Laginha, Burmester e João Barradas celebram Bernardo Sassetti em dois concertos
Mário Laginha com Pedro Burmester e o João Barradas Quinteto evocam sexta e sábado a obra musical de Bernardo Sassetti em dois concertos no Auditório Ruy de Carvalho, em Carnaxide.
A fechar o mês de nascimento do saudoso pianista e compositor Bernardo Sassetti (1970-2012), a sua obra vai ser recordada em dois concertos únicos. O primeiro, esta sexta-feira (21h45), reúne os dois pianistas que, com Sassetti, levaram a palco várias vezes o espectáculo 3 Pianos, entre 2005 e 2011: Mário Laginha e Pedro Burmester. No dia seguinte, sábado (21h30), caberá ao acordeonista João Barradas celebrar, em quinteto, a obra de Sassetti. Com ele, estarão Afonso Pais (guitarra), Ricardo Toscano (saxofone), Demian Cabaud (contrabaixo) e João Lopes Pereira (bateria). Estes concertos, que se realizam no Auditório Municipal Ruy de Carvalho, em Carnaxide, são uma iniciativa do Município de Oeiras, que os organiza, têm direcção artística e produção do cantor e actor Joaquim Lourenço e contam com o apoio da Casa Bernardo Sassetti, criada em 2012 para divulgar o legado de Sassetti e fomentar a sua utilização por músicos de várias gerações.
Mário Laginha, pianista e compositor, diz ao PÚBLICO que o concerto a dois pianos com Pedro Burmester terá novos arranjos, mas também manterá alguns arranjos originais. “Há temas que eram a solo ou em trio e eu fiz agora arranjos para dois pianos, mas há outros a solo que estarão exactamente como ele os escreveu.” A escolha de repertório foi feita de forma criteriosa, diz: “É um repertório muito vasto e tentámos chegar às várias vertentes. Uma é a jazzística. Às vezes ouvíamos um tema, perguntávamos ‘de quem é este standard?’ (porque era tão bem feito!) e depois vínhamos a descobrir que era do Bernardo. Tocamos também composições para cinema, para os filmes Maria do Mar e Alice, tocamos alguns temas que estão em discos do trio dele, outros a solo, quer dizer, tentámos mostrar a dimensão da obra do Bernardo e de quão vastos eram os seus interesses musicais.” Mário Laginha, sublinhando que ele fazia tudo isto “com uma naturalidade incrível”, recorda Bernardo Sassetti como “um compositor inspiradíssimo e muito natural. As coisas saiam-lhe com uma fluência incrível, era um dom que ele tinha às carradas.”
João Barradas, acordeonista e compositor, diz ao PÚBLICO que aceitou “com grande honra” o desafio de apresentar em quinteto (no segundo dia destes concertos) composições de Sassetti: “É um dos mais importantes músicos portugueses, um dos melhores improvisadores da Europa. A música dele tem uma seriedade visual que de certa forma difere um bocadinho da minha, se bem que, enquanto improvisador, sinto-me muito perto da forma como ele improvisava.”
A adaptação a quinteto foi um desafio: “Em termos práticos, é passar música que foi pensada para piano solo ou para o trio dele, com o Carlos Barretto e o Alexandre Frazão, para um quinteto. Ou seja, adicionamos aqui a guitarra, com o acordeão, nos instrumentos harmónicos, depois temos o Ricardo Toscano no saxofone alto a tocar melodias que na maior parte das vezes são interpretadas apenas pela mão direita do Bernardo ao piano, e há a secção rítmica com o Demian Cabaud e o João Lopes Pereira. A ideia não será retransformar a música do Bernardo, mas sim homenageá-lo, indo o mais perto possível da ideia original que ele tinha daquele imaginário.”
Para João Barradas, tocar música de Sassetti é quase uma raridade, mas não uma estreia, embora nunca a tenha tocado com a formação que agora apresenta: “A última vez que toquei música dele foi antes da pandemia. Eu e o Sérgio Carolino [tuba] usámos uma sonata que ele escreveu, porque na altura em que ele faleceu estava a escrever uma peça para o Sérgio Carolino, que até estreámos com o disco Surrealistic Discussion [de ambos, 2013]. E já tinha agarrado nalguns temas do Bernardo em casa, excertos, tocando-os no meu estudo diário, embora nunca os tivesse incluído no meu repertório, nem a solo nem com as minhas formações de jazz.”
Uma coisa é certa: João Barradas vê Bernardo como “um compositor magnífico”: “Porque vive de uma linguagem só dele. É obviamente um músico de jazz, um super improvisador, mas as suas composições para piano têm uma introspecção e um lado quase visual, cinematográfico, muito grande. Mesmo entre os compositores portugueses que escrevem música para cinema, a linguagem do Bernardo é tão própria que o tema pode ser bastante acessível, até fácil, do ponto de vista da performance, mas soa tanto a Bernardo Sassetti que é inacreditável. É a qualidade mais importante que temos no objecto artístico: a música dele fala por ele, tem uma entidade subjacente, é surreal.”