Portugal e o degelo do Árctico

Preparar o país para as consequências do degelo requer, por exemplo, que voltemos a pensar estrategicamente os nossos portos. É importante vigiar esta ameaça com os nossos vizinhos do Atlântico Norte.

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Como noticiou o PÚBLICO, um estudo publicado nos últimos dias na revista Nature Communications defende que o degelo da região polar árctica poderá estar a acontecer ainda mais depressa do que se pensava. A notícia é alarmante. O degelo do Árctico terá implicações profundas não só para o aquecimento global, mas também para a geopolítica e para a economia internacional em que se insere o país. Vejamos porquê.

O mais recente relatório do IPCC prevê que pela primeira vez se assista a um período sem gelo marinho no oceano Árctico por volta de 2050, mas apenas nos cenários em que as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) continuam elevadas ou aumentam. O que o novo estudo vem mostrar, com base na comparação entre observações por satélite e simulações computacionais, é que afinal é provável que se observe um mês de Setembro sem gelo marinho já nesta década, mesmo nos cenários mais optimistas quanto à redução de emissões de GEE.

Estima-se que o Árctico esteja a aquecer duas a quatro vezes mais depressa do que o resto do globo, devido ao fenómeno da “amplificação árctica”. São vários os processos que tornam o aquecimento do Árctico motivo de preocupação especial. Uma mudança estrutural no oceano Árctico, por exemplo, teria um efeito dramático sobre o sistema de correntes oceânicas que regula a temperatura do planeta.

Com o seu clima relativamente ameno, Portugal tem muito a perder com qualquer alteração da circulação oceânica. Além disso, os seus arquipélagos e a sua extensa costa continental (950km), onde se situam grandes zonas urbanas e muita da actividade económica nacional, fazem com que Portugal tenha na subida média das águas do mar que resulta do degelo polar uma ameaça significativa. Monitorizar esta ameaça requer uma aposta na ciência e na tecnologia, incluindo no estudo da relação entre o clima e as correntes oceânicas, algo que podemos fazer em parceria com países vizinhos no Atlântico Norte e no Árctico.

O degelo do Árctico também trará desafios indirectos, mas importantes. Um deles é provocado pelo aumento da actividade humana na região polar. Recursos energéticos anteriormente trancados pelo gelo e cuja exploração era demasiado cara estão cada vez mais acessíveis.

A estratégia da Rússia de Putin para a energia ao longo da última década, por exemplo, só foi possível devido à extracção de gás natural e petróleo do Árctico. Mais recentemente, em Março deste ano, o Presidente norte-americano, Joe Biden, aprovou Willow, um grande projecto de exploração de petróleo no Alasca, apesar de grande parte do seu eleitorado ser desfavorável à abertura de novas explorações de hidrocarbonetos.

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Walter Bibikow

Ainda no capítulo da economia, o degelo esta a tornar as rotas marítimas do Norte cada vez mais navegáveis. As rotas que passam junto à Rússia e ao Canadá para ligar o Pacífico e o Atlântico são já transitáveis sem escolta de navio quebra-gelo durante algumas semanas no Verão, e, se o gelo marinho desaparecer completamente nos meses de calor, como alerta o estudo mencionado, abrir-se-á um atalho entre os grandes oceanos que poderá alterar os fundamentos do transporte marítimo de bens a nível mundial.

Como alerta Bernardo Pires de Lima no livro Portugal na Era dos Homens Fortes (2020), tais desenvolvimentos podem desviar o trânsito marítimo de Portugal e diminuir a importância do Porto de Sines. Os investimentos feitos em Sines nas últimas décadas deixaram Portugal bem posicionado para desafios como o choque energético causado pela invasão russa da Ucrânia e a cartelização da produção de petróleo pelo grupo de países OPEC+, permitindo a Portugal e à Europa receber gás natural liquefeito (GNL) dos EUA. Preparar o país para as consequências do degelo requer que voltemos a pensar estrategicamente os nossos portos.

O degelo do Árctico está também a criar espaço para a presença militar na região polar, o que para Portugal e os seus aliados no Atlântico é uma fonte de ameaças de segurança. Há anos que a NATO tem observado um aumento da actividade submarina russa a norte, em redor daquela que é a interface entre os dois oceanos: os estreitos entre a Gronelândia, a Islândia e o Reino Unido. As responsabilidades de Portugal no plano internacional exigem que nos articulemos com os nossos parceiros no âmbito da UE e da NATO para estudar e acautelar estes desafios securitários no espaço marítimo atlântico.

A criosfera (“kryos” é grego para gelo) está em crise. Esta crise gerará ondas de choque que se farão sentir em diversas geografias e em vários domínios de actividade humana. Um longo período de estabilidade no Árctico deixou os académicos, decisores políticos e opiniões públicas dos países do Atlântico mal preparados para as mudanças em curso. Para não ser surpreendido pelo que aí vem, Portugal deve olhar para norte.

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