Comissão Europeia quer monitorizar os solos, o nosso “tapete mágico” que não anda muito bem

Lei dos Solos e regulação das novas técnicas genómicas são dois pontos do novo pacote de propostas da Comissão Europeia dedicado à gestão de recursos naturais e à redução do desperdício.

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Solos saudáveis são essenciais para a produção alimentar mas também para o sequestro de carbono e a retenção de água Tiago Lopes
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Depois de décadas de tentativas de regulação, a Comissão Europeia apresentou nesta quarta-feira a sua proposta para a primeira lei europeia sobre a saúde dos solos. Se há dois anos o pacote de ajustes legislativos “Fit for 55” escalou a ambição europeia sobre a redução de emissões de gases com efeito de estufa, agora é “o pilar da natureza” que ganha “o mesmo nível de compromisso”, garantiu o vice-presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans, responsável pela implementação do Pacto Ecológico Europeu, na apresentação de um novo pacote de propostas dedicado à gestão de recursos naturais e à redução do desperdício.

Ao seu lado, o comissário europeu para o Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, começou a sua apresentação sobre a lei de monitorização dos solos com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Sabemos mais sobre o movimento dos corpos celestes do que sobre o solo sob os nossos pés.”

Precisamos dos solos saudáveis por várias razões”, sublinhou. Solos saudáveis são essenciais não apenas para a produção alimentar, mas porque contribuem para o sequestro de carbono e retenção de água, fulcrais para o combate às alterações climáticas.

“O solo é o nosso tapete mágico, mas esse tapete não está com bom aspecto”, alertou o comissário. Virginijus Sinkevičius lembrou que mais de 60% dos solos da UE estão em mau estado, por diversas razões, como o uso excessivo de pesticidas químicos e o esgotamento de nutrientes. “A desertificação é uma ameaça real em vários países na UE”, acrescentou ainda.

A directiva de monitorização dos solos contém uma “definição clara de saúde dos solos”, explicou o comissário, trazendo também ferramentas para a recolha de dados sobre a saúde dos solos para serem disponibilizados a agricultores e outros gestores do solo, facilitando a gestão sustentável dos solos, como a agricultura de precisão. Com melhores dados, explica Sinkevičius, autoridades e proprietários poderão tomar medidas mais eficazes, assim como quantificar “pagamentos por serviços de ecossistemas”.

Também a poluição industrial deixou “um legado de territórios contaminados” que é preciso enfrentar, sublinhou o comissário lituano. A lei prevê, assim, a identificação “de forma transparente” dos territórios contaminados e pretende aplicar o princípio do poluidor-pagador para que as empresas também sejam responsabilizadas.

Com o contributo da nova legislação, o plano é que os solos da UE possam ser recuperados até 2050. Ora, falar em “recuperação” ou “restauro” tem causado arrepios nos corredores de Bruxelas e Estrasburgo, depois dos atritos no Parlamento Europeu devido à Lei do Restauro da Natureza. E as palavras parecem, de facto, ser um ponto de contenda: a apresentação deste pacote aparecia inicialmente na agenda semanal da Comissão como sendo sobre “alimentação e biodiversidade”, mas ontem passou a chamar-se “utilização sustentável dos recursos naturais”. A “Lei sobre a Saúde dos Solos”, como tem sido referida há meses, será afinal uma directiva de “Monitorização e Resiliência dos Solos”. Questionado por jornalistas se foi preciso reduzir a ambição nestas propostas, Timmermans foi peremptório: “A minha resposta é ‘não’.”

Edição genómica ou pesticidas? Um ponto de equilíbrio

Coube ao vice-presidente da Comissão Europeia aprofundar o ponto mais controverso da ordem de trabalhos: a proposta sobre novas técnicas genómicas. As preocupações com a segurança alimentar europeia abrem espaço à regulação de sementes geneticamente modificadas, abrindo espaço a “culturas adaptadas à redução do uso de pesticidas”, descreveu Frans Timmermans. A Comissão propõe “uma divisão clara”, em que as sementes modificadas “devem ser claramente identificadas”, não sendo autorizadas no sector orgânico.

Esta proposta sobre novas técnicas genómicas, que foi bem acolhida pelos grandes produtores agrícolas, surge num contexto de resistência à proposta apresentada pela Comissão no ano passado sobre a redução do uso de pesticidas. Esta quarta-feira, a Comissão respondeu também ao pedido do Conselho da União Europeia sobre a utilização sustentável de pesticidas, divulgando um “estudo adicional” sobre o objectivo de “reduzir o uso de pesticidas em metade” que confirma que os objectivos de redução de pesticidas enunciados na proposta da Comissão não constitui uma ameaça para a segurança alimentar.

Questionado diversas vezes sobre os focos de resistência política, nos últimos meses, às propostas da Comissão no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, Timmermans afirmou que “sempre houve um grande consenso” entre os partidos europeus mais próximos do centro – Partido Popular Europeu, Renew (liberais) e Socialistas e Democratas. “Na política, toda a gente tem direito a mudar de ideias”, sublinhou o vice-presidente da Comissão. Contudo, afirma, “nunca tivemos indicação de que haveria problemas sérios”.

“Enquanto os factos nos guiarem nas decisões, podemos seguir em frente”, continuou. “Se politizarmos isto, os factos deixam de contar”, lamentou, afirmando que o diálogo será sempre possível “quando o debate for sobre o conteúdo das propostas”.

Sobre os focos de “rebelião” de agricultores contra a legislação europeia, como lhes chamou um dos jornalistas presentes na conferência de imprensa, Timmermmans afirmou que “muitos agricultores estão a aguardar esta legislação” e acredita que não haverá “muita resistência”. “É claro que há outros interesses na indústria agro, não necessariamente dos agricultores, mas das grandes empresas, que podem ter uma visão diferente nisto”, comentou o vice-presidente da Comissão.

Timmermans apelou, por fim, ao Parlamento Europeu para “encontrar um compromisso, como tem acontecido com o Fit for 55”, no sentido de estabelecer um equilíbrio que permita conjugar ambas as propostas, aprovando tanto a redução do uso dos pesticidas, vista com desagrado pela direita e o agronegócio, como a regulação das técnicas genómicas, alvo de críticas da esquerda e dos sectores ambientalistas.

“Temos de agir sobre os dados que temos”, sublinhou o grande responsável pelo Pacto Ecológico Europeu. “Se queremos preservar o nosso planeta para as gerações futuras, se queremos ser bons ancestrais, não podem ser feitas escolhas a dedo”, alertou.