de mortalidade (ou seja, mortes acima da média esperada para um determinado período de tempo) e, depois, recorrendo a modelos epidemiológicos, calcularam que fatia desse número total de óbitos poderia ser atribuída unicamente ao calor (e não à pandemia, por exemplo). Ao combinar tendências recentes de temperatura no continente europeu com padrões de mortalidade no mesmo período, os cientistas obtiveram uma correlação entre óbitos e valores de temperatura nos 35 países europeus.
Os investigadores estimam que, no período de 30 de Maio a 4 de Setembro de 2022, ocorreram 61.672 mortes como resultado do calor. A Itália está no topo da lista de mortalidade associada ao calor (18.010 mortes), seguida da Espanha (11.324), Alemanha (8173 mortes), França (4807 mortes), Reino Unido (3469 mortes) e Grécia (3092 mortes). Quando a informação foi desagregada em função do género, verificou-se que houve 56% mais mortes relacionadas com o calor entre as mulheres do que entre os homens.
Reavaliar planos de prevenção
“A nossa análise mostra que mesmo em países com consciência social sobre o problema, e até com alguns planos de prevenção em vigor, a mortalidade relacionada com o calor pode ser alta. Assim, os nossos resultados sugerem que esses programas de sensibilização são apenas parcialmente eficazes, devendo ser reavaliados e fortalecidos”, explica o investigador.
O Verão do ano passado foi a estação mais quente alguma vez registada na Europa, tendo sido marcada por uma série de vagas de calor. No Reino Unido, por exemplo, o calor foi tanto que derreteu ao alcatrão da pista do aeroporto de Luton, a cerca de 55 quilómetros de Londres, obrigando ao desvio de voos.
“Surpreendeu-nos constatar que, mesmo depois de terem sido postos em prática planos de prevenção e de maior sensibilização para o problema, as estimativas foram semelhantes às verificadas no Verão de 2003 (ainda que a comparação com 2003 não tenha sido perfeita, por termos utilizado uma metodologia diferente)”, observa Xavier Basagaña, numa resposta enviada por email.
O organismo humano possui limites na adaptação às temperaturas externas. Quando há ondas de calor – um fenómeno climático extremo que, com a crise climática, tende a ser cada vez mais frequente e intenso na Europa –, os nossos corpos enfrentam grandes desafios de termorregulação. Crianças, idosos e pessoas com doenças crónicas podem estar mais vulneráveis a golpes de calor, que podem ser fatais.
As conclusões do estudo indicam, segundo os autores, que os organismos europeus e nacionais dedicados à vigilância de calor e à elaboração de planos de prevenção e estratégias de adaptação de longo prazo devem considerar a reavaliação das medidas e mecanismos em vigor actualmente.