De Drive a Enid Blyton: Nicolas Winding Refn vai “reimaginar” Os Cinco

Série de três episódios de 90 minutos já está a ser filmada para a BBC e será uma forma de apresentar os aventureiros a “um novo público progressista”.

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Os livros de Os Cinco já foram adaptados para televião e cinema várias vezes MANUEL ROBERTO
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É uma dupla, ou dever-se-á dizer um sexteto, improvável: o cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn vai fazer uma série sobre Os Cinco. Um realizador conhecido pela sua abordagem meticulosamente estilizada à violência, vai “reimaginar” o famoso grupo de miúdos aventureiros criado por Enid Blyton em 1942 para os canais de televisão públicos BBC e ZDF, e também para a francesa TF1.

Ainda não há data de estreia da série, nem se sabe qual ou quantos dos 21 livros servirá de base ao programa, mas as filmagens já começaram em Inglaterra. Cada um dos três episódios terá 90 minutos.

A notícia correu segunda-feira a imprensa britânica e a imprensa norte-americana especializada no audiovisual, alguma da qual não reprimiu a sua surpresa pela inesperada conjugação de nomes. Também, dada a centralidade da obra de Blyton para a literatura infantil britânica quanto para os anos formadores de muitas gerações, já surgiram as críticas ou temores explícitos. “Os Cinco vão para o inferno”, titula o diário britânico The Telegraph. No seu trabalho, Refn centra-se frequentemente na violência, que usa como elemento da intriga mas também como recurso estético, filmando-a no seu habitual negrume com tons entre o vermelho e o púrpura, por exemplo. Há elementos de film noir e dos anos 1980 e, como escrevia o crítico do PÚBLICO Jorge Mourinha a propósito do filme Só Deus Perdoa, que é frequentemente descrito como "ultraviolento", Refn é um "formalista em absoluto controlo", um "virtuoso que exige que tudo esteja no seu devido lugar".

“Lutei toda a vida, vigorosamente, para continuar a ser uma criança com sede de aventura”, diz Winding Refn num comunicado que anuncia o novo projecto. “Ao reimaginar Os Cinco, estou a preservar essa noção dando vida a estas histórias icónicas para um novo público progressista, incutindo o fascínio e o encanto indefiníveis da infância nas gerações actuais e futuras". O uso do termo “progressista” é um gatilho tão potente quanto o currículo de Refn no alimentar das dúvidas e medos quanto a este projecto.

O facto de a obra de Blyton, que foi produzida há quase um século, ter sido escrutinada nos últimos anos pelo retrato datado que faz de minorias étnicas e do uso de certa terminologia juntam-se ao previsível discurso mediático e social sobre esta nova série. Em Março, foi noticiado que várias bibliotecas inglesas esconderam livros de Enid Blyton por causa de “linguagem ofensiva”; nos anos 1960, já se faziam críticas a livros como A Boneca Negra ou O Mistério que Nunca Existiu pela sua xenofobia ou racismo. Por outro lado, a personagem Zé, de Os Cinco, uma rapariga que rejeitava os ditames de género no seu vestuário, nome ou atitude, é até hoje valorizada pela sua raridade à época.

Neste contexto, e com o conservador Telegraph a perguntar-se “o que é que a BBC tem na cabeça” ao encomendar tal série, a responsável do departamento infantil e educativo da estação pública considera que ela será “uma celebração do património britânico” e que vai “apresentar uma nova geração de espectadores a estas maravilhosas aventuras”.

Um dos produtores da série, Will Gould, da Moonage Pictures, descreve-a como “uma série de acção moderna, do seu tempo e irreverente”.

Nicolas Winding Refn é o criador da série e seu produtor, entregando a câmara ao realizador Tim Kirkby. O seu currículo contém já o seu quinhão de televisão, desde a mais recente série Netflix Copenhagen Cowboy até à realização de um par de episódios de Miss Marple. Foi no cinema que cimentou a sua reputação de autor, embora mais recentemente tenha perdido algum desse brilho que o rodeava quando se estreou Drive (2011), com Ryan Gosling, e para o qual contribuíram Pusher, em 1996, Valhalla Rising – Destino de Sangue ou, depois, Só Deus Perdoa (2013).

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