Provedora de Justiça alerta para “acentuar” de queixas sobre “situações-limite” na habitação

Queixas contra a Segurança Social continuam a dominar mas habitação tornou-se “um dos grandes focos de preocupação” para a provedoria. Em 2022, foram remetidas pelos cidadãos 12.943 queixas.

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Entre as queixas feitas pelos cidadãos está a denúncia de más condições de casas municipais ou do Estado Guillermo Vidal/Arquivo
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As queixas referentes à demora ou a falhas em processos de pensões e de prestações sociais, atribuídas pela Segurança Social, continuam a ser aquelas que mais movem os cidadãos a dirigir queixas à Provedoria de Justiça. Mas, em 2022, a habitação tornou-se "um dos grandes focos de preocupação" da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, em particular no que se refere à habitação social no contexto do arrendamento apoiado, que é dirigido a famílias mais vulneráveis.

"O ano de 2022 registou um acentuar do recurso à Provedoria de Justiça em situações-limite — iminência de despejo ou mesmo de situação de sem-abrigo — e, por isso, com acrescida vulnerabilidade dos agregados familiares em causa", nota a provedora no relatório sobre a actividade desta instituição no ano passado e que foi esta terça-feira entregue ao presidente da Assembleia da República.

Em 2022, foram remetidas à Provedoria de Justiça 12.943 queixas. Destas, 6237 foram instruídas, ou seja, foi aberto "um procedimento de instrução da queixa" (em 2021 tinham sido 12.219). No ano passado, a provedoria alterou a forma como analisa as queixas, tentando dar logo resposta aos assuntos de mais fácil resolução ou que são apenas pedidos de informação.

Se às queixas se juntarem as 2718 exposições e 2415 solicitações feitas através das linhas telefónicas especializadas (direccionadas para o cidadão com deficiência, as crianças ou os idosos), a Provedoria de Justiça recebeu um total de 18.076 pedidos dos cidadãos para que se pronuncie sobre determinado tema.

Entre as queixas instruídas, 310 foram referentes a questões relacionadas com urbanismo e habitação, nomeadamente sobre pedidos de atribuição de habitação social e de subsídios ao arrendamento, mas também sobre o mau estado de conservação das habitações públicas.

A provedora destaca o crescimento das queixas de idosos com dificuldades económicas e sem rede de suporte social. "A especial fragilidade deste grupo, em especial no que toca ao tempo de espera para atribuição de habitação social [que envolve câmaras municipais e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] e às condições do alojamento urgente e temporário, demanda soluções específicas", refere o relatório.

Ainda em matéria de habitação, a Provedoria de Justiça nota a situação de famílias monoparentais que, sem possibilidades económicas perante os elevados preços praticados no mercado de arrendamento, acabaram por ocupar casas devolutas de câmaras ou do Estado. "Por esse motivo, para além de terem sido alvo de despejo, ficaram, a título sancionatório, impossibilitadas de concorrer à atribuição de habitação municipal pelo prazo determinado nos respectivos regulamentos", destaca o relatório.

O documento assinala ainda que, em 2020, a Provedoria de Justiça observou "uma tendência para o alargamento do universo das pessoas em situação de carência habitacional", dadas as queixas de cidadãos que durante o ano deixaram de conseguir suportar as despesas com a casa. Estas questões suscitam a esta instituição "uma inquietação redobrada na medida em que as fragilidades reportadas dificilmente encontrarão resposta imediata nas tradicionais soluções em matéria habitacional, num quadro de desajustamento entre o número de fogos disponíveis e os pedidos dos cidadãos".

Apesar de salientar os investimentos previstos para a área da habitação, nomeadamente no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), considera que os resultados tardarão, o que "agravará" as necessidades da população mais frágil.

Atrasos em pensões, na saúde e na educação

Apesar dos alertas deixados pela provedora de Justiça em matéria de habitação, a Segurança Social continua a ser a área predominantemente visada por quem se dirige à Provedoria de Justiça. Entre as queixas instruídas, 31%​ são referentes a assuntos nesta matéria, como prestações sociais e pensões.

"Sinalizado em anteriores relatórios, continua a ser sentido o atraso do Centro Nacional de Pensões
(CNP) na atribuição de pensões e de outras prestações, frequentemente superior a dois anos", nota o relatório, que dá como exemplo um caso em que a Provedoria de Justiça interveio: em 2016 foi requerida pensão, que só seria atribuída em Janeiro de 2023, o que se traduziu num pagamento acumulado de 35.825,55 euros.

"As consequências nefastas desta demora incluem a sobrecarga do erário público com o pagamento de juros, o atraso no acesso dos interessados às prestações devidas e a mobilização desnecessária dos recursos da Justiça", nota o relatório.

Além disso, este órgão deixa ainda um reparo às instituições públicas pela sua má comunicação, que "dificulta — e por vezes inviabiliza — a participação dos cidadãos nos procedimentos que lhes dizem respeito e naqueles em que têm interesse, como gera erros, dúvidas quanto à forma de agir e quanto às regras vigentes, dificuldades de compreensão, interpretação e aceitação das comunicações, e gastos acrescidos de tempo".

Em matéria de saúde, a falta de médicos de família continuou a ser a carência mais significativa apontada por quem se queixou à provedoria, assim como "os longos tempos de espera verificados, quer no acesso a consultas hospitalares, quer na valência cirúrgica".

Já na educação, o relatório salienta o facto de a rede pública continuar a não garantir, em particular nas regiões de Lisboa e Algarve, "a universalidade da educação pré-escolar, prevista para crianças a partir dos quatro anos de idade".

A provedora de Justiça realça ainda a "incapacidade de resposta do Estado em tempo razoável [que] tem sido especialmente visível nos processos tramitados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), particularmente em alguns tipos de pedidos de autorização de residência". No final de 2022, o prazo médio para aceitação de manifestações de interesse era de, aproximadamente, dois anos.

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