Está preparado para se despedir do sisão? Sem medidas, extinção em Portugal é “inevitável”

Estudo publicado em revista científica dá conta de um declínio da população desta ave estepária na ordem dos 77%, entre 2006 e 2022. Medidas agro-ambientais urgentes podem reverter a catástrofe.

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Em 2006, estimava-se que existiam cerca de 17.500 machos reprodutotes de sisão, mas esses números baixaram para menos de quatro mil em 2022 DR
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É uma das aves estepárias prioritárias da Directiva Aves e em Portugal foram criadas zonas de protecção especial (ZPE) para travar o seu declínio, mas o que foi feito não está a funcionar. Um estudo agora divulgado revela que nos últimos 17 anos o sisão (Tetrax tetrax) teve um declínio de 77% e que, se não forem tomadas medidas, “a extinção da espécie é inevitável a curto prazo”. Uma das principais razões é a mudança na produção agrícola e a intensificação da produção de gado bovino.

Rita Alcazar, coordenadora da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) em Castro Verde, onde existe uma ZPE para as aves estepárias, convive todos os dias com o declínio do sisão e de outras espécies, como a abetarda (Otis tarda) e o tartaranhão-caçador (Circus pygargus). “É muito notório, até quando temos visitas de turismo. Dantes, vir a Castro Verde era uma garantia de ver estas espécies; hoje, para fazer uma boa observação, é preciso dedicar muito mais tempo e muitas vezes não há sucesso. Nós, no terreno, notamos todos os dias. Não estamos a ver as aves com a mesma frequência”, diz.

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As fêmeas de sisão podem ser mortas nos ninhos, durante a época de corte de fenos, uma verdadeira "armadilha" para a espécie DR

A bióloga colabora com o artigo A nationwide collapse of a priority grassland bird related to livestock (O colapso nacional de uma ave estepária prioritária relacionada com a produção de gado), publicado esta quinta-feira na revista Scientific Reports, de que João Paulo Silva, do Biopolis/CIBIO da Universidade do Porto, é o primeiro autor. Os dados recolhidos na época de reprodução de 2022, e que são comparados com estudos anteriores realizados em 2003-2006 e em 2016, são devastadores.

Segundo o artigo, o declínio de 56% já registado em 2016, em comparação com o estudo anterior, subiu agora para 77%. De cerca de 17.500 machos reprodutores estimados em 2006, desceu-se para menos de quatro mil em 2022. E os pormenores são ainda mais preocupantes. “Descobrimos que o sisão desapareceu praticamente fora das ZPE, enquanto a população reprodutora remanescente concentrada na rede de áreas protegidas está a mostrar um declínio acentuado a uma taxa de 9% ao ano. Este declínio é agora duas vezes mais rápido quando comparado com o período entre 2006-2016”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso. Os vários investigadores que assinam o trabalho concluem que esta taxa é “severa e insustentável”.

E os números são reveladores do que está a acontecer a outras espécies, insiste João Paulo Silva. “O caso do sisão é um indicador do que está a acontecer às outras aves estepárias. Os próprios dados do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] mostram que a abetarda declinou 50% em dez anos e temos indicadores de um declínio de 80% na águia-caçadeira [o mesmo que o tartaranhão-caçador] numa década, embora estejamos à espera de ter números mais rigorosos com os estudos que estamos agora a realizar. Estamos perante um crash das aves que dependem de vegetação um pouco mais alta”.

“Sinergia” negativa causa declínio

Há uma “sinergia” de razões para esta situação trágica de várias espécies protegidas pela Directiva Aves, e que em tempos, como acontece no caso concreto do sisão, tiveram a sua maior expressão precisamente na Península Ibérica, onde, ainda em 2010, estava concentrada mais de metade da população mundial da espécie.

A abertura de mais estradas ou a instalação de mais linhas eléctricas (3% das mortes do sisão ocorrem por colisão com estas linhas) contribuem para a mortalidade, assim como as alterações climáticas, que tornam o Alentejo, onde está concentrada 95% da população nacional da ave, cada vez mais seco e quente. Mas o motivo principal, concluem os investigadores, é mesmo a alteração que os campos alentejanos sofreram nas últimas décadas, com o colapso das culturas cerealíferas e a sua substituição por áreas de cultura intensiva de regadio (como olivais ou amendoais) e, principalmente, o aumento da produção de gado.

“A Política Agrícola Comum […] foi a principal causa de perda ou degradação de habitats das terras agrícolas para as aves na Europa Ocidental”, refere-se no artigo, lembrando que a produção de cereais deixou de ser subsidiada em 2005, surgindo, por oposição, apoios “para encorajar e intensificar as pastagens para o gado”. Os autores sublinham que, “embora já tivesse sido identificado o impacto do gado bovino” no declínio das espécies estepárias, o estudo actual “mostra que [esse impacto] continua e se intensificou”.

João Paulo Silva explica as consequências destas alterações: “Quando temos mais vacas ou ovelhas, as necessidades forrageiras aumentam, por isso, o que se produz são fenos. Aves como a abetarda, a águia-caçadeira ou o sisão vão procurar a vegetação mais alta para nidificar. Antes faziam-no nas searas, agora é nos fenos. Só que estes são cortados em Abril ou Maio, quando as searas eram em Junho. Do ponto de vista da fenologia, é altamente conflituante. Os fenos representam uma armadilha para os bichos.”

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O aumento de produção de gado bovino está associado à perda de habitat das aves estepárias Francisco Romão Pereira/Arquivo

Ou seja, as mudanças agrícolas não só retiraram habitat às aves estepárias – quando as propriedades são reconvertidas para outras produções, como a oliveira , mas também, nos espaços em que as condições ainda aparentam ser adequadas (os campos de feno), há um perigo associado à época de corte, que coincide precisamente com a época em que os ninhos estão instalados no meio dos campos e as fêmeas praticamente não os abandonam, para incubar as crias. Ninhos, ovos e fêmeas acabam frequentemente mortos neste processo.

E nem a segunda postura comum a estas aves, mas que geralmente é feita em maior esforço – tem garantias de êxito. Ela ocorre numa época “desajustada com a disponibilidade de alimento” e nas searas que ainda existem, onde correm o risco de apanharem os cortes de Junho, salienta o investigador. Rita Alcazar acrescenta outros factores de risco: “Como o habitat está em piores condições, temos maior predação das aves. E nos últimos anos temos de lidar com as ondas de calor no Alentejo. Ainda hoje fui ver um ninho [de tartaranhão-caçador] com duas crias, com cerca de dez dias. Não sei se vão sobreviver porque têm de resistir a uma onda de calor de 40 graus”, diz.

Medidas urgentes são vitais

O quadro desolador não é, contudo, irreversível. As medidas agro-ambientais tomadas aquando da criação das ZPE provaram funcionar, mas depois não se adequaram às alterações que o Alentejo foi sofrendo. Por isso, os investigadores acreditam que, se forem tomadas novas medidas rapidamente, a situação pode ser travada.

O problema, dizem, é que o Ministério da Agricultura tem sido lento em agir nesta matéria. “As medidas agro-ambientais [que existem] foram mal desenhadas, não incluíram medidas adequadas para garantir o habitat apropriado para a reprodução da espécie. Além disso, apesar do conhecimento extensivo da taxa de declínio e do que a está a causar há mais de sete anos, não foram tomadas medidas de gestão adicionais. A espécie não tem uma estratégia nacional de conservação e uma gestão efectiva do seu habitat”, lê-se no estudo.

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A paisagem alentejana mudou profundamente nos últimos anos, com vastas áreas a serem entregues ao cultivo intensido de olival Miguel Manso/Arquivo

No terreno há vários anos, Rita Alcazar tem a sua própria explicação para este cenário. “As decisões são tomadas em Lisboa, pelo gabinete de planeamento e política do Ministério da Agricultura. Há necessidade de um melhor conhecimento do território, dos constrangimentos e das dificuldades, para conseguirmos que as medidas sejam efectivas”, diz.

Certo, dizem os investigadores, é que sem o envolvimento dos agricultores nada será conseguido. “São necessárias medidas simples, adequadas e atractivas financeiramente para os agricultores. Caso contrário, a adesão é muito baixa”, sintetiza João Paulo Silva.

Rita Alcazar acrescenta: “Se as medidas que temos para conservar as aves não são suficientes para garantir o ganha-pão do agricultor, ele não vai aderir. O que lhes estamos a dar para que façam estes compromissos não é suficiente. É mesmo muito urgente que quem decide as medidas agrícolas perceba que a situação está muito, muito dramática, e que, se não fizerem alterações nas políticas, que é onde conseguimos controlar alguma coisa, vamos perder estas espécies que são nossas.”