Prever incêndios a partir do espaço: a proposta alemã para ajudar os bombeiros

Previsão algorítmica do comportamento potencial de um incêndio, baseada em dados recolhidos por satélites, pode melhorar a capacidade de decisão das autoridades de protecção civil.

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OroraTech
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Uma empresa alemã está a desenvolver um algoritmo, em colaboração com a Comissão Europeia, para detectar focos de incêndio em tempo real, prever que ocorrências vão atingir grandes dimensões e determinar como é que as autoridades de protecção civil devem distribuir os bombeiros pelas várias frentes de combate.

A OroraTech, companhia criada em Munique há quatro anos, desenvolveu versões miniatura das câmaras termais com infravermelhos normalmente utilizadas em aviões e em estações terrestres e instalou-as em 100 pequenos satélites CubeSats — a maior constelação de satélites da Europa e a terceira maior do mundo.

A informação da temperatura da superfície terrestre captada por estes satélites, assim como outros dados observacionais recolhidos através dos satélites Sentinel, do programa europeu Copérnico, entram depois num algoritmo que funcionará como “um especialista em incêndios” para as entidades responsáveis pela protecção Civil em cada um dos Estados-membros da União Europeia.

“Até mesmo um centro de operações num país que não tem muita experiência no combate aos incêndios florestais consegue ter este software e obter recomendações sobre como combater os fogos”, explicou o fundador da empresa, Thomas Grübler, em entrevista ao PÚBLICO no primeiro dia do Collision, o evento tecnológico do universo Web Summit que está a decorrer até quinta-feira na cidade canadiana de Toronto.

Segundo Thomas Grübler, o algoritmo da OroraTech com que a Comissão Europeia está a colaborar permite saber no espaço de uma hora que dimensão pode um foco de incêndio atingir e a quantidade de recursos — número de bombeiros, meios aéreos e meios terrestres — devem ser convocados para cada frente.

Esta tecnologia ainda não foi utilizada no terreno, mas os dados que vão alimentar as primeiras versões do novo algoritmo vão começar a ser incorporados num espaço de dois meses. Depois disso, a empresa vai desenvolver pelo menos três demonstrações tecnológicas para apurar a aplicabilidade da tecnologia na prevenção e combate aos incêndios.

O sonho espacial de um bombeiro

Quando era criança, muito antes de ter entrado em 2019 na lista “30 under 30” da Forbes — que distingue todos os anos “empresários brilhantes, líderes e celebridades” com menos de 30 anos —, Thomas Grubler tinha duas paixões: o espaço e os bombeiros. “Gostava muito de Star Trek”, recordou o empresário, agora com 32 anos, em entrevista ao PÚBLICO. “E depois escolhi ser bombeiro voluntário em vez de cumprir o serviço militar”, conta.

Os dois mundos fundiram-se mais tarde, quando Thomas entrou na universidade e desenvolveu a teoria para um projecto espacial relacionado com o combate aos incêndios. Depois da vida académica, a ideia passou do papel para a prática: “Adorei o tempo em que era bombeiro e, de repente, sou um bombeiro digital. Ou, pelo menos, a ajudar os bombeiros de todo o mundo”.

O princípio da OroraTech é optimizar a utilização dos recursos com base em previsões sobre a evolução de um foco de incêndio. Numa época intensa de incêndios, com várias frentes activas ao mesmo tempo, não há equipamentos nem bombeiros suficientes para combater todos os focos. Actualmente, para decidir que incêndios merecem uma acção mais musculada, utilizam-se aviões que recolhem informações para os especialistas em terra firme gizarem um plano de actuação.

Mas, segundo Thomas, essa estratégia é pouco eficiente: custa muito dinheiro, há um risco elevado de o aparelho se despenhar e é muito inseguro para os tripulantes a bordo. Por isso, o alemão desenvolveu aos 28 anos um novo sistema que “leva os sensores no solo para o espaço”, a bordo de aparelhos que a União Europeia já utiliza para observar a Terra.

O algoritmo da OroraTech leva em considerações dois tipos de informações térmicas: a temperatura absoluta, que determina os graus Celsius a que está cada pixel da imagem captada por um satélite; e a temperatura relativa, que alerta sobre a diferença térmica na ordem das décimas entre dois píxeis adjacentes na mesma imagem. Quando um desses pontos está mais quente que os outros em seu redor, isso pode ter várias significados: no mar, pode tratar-se de um navio em passagem ou uma massa de algas acumuladas no oceano. Em terra, pode ser um alerta para um novo incêndio.

O sistema também incorpora informações meteorológicas, como a velocidade e a direcção do evento, a quantidade de humidade na atmosfera, os níveis de evapotranspiração (um dado que também pode ser utilizado para revelar utilizações ilegais de corpos de água) e o tipo de vegetação que existe em cada ponto de um mapa. Com base nesses dados, o algoritmo da OroraTech consegue prever a probabilidade de um incêndio eclodir em cada ponto do mapa. E, se uma nova frente de incêndio for detectada, também é capaz de calcular a velocidade com que se vai propagar e a dimensão que vai atingir.

“O essencial é saber que fogos vale a pena combater e que fogos não merecem a nossa atenção”, defendeu Thomas.

Os três calcanhares de Aquiles no combate aos incêndios em Portugal

Questionado sobre os principais desafios que Portugal enfrenta nesta matéria, Thomas enumera três problemas. Em primeiro lugar, a falta de bombeiros e a dependência de voluntários. “É uma grande vantagem ter nas salas de operações não só quem compreenda o comportamento do fogo, mas também estrategas, analistas e até especialistas em machine learning”, aconselha.

Outro problema é a monocultura de eucaliptos, uma árvore que “incendeia tão depressa quanto cresce”, descreve Thomas. A solução, prossegue o empresário, é assegurar que os terrenos têm uma fauna diversa: “Nas monoculturas, o solo é frequentemente muito seco. Se tivermos uma cultura mista, temos árvores a cuidar umas das outras”.

O terceiro problema não é apenas português: as alterações climáticas. E esta é outra frente em que a OroraTech está a trabalhar com a Comissão Europeia — não apenas no que diz respeito ao impacto nas áreas verdes dos Estados-membros, mas também no nas áreas urbanas. O objectivo, neste momento, é só um: arrefecer as cidades, sobretudo os municípios do Sul europeu, e garantir que continuam habitáveis mesmo com o aquecimento global.

Neste campo, a empresa de Thomas Grübler está a estudar os dados térmicos das cidades europeias para apurar o que está a contribuir para que algumas zonas das cidades sejam especialmente quentes. “É possível saber exactamente o que se passa com os dados de satélite. E é possível obter uma resolução muito elevada, como ter um sensor a cada 200 metros”, explicou ao PÚBLICO.

Este é o futuro, assegura Thomas. Um futuro demasiado quente, demasiado imprevisível e demasiado volátil para deixar a tecnologia de ponta fora da equação. Para o alemão, só sobreviverá quem enfrentar a realidade das alterações climáticas de frente. “Já não é possível mitigar tudo, agora temos só de nos adaptar e gerir melhor os recursos que ainda temos”, defendeu. É a lei da sobrevivência.

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