Na reunião plenária de Julho do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, irá acontecer algo insólito: a comissão de Ambiente vai recomendar que os eurodeputados votem contra a proposta de Lei do Restauro da Natureza, depois de, esta semana, metade dos membros da comissão terem rejeitado a tal proposta por ser, alegam, demasiado ambiciosa.
Se o Parlamento Europeu deixar cair esta lei, fica adiada de forma indefinida uma peça-chave para a UE cumprir os compromissos não apenas do Pacto Ecológico Europeu, a nossa bússola para cumprir o Acordo de Paris (e muito mais), mas também do Acordo Global para a Biodiversidade, firmado no ano passado na COP15 da Biodiversidade, em Montreal.
Esta jogada política pouco tem que ver com questões ambientais, como vários analistas políticos têm afirmado e como também no Azul tentámos explicar (o Conselho da UE, por norma mais conservador do que o Parlamento e a Comissão, já aprovou a sua "abordagem geral" para as negociações). É com alguma perplexidade que se vê uma lei tão necessária — não só para a natureza, mas para a saúde e bem-estar humanos — rejeitada sob o pretexto de que irá prejudicar a actividade agrícola europeia e ameaçar a segurança alimentar, questões que foram desmentidas não apenas pela Comissão Europeia como pela comunidade científica em massa, que apela — aliás, suplica — que a lei possa seguir o seu percurso de negociação e aperfeiçoamento.
Há duas semanas, quando a comissão de Ambiente começou a votar as emendas propostas pelos eurodeputados, o nosso Nicolau Ferreira fez um belo apanhado das bases científicas que justificam esta lei e das posições em confronto neste finca-pé liderado pelo Partido Popular Europeu, com o apoio de aliados negacionistas, contra o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, responsável pelo Pacto Ecológico Europeu. Se preferir ouvir em vez de ler, o episódio desta semana do podcast Azul (que deve sair do forno logo depois desta newsletter) conta com a investigadora Ana Isabel Mendes, da Universidade de Évora, que explica a importância desta lei para manter o equilíbrio ambiental na Europa.
Os argumentos invocados para o "boicote" à Lei do Restauro da Natureza deixaram-me a pensar sobre a relação entre economia e ambiente. O economista ecológico Herman E. Daly, que faleceu no ano passado, alertou-nos durante décadas para os perigos do "crescimento não económico", isto é, quando a economia cria mais custos do que benefícios — por exemplo, quando esgotamos os recursos do planeta prejudicando não apenas a continuação da actividade económica mas o nosso próprio bem-estar.
Para Herman E. Daly, os economistas deveriam preocupar-se mais com o que conta, e não apenas o que se pode contar (leia-se dinheiro). Este é um dos conceitos que esteve em debate, por exemplo, na conferência Beyond Growth ("além do crescimento"), organizada em Maio pelo Parlamento Europeu para debater alternativas de crescimento económico, que foi buscar o seu nome ao título de um dos livros do economista.
A sua obra foi uma das grandes influências para a evolução do conceito de desenvolvimento sustentável, que passou da ideia de esferas equivalentes que combinavam crescimento económico, protecção do ambiente e bem-estar social (propostas no célebre Relatório Brundtland, publicado em 1987 pelas Nações Unidas), para uma visão em que a natureza está na base da prosperidade — como vemos, por exemplo, na representação dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável como um "bolo de casamento", proposta pelo Stockholm Resilience Centre.
Agora que a natureza nos devolve os danos que lhe temos causado há séculos, num momento em que vemos que é urgente ir muito além dos mínimos — e o Pacto Ecológico Europeu tenta, ainda que de forma imperfeita, cumprir essa ambição —, conseguimos ver mais claramente quais são os valores que, na realidade, guiam a nossa economia, os nossos políticos e a nossa realpolitik.
Esperemos que o Parlamento Europeu encontre uma saída deste seu labirinto político que permita à União Europeia — à nossa natureza, aos cidadãos e, claro, à nossa economia — manter-se à altura do desafio existencial que a crise climática e a crise de biodiversidade nos colocam.