“Boletim de Topografia” para dar que pensar
Para contrariar a inanidade comunicacional em curso, o “Boletim de Topografia” n.º 10, editado e publicado por Júlio Henriques, um conglomerado de 352 páginas densas e tersas que dão que pensar.
“A expansão da interactividade gera uma comunicação sem conteúdo, reduzida à reiteração contínua do mesmo movimento circular. Neste novo regime, o que distingue uma dada mensagem de outra já não é, em última análise, o que ela significa ou representa. O que leva o público a aprovar um determinado discurso, texto ou imagem não é o seu conteúdo, mas o facto de outros terem aprovado o mesmo discurso, texto ou imagem.” – eis um bom resumo do excelente artigo de Bernardo Ferro, investigador do Instituto de Estudos Filosóficos da Universidade de Coimbra, sobre o “futuro da comunicação” face ao “triunfo da interactividade” e à suposta “democratização da esfera pública” daí advinda.
Todos os dias colhemos exemplos deste abissal vazio nos canais de entretenimento ‘noticioso’, com os seus intermináveis “directos” absurdamente imbecis, a sua crónica diarreia de “comentários” e “comentadores”, e o seu ‘jornalismo’ reactivo e circular (A “reage” às declarações de B que “já reagiu” às afirmações de C, que… etc.) Os jornais impressos, há muito transformados em coloridas cadernetas de cromos, não estão em melhores lençóis, como sabemos. Este estado de coisas bastaria para recomendar a leitura do “Boletim de Topografia” n.º 10, editado e publicado por Júlio Henriques, um conglomerado de 352 páginas densas e tersas, que dão que pensar, e nas quais a ausência de cor é, desde logo, um alívio para os olhos. Um continente com conteúdo, portanto.
Respiguemos. “Nós não lutamos pela natureza, nós somos a natureza que se defende.” Este lema – que vem sendo cada vez mais adoptado por eco-activistas contra o “saque extractivista” (seria o caso do lítio no Barroso) ou contra o avanço do “urbanismo canceroso” e da “peste” turística (no litoral em geral) – é retomado no ‘editorial’ (chamemos-lhe assim) do director; o jornalista Gaspard D’Allens faz o elogio da “Grande Deserção em Marcha” dos que querem escapar à engrenagem urbano-industrial e suicida, dos que recusam “subir na vida”; Jorge Leandro Rosa tenta “resistir à ‘banalidade da guerra’, [na Ucrânia] essa incompreensível capacidade humana para coexistir com a ‘história da destruição’ no seu decurso”; em “Um Campo Revolto”, Corsino Vela escreve sobre “neo-ruralismo”, “reurbanização e digitalização do espaço rural” e “fuga para o campo em busca de ‘qualidade de vida’”; em “Baldios”, o realizador José Vieira faz a “História da maior espoliação havida em Portugal”. Entre muitos outros artigos e ensaios, uma boa parte deles relacionados com o tema “Natureza e mundo rural”, calha citar aqui, ainda, um funéreo roteiro (inventariado por M. Ricardo de Sousa) sobre “livrarias e livreiros libertários, & afins, em Portugal”.