Pedrógão: “Um desafio para décadas” com décadas de atraso
Assinalaram-se recentemente seis anos desde os incêndios de Pedrógão Grande, que resultaram numa vastidão de floresta ardida e tiraram a vida a pelo menos 66 pessoas e a um número incalculável de animais, ficando para a história como um dos 20 fogos que mais vítimas mortais causaram desde o século XIX.
Não precisamos destes dados para, no local, sentirmos a tragédia e o impacto que estes incêndios tiveram. Seis anos depois, a paisagem vai aos poucos recuperando do manto negro, apesar de estar muito longe dos dias que antecederam este fatídico episódio. Mas as pessoas que viveram esta tragédia e a ela sobreviveram continuam a ter bem presentes esses dias. Há muito que ainda não se conseguiu fazer e muito que já antes do incêndio se encontrava por fazer. Sob a ameaça de repetição de um tal dantesco cenário no nosso território, é preciso fazermos mais. É preciso mais do que dizer apenas que lidamos com fenómenos climáticos extremos.
Seis anos depois da destruição, emergiu da terra um memorial para que jamais Pedrógão Grande seja esquecido. E, de facto, não pode ficar esquecido. E isso passa por executar a tão famigerada reforma florestal, que tarda em chegar!
Este é um conceito que, de tanto ser apregoado, constitui-se cada vez mais num chavão, num lugar-comum, em que poucos já acreditam. Mas como podem acreditar quando, pisando a terra ainda mal refeita da devastação, se declara que a reforma florestal e a redução do risco de incêndio no nosso território são "um desafio para décadas"? Como podem acreditar, quando é lançado para 2030, 2040 ou até 2060, muito próximo das calendas gregas, um desafio que leva já de atraso tantas quantas estas décadas?
Como podem acreditar se, governo após governo, saltamos de estratégia em estratégia, de retórica em retórica, acabando todas na mesma gaveta do esquecimento, da inércia ou do remedeio? Como podem acreditar se, de forma desculpabilizante, invocarmos o fenómeno das alterações climáticas, sem que de modo efetivamente concreto e de forma integrada e continuada atuemos para fazer face àquela que é já uma realidade: a crise climática? E, enfim, como podem acreditar, se os fundos para as ações de conservação e renaturalização não se executam e se continua a apoiar o eucalipto ou as espécies resinosas?
Entre 1980 e 2021, os fenómenos extremos relacionados com o clima causaram perdas económicas estimadas em 560 mil milhões de euros nos Estados-Membros da União Europeia (UE). Estima-se que cerca de 8% destes custos foram causados por secas, incêndios florestais e ondas de frio. Entre os eventos extremos com mais impacto económico registados naquele período, conta-se a onda de calor de 2003 em toda a UE (cerca de 16 mil milhões de euros), que causou uma enorme vaga de incêndios. Estes incêndios consumiram 300 mil hectares de floresta, vitimaram 18 pessoas e obrigaram à retirada de centenas. Se olharmos para o intervalo entre 1980 e 2021, as perdas em Portugal ascendem, pelo menos, a 13.662 milhões de euros, de que apenas 5% foram cobertos por seguros, e a 9267 vítimas.
A fatura de pouco ou nada ser feito é demasiado alta para que continuemos neste jogo do “faz de conta que fazemos alguma coisa”, quando na verdade a única coisa que fazemos é literalmente apagar fogos quando “a casa está a arder”, ao invés de prevenir. Temos de transformar a floresta numa aliada, o que passa por inverter a política da monocultura e combatermos o abandono rural e o desordenamento florestal. Precisamos de um pacto nacional para a política e ordenamento florestais, um pacto que vá para além dos ciclos governativos, das ideologias políticas e dos interesses económicos. É preciso levar para o terreno medidas de restauro ecológico e de remuneração dos serviços dos ecossistemas. É preciso levar medidas que contribuam para uma maior resiliência da nossa floresta, ‘deseucaliptando’ e apostando em espécies autóctones. Não o fazer é continuar numa lógica de combate perdido à partida.
Seis anos depois de Pedrógão, é preciso, com urgência, recuperar as décadas de atraso que levamos e acima de tudo plantar e regenerar para que, num futuro mais próximo, tenhamos uma floresta mais resiliente e as populações e biodiversidade protegidas. E, acima de tudo, é preciso não deixar jamais estas pessoas esquecidas.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico