Nas ruas de Braga faz calor no Verão. Os velhos juntam-se no chafariz e comentam no fresco dos salpicos de água o pouco que há a comentar, que o futebol acabou em Maio e nem todos os dias há transferências de milhões. Quando o sol bate mais forte, levantam-se e vão para o café de eleição, um tira o baralho do bolso e joga-se uma sueca antes que fique tarde. Vaza a vaza o jogo corre, um par ganha e ri, o outro perde e rosna, passa o tempo e dividem a conta da bebida no fim. Ao chegarem às suas casas já nem lembram quem ganhou.
Ricardo Reis, se ainda existisse, faria deste momento um poema como aqueloutro dos persas e do xadrez. Cairiam bem, estes velhos, nos conceitos epicuristas do poeta. Não sabemos se o fazem por escolha ou por desgaste, cansados demais do tempo para se exaltarem, mas que aproveitam aquela tarde de calor com risos, pinga e amigos aproveitam, ganhando ou perdendo. É nisso que invejo os velhos.
No outro dia, num serão em dia de semana, eu e a minha namorada estávamos na companhia de dois amigos, com tempo para gastar e sem ideias para o preencher. Ela sugeriu sueca, os outros dois não distinguiam copas de espadas. Não foi chocante, a maioria dos jovens da minha idade é assim, conhecem as regras do Peixinho e do Uno e quando conhecem mais algumas já é demais. Contudo, pôs-me a pensar.
Pela família que tive e por ter praticado um desporto que me exigia dormir em pavilhões pelo país, onde raramente havia internet, fui aprendendo as voltas que se podia dar com um baralho de cartas, uma prima ensinava o Keims, um colega partilhava o Desconfia, um conhecido de um conhecido instruía-me no Eleven e as coisas andavam assim, ainda longe da beleza escondida nas entrelinhas do regulamento da sueca.
Foi no Verão de 2021 que isso mudou, tinha eu 17 anos. Nesse Junho, juntei-me a um grupo de amigos, que não era bem um grupo de amigos, que me colocou à mesa de jogo na primeira oportunidade. Aprendi a matéria toda nessa manhã, ao longo das semanas seguintes fui melhorando a minha técnica e no início de Setembro, antes de voltar à vida real, já conseguia ganhar alguns jogos àqueles que foram os meus professores.
Escrevo esta crónica porque me lembrei desses tempos e imaginei um dos velhos de Braga a passar por nós naquele calor, a ver as cartas saltar da mão para a mesa, a ouvir um "carta batida não é recolhida". Imaginei a sua felicidade aguentar o tempo e chegar até nós. No outro dia, aqueles meus dois amigos acharam que a pinta era o número escrito nas cartas, imaginei aquele mesmo velho fechar a cara em desilusão.
Não me cabe a mim determinar que os jovens deviam aprender a jogar à sueca em vez de a mais um jogo de computador. Não me cabe a mim decidir que os jovens devem optar por uma tarde com um baralho de cartas e um trio de amigos em vez de uma noite numa discoteca. Não me cabe a mim criar a cultura, pois são as gentes que a criam. Ainda assim, ver aquele velho imaginado desiludido magoou-me e nada me proíbe de questionar porque é que como sociedade viemos parar a um sítio pior.
Muitas teorias servem para responder a esta questão. Uma delas é que não viemos para um sítio pior, mas para um melhor, que apenas acho o contrário porque o meu subconsciente associa as tradições antigas, como a sueca, a sentimentos bons, que isso me faz olhar para os contornos actuais da cultura, já na busca por defeitos.
Outra é que viemos apenas para um sítio diferente, cuja avaliação é subjectiva, que eu acho pior porque as novas características do espaço cultural vão contra as minhas preferências pessoais, seja pela americanização, pela comercialização constante ou pela banalidade das temáticas mais badaladas. Eu gosto mais da segunda teoria, mas apenas me faz alterar a pergunta de “Porque é que viemos parar a um sítio pior?” para “Porque é que viemos parar aqui?”.
Enfim, naquele outro dia, com a minha namorada e os outros dois amigos, eu e ela ensinamos-lhes as regras do sobe e desce, primo da sueca. Deu para umas horas de riso e não tarda dará para mais. Se um dos velhos das tardes de calor passasse por nós nesse serão sorriria, isso deixa-me feliz. Pouco mais me importa de verdade.