A pobreza vive nas universidades portuguesas

A luta pela redução (e até extinção) da propina não surge hoje. Contam-se décadas de contestação contra o valor de frequência do ensino superior, que hoje se encontra nos 697€ anuais.

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Megafone P3: A pobreza vive nas universidades portuguesas Matilde Fieschi
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Como consequência inevitável dos últimos anos e de um muito duro período de pandemia, o ensino superior português enfrenta uma crise sem precedentes em todas as frentes. A precariedade que assola as universidades mostra as suas cores na crescente taxa de abandono escolar, nas deficitárias condições oferecidas pelas residências universitárias e, sobretudo, numa acção social manifestamente insuficiente e incapaz de fazer frente às dificuldades que se multiplicam para o estudante.

Se antes encarávamos o ensino superior como a porta segura e sempre aberta para o mercado de trabalho, hoje vemo-lo como um estreito corredor por onde a geração mais qualificada do nosso país – talvez a mais qualificada de sempre – terá de percorrer, de forma penosa, para aí chegar a (mais) um derradeiro desafio: o acesso a trabalho e salários condignos.

A luta pela redução (e até extinção) da propina não surge hoje. Contam-se décadas de contestação estudantil, de luta contra o valor de frequência do ensino superior, que hoje se encontra congelado nos 697 euros anuais, com valores ainda mais elevados para o 2º e 3º ciclo de estudos. Desta vez, Coimbra levanta o véu de um dos mais alarmantes factores que motiva o abandono escolar: o valor extra-propina.

Num estudo realizado pela Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra em parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, estima-se que o valor médio de frequência do ensino universitário (com exclusão do valor da propina) seja de 518,62 euros mensais. Esta estimativa conta com as seguintes despesas específicas: alojamento, alimentação, deslocações dentro da cidade, deslocações entre “residência primária” e Coimbra, material escolar e despesas pessoais.

Esta extra-propina é, por si só, um peso para todo e qualquer agregado familiar. Mas o peso aumenta se olharmos para o panorama socioeconómico da grande parte das famílias portuguesas. Ainda que bem apelidado de extra-propina, e simplificando, este é o “valor sentença”, o valor que segrega e que fecha uma porta muito antes de se chegar ao ensino superior.

São os agregados familiares mais vulneráveis quem mais sofre, impedidos, sequer, de ambicionar ir mais longe. Mas a prova indubitável dos efeitos nefastos que este valor representa para os estudantes está na taxa de 40% dos 1328 inquiridos que admite já ter ponderado abandonar o ensino superior.

Numa conjuntura político-educativa tão complexa vivida nas instituições de ensino superior país fora, é de grande falta de sensibilidade social que sacrifiquemos as famílias dos jovens que pretendem prosseguir estudos. A pobreza vive nas universidades portuguesas e só com total inconsciência o podemos negar. A nossa prioridade passa pelo reforço da acção social directa e indirecta. Na sequência deste recente estudo, vale a pena reflectir: a que custo é que estamos a formar uma das gerações mais qualificadas de sempre?

Deve fazer soar os alarmes do Governo e seus decisores políticos o multiplicar dos entraves à prossecução de estudos quase na mesma proporção e ritmo dos indeferimentos de bolsas de acção social pela Direcção-Geral do Ensino Superior. É urgente que as instituições de ensino se posicionem do lado da vítima especialmente vulnerável da precariedade: o estudante do ensino superior.

É urgente fortalecer a oferta de acção social e reabilitar as universidades portuguesas. Mais do que formar científica e pedagogicamente, as nossas universidades devem desempenhar um papel de agente garante da igualdade, que constrói o caminho para o Ensino universal e livre, onde não existe espaço à discriminação em função de critérios socioeconómicos. Uma universidade que permita que todo e qualquer estudante trace o seu caminho, sem que se veja hipotecado por um futuro longínquo, alcançável apenas por alguns.

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