O que é o PNEC? Porque é que é importante para a transição climática?

Para que serve o Plano Nacional de Energia e Clima? Quais são os planos de Portugal – e o que falta planear – para a transição climática e energética?

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Parque de energia eólica de Pampilhosa da Serra ADRIANO MIRANDA
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O Governo entregou a 30 de Junho à Comissão Europeia, no último dia do prazo, a sua versão preliminar de revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030, actualizando informações sobre o progresso dos primeiros anos de acção, aperfeiçoando os seus objectivos e ampliando o nível de ambição.

A ambição, refere em comunicado o Ministério do Ambiente e Acção Climática (MAAC), é “duplicar a capacidade instalada de produção de electricidade a partir de fontes renováveis” durante o período de vigência do PNEC 2021-2030.

A versão entregue a Bruxelas pelo Governo tem mais de 250 páginas, por isso o Azul preparou um resumo com os pontos mais importantes deste documento que mostra os planos de Portugal – e o que falta planear – para a transição climática.

O que é o PNEC?

O Plano Nacional de Energia e Clima 2021-2030 é um dos documentos estratégicos mais importantes em matéria de combate às alterações climáticas, tendo em conta a centralidade da transição na produção e gestão de energia para a descarbonização. Cada Estado-membro da União Europeia tem o seu próprio PNEC, elaborado de acordo com os objectivos do Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente o de neutralizar as emissões de carbono na UE até 2050.

Além do PNEC, outro documento importante que todos os Estados-membros tiveram de elaborar é uma estratégia de longo prazo para a descarbonização – em Portugal, temos o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Tal como o PNEC, também o RCN é acompanhado periodicamente pela Comissão Europeia, e a sua revisão também já começou a ser preparada pelo Governo.

Porque é que estão a rever o PNEC? Há alguma coisa errada?

No final de Junho, Portugal entregou uma versão preliminar da revisão do PNEC no âmbito do processo normal de revisão do documento que está previsto para todos os Estados-membros. A cada dois anos, cada país da UE tem de enviar um relatório sobre o progresso rumo aos objectivos definidos. Com base nesses dados, a Comissão Europeia avalia se a UE está no bom caminho para a redução de emissões, devolvendo a cada país recomendações sobre as áreas que precisam de mais atenção.

A nível dos Estados-membros, havia uma actualização óbvia a fazer: a Lei Europeia do Clima, aprovada em 2021 já depois da entrada em vigor dos PNEC, trouxe para a letra da lei a redução de emissões em 55% até 2030 e a neutralidade carbónica até 2050. Houve também várias directivas entretanto revistas ou aprovadas no âmbito do pacote Fit for 55 da União Europeia, assim como outras obrigações no âmbito do abrangente Pacto Ecológico Europeu. Além disso, a expectativa é que as ambições disparem, tendo em conta o impulso dado pelos apoios previstos em planos como o REPowerEU, o Programa de Recuperação e Resiliência e o Fundo para a Transição Justa.

Além disso, em Portugal, a Lei de Bases do Clima, que entrou em vigor em Fevereiro de 2022, trouxe uma série de instrumentos e obrigações que precisavam de ser integrados no PNEC.

O que é que se pedia?

No processo de preparação desta versão preliminar houve um roteiro de “assembleias participativas” e uma “consulta prévia” online que recolheu 59 participações de diversos sectores da economia e da sociedade. Numa síntese sobre essa consulta prévia, incorporada no documento do governo, lê-se que o sector dos transportes foi identificado como aquele com maior potencial para aumentar a ambição em matéria de redução de gases com efeito de estufa (GEE).

“As dimensões de descarbonização e eficiência energética são aquelas que requerem uma maior atenção no âmbito do processo de revisão do PNEC 2030, e onde se considera mais premente a alocação de financiamento público”, refere a síntese. “A aposta no transporte público, a transição justa e a pobreza energética, o reforço da economia circular e o reforço da ambição na produção de energia a partir de fontes renováveis, foram os temas seleccionados como sendo os mais relevantes no âmbito da revisão do PNEC 2030”, conclui o resumo.

Bárbara Maurício, analista de políticas de Clima e Energia da Zero, explicou ao Azul que os transportes e a eficiência energética são algumas das áreas em que o PNEC poderia trazer melhorias visíveis para o dia-a-dia. Num país como Portugal, onde existe uma “repartição modal muito grande para os transportes individuais” – acima da média europeia –, o investimento em transportes públicos, na ferrovia e em outras medidas de ordenamento de território poderiam ajudar a cortar uma grande fatia das emissões no sector dos transportes de passageiros. A nível da eficiência energética, há uma clara fragilidade a nível dos processos para aceder aos apoios para a renovação e adaptação de edifícios, apoios que são também considerados manifestamente insuficientes e desajustados.

Para a associação ambientalista Zero, no geral, “as dimensões mais importantes a rever no PNEC são a da suficiência e eficiência energéticas e a da segurança no abastecimento”. Bárbara Maurício explica que o “potencial solar descentralizado” do país (leia-se painéis fotovoltaicos nos telhados ou outras fontes renováveis de autoconsumo) está claramente subaproveitado, em particular devido a obstáculos burocráticos e dificuldades na atribuição de licenças, em particular a nível do autoconsumo colectivo e Comunidades de Energia Renovável.

O que é que o Governo propôs?

Uma das propostas mais vistosas da versão preliminar de revisão do PNEC é alcançar os 85% de incorporação de geração renovável no sistema eléctrico em 2030 (o Governo já tinha anunciado que queria antecipar para 2026 a meta de 80%). Quanto à incorporação de renováveis no consumo final bruto de energia, o compromisso para 2030 passa de 47% para 49%.

Há uma série de novas metas para a produção de renováveis, com destaque para a energia solar fotovoltaica, mas também a eólica (em terra e offshore). No âmbito da produção descentralizada, prevêem-se melhorias a nível do Autoconsumo Colectivo e Comunidades de Energia Renovável, com “novas ferramentas, novos incentivos e novos modelos de divulgação”. Já na produção solar centralizada, a revisão do PNEC prevê que esta não ultrapasse 0,4% de ocupação do território, sendo acompanhada de “medidas de compensação aos territórios e de partilha de energia com as comunidades”.

Portugal compromete-se com uma meta “significativamente mais ambiciosa” a nível comunitário nos sectores não abrangidos pelo Comércio Europeu de Licença de Emissões (CELE), propondo uma redução de emissões de CO2 equivalente (face a 2005) de 28,7%, quando no plano original estava prevista uma redução de 17%.

Uma fatia das novas medidas, como já foi referido, deve-se à inclusão de itens previstos na Lei de Bases do Clima, como a criação de um mercado voluntário de carbono, os planos sectoriais de mitigação, planos municipais e regionais de acção climática, a elaboração de orçamentos de carbono e os orçamentos verdes.

As propostas do Governo respondem ao que é preciso?

Na sua análise à proposta do Governo, a associação ambientalista Zero aplaude a expansão das renováveis, mas lamenta “exageros” – como chama à aposta no hidrogénio verde – e prevê “incumprimentos”. O potencial de mitigação das medidas “não está quantificado e as mesmas não estão calendarizadas”, alerta a ONG, que pede que esses “elementos essenciais” sejam disponibilizados para consulta antes da entrega da versão final.

Apesar da proposta de revisão do PNEC nacional ter aumentado a ambição em matéria de redução de emissões, contemplando agora uma redução de 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 relativamente a 2005, a Zero considera que o PNEC continua “desalinhado da neutralidade climática em 2045”, objectivo previsto na Lei de Bases do Clima.

A Zero afirma que a meta de eficiência energética não tem em consideração a actual revisão da directiva de eficiência energética (EED). A nova proposta falha, também, no que se refere à pobreza energética. No sector de aquecimento e arrefecimento, onde o Governo prevê um aumento das “soluções de climatização activa eficientes como bombas de calor”, a aposta em gases renováveis “tem de ser esclarecida em termos de eficiência”.

Em matéria de transportes, a Zero nota uma “falta quase total de medidas” em matéria de transporte ferroviário de passageiros, referindo-se apenas a “reforçar o serviço com novo material circulante”. “Os sistemas ferroviários suburbanos são os que têm maior potencial de transferência modal”, sublinha a organização, apelando a que surjam medidas mais concretas à escala das áreas metropolitanas.

A ONG fala ainda num “exagero chamado hidrogénio”, cuja injecção na rede de gás natural considera ser um “enorme erro de eficiência” – a prioridade, consideram os ambientalistas, deveria ser a utilização em sectores industriais, “onde a combustão a altas temperaturas seja imprescindível e onde tenha lugar uma substituição do uso de combustíveis fósseis”.

No sector agrícola, o PNEC refere uma quebra nas emissões em apenas 11% até 2030, mantendo o que a Zero considera ser uma “aposta na industrialização da agricultura”, onde a maioria do financiamento, acusam, “está afecto a medidas de apoio ao agro-negócio, seja a pecuária intensiva em grande escala ou as grandes monoculturas de regadio, disfarçadas de medidas de eficiência ou de resiliência, como é a construção de dessalinizadoras”. Por fim, a Zero considera que o mercado voluntário de carbono “deve estar fora dos compromissos do PNEC e não pode servir para cumprir metas climáticas”.

E nas renováveis?

A Zero lamenta que a grande expansão das fontes de energia renovável não se destine apenas à substituição do uso de combustíveis fósseis por fontes renováveis, sendo projectado o seu aumento, em grande parte, para alimentar novos investimentos e consumos. Esta revisão do PNEC, nota a Zero, não estabelece objectivos concretos para as comunidades de energia na produção descentralizada e renovável de electricidade.

Quanto à incorporação de renováveis no consumo final bruto de energia, faltou um bocadinho assim: o compromisso para 2030, que passa de 47% para 49%, continua aquém dos 50% que a Zero considera estarem em linha com o quadro das novas exigências europeias.

A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), por sua vez, aplaude o compromisso do Governo com a aceleração da transição climática e energética, mas lembra, em comunicado, que é necessário “ultrapassar os obstáculos que assolam o sector renovável há vários anos”, nomeadamente “as dificuldades e a morosidade do processo de licenciamento de projectos renováveis”

“Numa altura em que se volta a aumentar, e bem, a ambição climática, não faz sentido bloquear o desenvolvimento das renováveis”, defende em comunicado Pedro Amaral Jorge, presidente da direcção da APREN, que pede um aumento urgente de capacidade das instituições envolvidas no processo, nomeadamente a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e municípios.

“O aumento das metas para 2030 (...) torna ainda mais urgente a dotação adequada das instituições públicas, até porque está a bloquear um investimento muito avultado na economia portuguesa – cerca de 60 mil milhões de euros só em renováveis, conforme referido pelo Ministro do Ambiente e Acção Climática, Duarte Cordeiro”, refere o comunicado da APREN.

A Zero também reforça que os atrasos no avanço de novos projectos na área das renováveis se devem às falhas de licenciamento e falta de recursos das entidades públicas. Pede, assim, que o Governo não atire culpas pelos atrasos para ambientalistas ou para as populações, que têm vindo “legitimamente a exigir uma abordagem mais sustentável e integrada de muitos projectos excessivos como sejam enormes centrais solares”.

E nos outros países, como correm os PNEC?

Nem todos os Estados-membros entregaram a tempo as suas versões preliminares de revisão do PNEC – Portugal ganha já aí uma estrelinha. Alemanha, Bélgica e França foram alguns dos países que pediram mesmo um alargamento do prazo para entregar o documento.

Uma das conclusões transversais às análises aos actuais PNEC é que estes não são suficientes para colocar a UE no caminho certo para a descarbonização – aliás, nem sequer se prevê que atinjam o objectivo de reduzir as suas emissões em 55%. Num relatório divulgado pelo Tribunal de Contas Europeu na semana passada, lê-se que os PNEC, em geral, não são suficientemente claros sobre as fontes de financiamento para as medidas propostas, muitas vezes sem mencionar nem o montante necessário, nem a quantificação da redução de CO2 prevista de forma rigorosa – ou seja, não é possível calcular o custo-benefício das medidas propostas.

Uma análise da rede ambientalista CEE Bankwatch Network, que olhou para sete países da Europa central e de Leste, concluiu que estes países apresentam ambições muito baixas nos seus PNEC, o que pode atrasar o progresso da região no sentido de atingir os objectivos climáticos da UE. Além da falta de transparência do processo de revisão, faltando diálogo com a sociedade civil, há mesmo falta de dados para fazer um diagnóstico, como é o caso da Eslováquia.

E ainda está por avaliar o impacto da guerra na Ucrânia, que motivou estes países a “tomarem medidas que atrasaram o abandono dos combustíveis fósseis”. O risco, alerta a CEE Bankwatch, é que o processo de revisão dos PNEC acabe por se tornar um mero “exercício de box-ticking”, em particular para os Estados-membros do centro e Leste europeu.

Quando é que a sociedade civil pode participar?

A Comissão Europeia deverá devolver, nos próximos meses, a versão preliminar com as propostas de melhoria, que serão incorporadas. De acordo com a Lei de Bases do Clima, terá de haver uma consulta pública (que deve acontecer só em 2024), um parecer do Conselho para a Acção Climática (organismo que só deverá entrar em acção no próximo ano, tendo em conta que apenas em Junho o Parlamento confirmou a sua composição) e a aprovação pela Assembleia da República.

Por fim, o prazo final: a versão revista do PNEC 2030 terá de estar pronta até 30 de Junho de 2024.