Educação para os Media
A música de Rodrigo Leão ganhou palavras e emocionou o compositor
Entrega de prémios do concurso “Canção à Espera de Palavras” decorreu no dia 22 de junho no Porto e em Barcelos e contou com a presença do músico Rodrigo Leão.
São 10h30 e já cheira a verão. Nos corredores da Escola Básica da Lomba, a uns metros da estação de Campanhã, também já se sente que as férias grandes estão quase aí. Há placares que contam histórias do que se passou durante todo o ano letivo e o sol rompe as janelas como que a mostrar o caminho até ao recreio. E é junto ao recreio, numa sala com um pequeno palco e cortinas verdes, que se ouvem vozes. São as turmas dos 3.º e 4.º anos; estão ali para receber o prémio da 3.ª edição do concurso “Canção à Espera de Palavras”, organizado pela Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM), e para conhecer o músico e compositor Rodrigo Leão.
Em filas ordenadas umas atrás das outras, já estão ansiosos por cantar mais uma vez “Mundo Maior”, a canção que lhes valeu um sistema de som e uma assinatura digital anual do PÚBLICO para a escola. Mas antes disso vão receber os prémios e conversar com o músico. Assim que Manuela Encarnação, presidente da APEM, felicita o grupo, ouve-se uma salva de palmas e gritos eufóricos. Ganhar este concurso trouxe um final de ano letivo pleno.
“As notícias são muito importantes para saber o que está acontecendo”, diz Paulo, aluno do 3.º ano, depois de uma intervenção da coordenadora do PÚBLICO na Escola, Luísa Gonçalves. Os adultos na sala acham graça ao comentário tão espontâneo. E escrever notícias não está assim tão distante de escrever letras para canções: é sobre contar uma história; no primeiro caso sempre real, no segundo algumas vezes ficcionada.
Segue-se uma entrevista ao vivo. Rodrigo Leão é o entrevistado, as duas turmas são as entrevistadoras. “Qual é a música que compôs de que mais gosta?”, perguntam. “Pasión”, responde. “Qual é o seu instrumento favorito? E o que menos gosta?”, continuam. Rodrigo conta que adora o violoncelo, mas não é muito fã da gaita de foles. Algumas perguntas surgem no momento, outras foram preparadas de véspera. “Nós ontem tivemos uma visita de estudo, mas a professora relembrou-nos e deu-nos um trabalho de casa: ir ao Google e pensar em perguntas para fazermos”, explica Salvador Fonseca, de 9 anos.
A primeira vez que Salvador Fonseca ouviu uma música de Rodrigo Leão foi quando Joana Castro e Ivo Brandão, professores de música do serviço educativo da Casa da Música, puseram a turma a ouvir a composição que fez para o concurso “Canção à Espera de Palavras”. A colega Íria Ferreira já tinha ouvido em casa da avó, mas não se recorda de qual era o tema em concreto. “É uma pessoa muito conhecida”, diz prontamente Salvador, depois de partilhar que mal tinha dormido na véspera por saber que estaria com o músico. Para ter um registo do dia, Íria lembrou-se de pedir uma lembrança à moda antiga: pediu a Rodrigo Leão se podia dar-lhe um autógrafo num pedaço de papel.
Mas antes de dispersar: silêncio! Vai cantar-se “Mundo maior”.
Aprender a matéria a cantar
Entre 465 candidaturas, o júri elegeu “Mundo Maior” na categoria A, dirigida a turmas de 3.º e 4.º anos do 1.º ciclo, e “A Volta ao Espaço em 80 Dias”, da turma do 6.º ano da Academia de Música de Viatodos, em Barcelos, na categoria B, para 5.º e 6.º anos. Quando Rodrigo Leão teve acesso ao número total de candidaturas, não queria acreditar. “Fiquei mesmo feliz por me terem convidado para isto. Sabemos que estamos muito atrasados em relação a outros países no que diz respeito ao ensino da música, apesar de ter havido uma evolução nestes últimos anos. Acho que se podem fazer muito mais iniciativas como esta”, comentou com o PÚBLICO na Escola.
Esta é a terceira edição do concurso “Canção à Espera de Palavras”, uma iniciativa da APEM com o apoio do PÚBLICO na Escola. A cada ano, um músico é convidado para compor uma canção que deverá ganhar as palavras de alunos, sem limites no que toca ao tema. Na primeira edição Mário Laginha viu uma turma de Caxias e outra da Moita cantarem para a sua composição; na segunda, a música de Luísa Sobral fixou-se em Évora e na Figueira da Foz. “Este concurso veio trazer a possibilidade de os professores trabalharem mais de perto a música sem medo”, referiu Manuela Encarnação ao PÚBLICO na Escola quando se anunciou o compositor deste ano.
Foi a partir de uma iniciativa dentro de outra iniciativa que a E.B. da Lomba chegou até este concurso. Joana Castro e Ivo Brandão são músicos formadores do projeto do serviço educativo da Casa da Música “Escola a Cantar”, e visitam a escola básica em Campanhã uma vez por semana há sete anos. Foram eles que propuseram que a escola se candidatasse. Trabalham um coro em escola, de forma continuada, e vão recrutando alunos para o Coro Infantil da Casa da Música. Além desta escola, o projeto também acontece numa escola em Gaia e outra em Matosinhos. Todos os anos, em maio, a Sala Suggia da Casa da Música recebe os alunos das três escolas para um concerto que vai sendo preparado ao longo do ano letivo. Este ano os alunos da Lomba já cantaram “Mundo Maior”, quando ainda nem sabiam que tinham vencido.
A dedicação com que cantaram para Rodrigo Leão, ali na escola, foi a mesma do concerto de final de ano, garante o professor Ivo. “É uma coisa deles. Está muito mais deles naquilo que estão a fazer e isso faz toda a diferença.” Porque estiveram mesmo implicados na construção desta letra. Tudo começou com uma chuva de palavras em contexto de sala de aula, com a mentoria da professora Márcia Mendes, responsável pela turma L4A, depois de se ouvir pela primeira vez a composição que servia de base ao concurso. Salvador diz que “a música parecia que tinha ondas e trovoada” e, como estão a dar a História de Portugal, o tema tornou-se óbvio para todos.
Trabalhar esta letra não representou um trabalho extra. A professora Márcia Mendes, que acredita nas vantagens do ensino interdisciplinar, viu a oportunidade de juntar Português, Estudo do Meio e Educação Musical. “É uma forma mais completa de aprender.” Íria e Salvador concordam e dizem mesmo que assimilaram melhor algumas coisas que tinham aprendido, de que já não se lembravam tão bem.
Uma viagem ao espaço com a Academia de Música de Viatodos
Rumo a Barcelos, a temperatura não pára de aumentar. O verão veio mesmo para ficar. À chegada ao auditório do Teatro Gil Vicente, o segundo grupo vencedor acaba de afinar os instrumentos. São bem menos de metade do grupo da manhã, mas cada um toca qualquer coisa. Aprenderam a “Rosa” de Rodrigo Leão para as boas-vindas — e para mostrar que não estão indiferentes à visita do compositor. Atento, Rodrigo filma a prestação do grupo com o telemóvel. Quem os acompanha no piano é Cláudio Barruma , professor de Formação Musical na Academia de Música de Viatodos.
Cláudio Barruma agarrou o desafio lançado pela direção e pediu aos alunos que, depois de ouvirem a canção deste ano, pensassem em temas sobre os quais quisessem escrever. Diogo Costa, de 12 anos, lembra-se mais ou menos do processo: “Primeiro pensámos no ritmo e achámos que podia ser alguma coisa sobre o espaço, depois começámos a pesquisar para fazer alguma coisa a partir daí.” Ao seu lado, o colega Diego Loureiro diz que foi “mais ou menos assim”, mas que Diogo se esqueceu de alguns detalhes.
“Quando começámos, primeiro tínhamos pensado em estações do ano. Tínhamos escolhido um tema, se não me engano era primavera ou outono, mas depois acabámos por ter poucas coisas para falar [na letra]. Então lembrámo-nos de uma coisa que não é muito vulgar, que é o espaço. Quando alguns [colegas] estavam a pesquisar, acabaram por encontrar o livro A Volta ao Mundo em 80 Dias’e foi daí que tirámos o título”, recorda.
De volta à sala de aula, o professor guiou o grupo na procura por “palavras que respeitassem a rítmica musical”. Conta que uma das preocupações foi criar uma letra consistente que não fizesse acentuações forçadas, um trabalho que considerou muito rico para alunos do ensino artístico especializado, dado o seu nível de profundidade. Aceitar este desafio também significou mergulhar na obra de Rodrigo Leão, para que melhor se conhecesse a envolvente da música sobre a qual estavam a trabalhar.
Ouviram Sétima Legião, Madredeus e obras a solo do pianista e compositor. Todas as músicas foram uma novidade para os alunos, mas Cláudio Barruma garante que perceberam a importância do trabalho de Rodrigo Leão para a cena musical portuguesa. No momento em que souberam que ganharam, uma festa. Ainda por cima iam poder conhecer “alguém que normalmente parece que vive num mundo onde não vivemos, que vemos em cima do palco mas longe”. De repente, estava ali tão perto.
E se para Diego Loureiro as “músicas de antigamente” não fazem parte da sua lista de reprodução diária, no caso de Diogo Costa não é bem assim. O aluno de bateria gosta de rock e não tem de pensar muito para falar nos Queen ou para começar entusiasticamente a cantar Beatles. Para o final de ano, a Academia de Música de Viatodos está a preparar um espetáculo sobre os "fab four" e a importância que davam, já nos anos 60, a questões que estão hoje na ordem do dia, como os direitos humanos e a preservação do planeta — conta Manuela Costa, diretora da Academia de Viatodos, depois de Diogo começar a cantar de improviso Don’t let me down.
No momento simbólico da entrega de prémios, Manuela Costa distribui uma rosa vermelha por cada aluno. Pouco depois, chega Elisa Braga, vereadora da Cultura , Turismo e Artesanato da Câmara Municipal de Barcelos, que traz uma recordação para o compositor: um galo de Barcelos em cerâmica. Ambas destacam o empenho do grupo que acabou por se sagrar vencedor, e que servirá de exemplo para outros tantos jovens que, como eles, levam a música a sério desde cedo.
A música a despertar emoções
Para estes alunos do 6.º ano, ouvir música já é mais do que um passatempo. Ouvem-na para despertar sensações que às vezes podem estar adormecidas, e tocam porque essa ação já é um garante de liberdade de expressão e felicidade. “Eu gosto de tocar aquele instrumento; e como eu gosto, fico mais feliz”, diz Diogo, com a sua guitarra ao lado.
A música também ocupa esse espaço na vida de Rodrigo Leão desde que tinha a idade de Diego e Diogo. Foi por essa altura que começou a tocar guitarra clássica e se tornou auto-didata. “Inconscientemente fui-me virando para o que me dava mais prazer, que era encontrar ideias simples. Com 13, 14 anos gravava ideias de músicas com um gravador. Depois tive sorte e fui tentando concretizar as ideias que tinha”, partilha Rodrigo Leão com o grupo. A sua carreira “mais a sério” começou com os Sétima Legião, quando eram um grupo de jovens “muito novos”. Mas nunca tinha feito um projeto com crianças, foi uma estreia.
“Para mim foi uma grande emoção ver estas crianças a criarem e a escreverem uma letra sobre uma música que eu tinha feito. E uma coisa é lermos a letra quando estamos a selecionar as músicas no júri, e outra é estar junto destas pessoas fantásticas que também devem estar felizes por terem vencido este concurso”, diz, no final do dia. “Fico com a noção de que isto é muito importante para as crianças porque, no fundo, estão diretamente envolvidos no processo de criar uma canção. Isso é muito giro.”