Projecto da semana de quatro dias avalia o “bem-estar” dos trabalhadores

Saúde mental é uma das preocupações do projecto-piloto. Gestores e trabalhadores são ouvidos antes, durante e depois dos seis meses de experiência.

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O economista Pedro Gomes é o coordenador do projecto-piloto, gerido pelo IEFP Daniel Rocha
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O projecto-piloto da semana de quatro dias de trabalho que começou a ser testado no terreno, há um mês, em 39 empresas portuguesas vai realizar inquéritos aos trabalhadores para avaliar o “bem-estar” dos participantes, disse esta quarta-feira no Parlamento o coordenador da iniciativa pública, o economista Pedro Gomes.

A experiência dura seis meses e começou formalmente no início de Junho com um grupo de empresas voluntárias. Algumas já estavam a adoptar um sistema de trabalho reduzido antes desta fase de testes e o seu caso também fará parte do estudo a realizar pelo grupo que coordena este projecto-piloto, lançado pelo Governo sob a gestão do Instituto do Emprego e da Formação Profissional e com a participação da Birkbeck Universidade de Londres, onde Gomes é investigador.

Numa primeira fase, a equipa explicou o projecto a uma série de empresas interessadas (cerca de cem) e, num segundo momento, as que decidiram entrar tiveram uns meses para preparar a fase de testes, que agora arrancou, com a duração de meio ano.

Já houve um inquérito em Fevereiro, haverá outro em Outubro e um já no pós-experiência, em Fevereiro de 2024. “A avaliação é feita de duas formas: uma, com os testes aos trabalhadores, para medir os efeitos da mudança “no bem-estar” e, outra, com inquéritos “relativamente ligeiros” aos gestores, explicou Pedro Gomes.

O economista disse aos deputados da Comissão de Trabalho e Segurança Social que haverá uma avaliação final do projecto para que os parlamentares e outras instituições possam “tomar posição” e fundamentar as suas decisões de política pública.

A história, recordou, mostra que, primeiro, quando um modelo é testado e “ganha mais reputação” como acto de gestão, mais tarde, começam por surgir “acordos sectoriais ou legislação laboral que numa primeira fase incidem sobre as grandes empresas, por terem maior capacidade financeira. Este tipo de mudanças leva “muitos anos”, mas, em vez das “cinco décadas” que se verificaram na passagem da semana de seis para cinco dias, Pedro Gomes espera que, no século XXI, numa economia digitalizada, essas mutações sejam mais rápidas.

Doutorado na London School of Economics e autor da obra Sexta-Feira É o Novo Sábado — Como Uma Semana de Trabalho de Quatro Dias Poderá Salvar a Economia, Gomes considera “natural existir cepticismo” em relação à mudança que advoga, porque, reconhece, tem uma visão “diferente” que é “minoritária entre economistas”.

O investigador vê “benefícios mútuos para os trabalhadores e as empresas”; no caso português, o projecto-piloto é um “primeiro passo” para testar essas vantagens, implantando num pequeno grupo uma nova prática de gestão no contexto da economia portuguesa, para aqui avaliar os impactos nos trabalhadores e medir os “ajustes que foram feitos nas empresas, sobretudo ao nível da produtividade”.

Sem cortes salariais

A ideia foi começar de forma prudente, com empresas que se mostraram disponíveis para testar sem quaisquer contrapartidas financeiras assumidas pelo Estado.

Por outro lado, a definição de semana de quatro dias pressupõe que há uma redução de horas de trabalho semanal sem existir um corte salarial (porque a ideia “não é testar o trabalho a tempo parcial”, nem a semana concentrada). A redução pode ser das 40 horas por semana para 32, 34 ou 36, decisão que ficou ao critério das entidades empregadoras envolvidas.

Ao nível internacional, têm existido vários projectos, de três tipos. Segundo Pedro Gomes, um nos países anglo-saxónicos, seis meses no sector privado, conduzido por uma associação sem fins lucrativos chamada 4 Day Week Global (também envolvida no projecto português), sem apoio do Estado; na Islândia, no sector público; e em Espanha, no sector industrial, organizado pelo Governo, com uma subvenção pública de 20 milhões de euros. E, tendo em conta as vantagens de cada um”, Portugal começou pelo sector privado sobretudo por concentrar 80% do emprego em Portugal, mas também por ser mais fácil de testar as medidas de produtividade, por existir uma maior assimetria e por ser “menos politizado” do que aconteceria se se iniciasse pelo sector público, defendeu Pedro Gomes.

“A principal decisão que tomámos foi a de não oferecer nenhum apoio financeiro às empresas”, porque, diz, a criação de um subsídio iria invalidar a avaliação — poderia assumir-se que o projecto seria bem-sucedido por essa razão, além de que, assim, não se “insufla artificialmente o interesse” das empresas em experimentar. E seria legalmente complexo de implementar, como prova o caso de Espanha. Assim há um interesse “genuíno” da comunidade empresarial.

“Não queremos saltar etapas precisamente por ser uma mudança tão grande, que tem tantas ramificações, ao nível demográfico, da conciliação do trabalho com a vida familiar, do ambiente, da igualdade de género, das questões de competitividade, de saúde mental”, salientou.

Nos últimos 30 anos, alerta, houve uma “intensificação do trabalho” que se deve sobretudo à tecnologia, à velocidade da comunicação e ao fim das barreiras digitais de que são exemplo hoje “os WhatsApps à noite…”. “Isto tem um efeito quase natural nos trabalhadores” e “precisamos de mais descanso” (um assunto “que em Portugal se percebe muito bem para o futebol”, mas que é determinante para “todas as ocupações”, precisou).

O coordenador do projecto contou ao deputados da Comissão de Trabalho e Segurança Social que teve uma reunião com o Instituto Nacional de Estatística (INE) para que os resultados do projecto sejam partilhados de forma anónima, para a informação sobre as empresas poder ser cruzada pelo instituto estatístico com outras de dados administrativos, o que, vinca, também permitirá aos académicos estudar os efeitos de longo prazo, ao ser feito o acompanhamento da actividade das empresas.

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