Carlos Bunga e Raquel Lima, dois afrodescendentes, são os artistas portugueses na Bienal de São Paulo
O colectivo de quatro curadores em que se inclui Grada Kilomba revelou esta quinta-feira a lista completa de artistas participantes.
O artista visual Carlos Bunga e a poeta, performer e investigadora Raquel Lima são os dois portugueses convidados a participar no programa da 35.ª Bienal de São Paulo, no Brasil, que se realizará em Setembro, revelou esta quinta-feira a organização daquele que é considerado o mais relevante evento de arte contemporânea da América Latina.
Ambos afrodescendentes, os seus nomes foram conhecidos juntamente com a lista completa dos 120 artistas participantes desta bienal que conta, pela primeira vez, com a curadoria de uma portuguesa, Grada Kilomba. A artista, também ela afrodescendente, integra o colectivo de quatro curadores composto ainda pelos brasileiros Diane Lima e Hélio Menezes e pelo espanhol Manuel Borja-Villel.
Desde a sua criação, em 1951, a bienal brasileira tem sido um dos mais importantes e constantes palcos de internacionalização da arte portuguesa. O tema deste ano, Coreografias do Impossível, quer dar visibilidade às diásporas, principalmente a africana, e às questões da ancestralidade suscitadas pelas culturas indígenas.
Carlos Bunga (Porto, 1976), actualmente a viver em Barcelona, teve no ano passado uma exposição no Palácio de Cristal, em Madrid, espaço dedicado a projectos emergentes de grande escala do Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, nessa altura ainda dirigido por Borja-Villel.
O artista apresentou então uma instalação site-specific, uma verdadeira arquitectura de cartão, numa expansão para a grande escala dos seus trabalhos que exploram materiais pobres e convocam a pintura. Entretanto, e até Outubro, o centro de arte Bombas Gens, em Valência, apresenta a primeira grande antológica do artista no país, Performing Nature, onde uma impressionante peça de chão ocupa uma sala inteira. No próximo mês, a 23 de Julho, vai ainda inaugurar nos Estados Unidos, no Sarasota Art Museum, na Florida, uma nova exposição individual.
Raquel Lima (Lisboa, 1983) é uma poeta, performer e investigadora em estudos pós-coloniais. Com um percurso marcado pela poesia performativa, nomeadamente no campo dos poetry slams, publicou em 2019 o seu primeiro livro, Ingenuidade Inocência Ignorância, que reúne 24 poemas, metade dos quais apresentado também em formato áudio e musicado. Artista transdisciplinar e activista, mostrou já este ano a vídeo-instalação O Meu Útero Não Está na Europa na Galeria da Boavista, em Lisboa, no âmbito da exposição colectiva Emancipação do Vivente.
Actualmente a fazer o doutoramento no Programa Pós-Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, a sua investigação foca-se na relação entre a oratura — na literatura e outras formas de conhecimento transmitidas por via oral —, a escravatura e as diásporas africanas. Actualmente, vive entre Portugal e São Tomé e Príncipe, onde desenvolve pesquisa sobre canções da escravatura que circularam entre Angola e São Tomé e Príncipe em resultado do colonialismo português.
No ano passado, foi uma das palestrantes no simpósio organizada pelo Pavilhão dos EUA na Bienal de Arte de Veneza, que tinha como artista Simone Leigh (Leão de Ouro pela participação na exposição internacional), ao lado de outras académicas, artista e activistas negras, entre as quais estavam as curadoras Grada Kilomba e Diane Lima.
Raquel Lima é co-fundadora da União Negra das Artes (UNA), criada em 2021 para promover e proporcionar a representatividade de africanos e afrodescendentes nas artes e na cultura portuguesas.
Entre 2012 e 2017, foi coordenadora-geral e directora artística do PortugalSLAM – Festival Internacional de Poesia e Performance. Representou Portugal em competições europeias de slam, tendo sido finalista em 2015 do Rio Poetry Slam. No ano em que publicou o seu primeiro livro de poesia, participou na FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty e na FLUP – Festa Literária das Periferias, no Rio de Janeiro.
No comunicado de imprensa divulgado esta manhã, os curadores da bienal, na sua maioria negros, sublinham que os 120 participantes escolhidos "desafiam o impossível" num sistema artístico que tem privilegiado a história da arte ocidental contada por corpos brancos. "Vivem em contextos impossíveis, desenvolvem estratégias de contorno, atravessam limites e escapam das impossibilidades do mundo em que vivem. Lidam com a violência total, a impossibilidade da vida em liberdade plena, as desigualdades, e suas expressões artísticas são transformadas pelas próprias impossibilidades do nosso tempo."
Artigo alterado a 30 de Junho: actualiza informação relativa a Raquel Lima