Lei do Restauro por um fio. Decisão final nas mãos do plenário do Parlamento Europeu

Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu rejeita proposta negociada nos últimos meses sobre a Lei do Restauro da Natureza. Votação em plenário será última oportunidade de salvar lei de conservação.

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A Lei do Restauro da Natureza prevê a reversão do declínio de insectos polinizadores, aumento de espaços verdes ou o restauro de habitats em más condições Miguel Manso

“Tirem os vossos casacos, isto vai aquecer.” O tom leve de Pascal Canfin, presidente da comissão de Ambiente do Parlamento Europeu (PE), não foi suficiente para desanuviar a tensão na manhã desta terça-feira, na continuação da longa votação do relatório sobre a Lei do Restauro da Natureza, que tinha sido interrompida há duas semanas. O resultado: “44-44, rejeitado”, concluiu por fim o eurodeputado francês, usando a expressão tantas vezes ouvida ao longo da votação de centenas de emendas.

A Lei do Restauro fica, assim, encurralada nos labirintos políticos do Parlamento Europeu, entre a rejeição do Partido Popular Europeu (PPE, onde se insere o PSD e o CDS), aliado aos grupos de extrema-direita e a parte dos liberais do Renew Europe, e as famílias dos Socialistas e Democratas (S&D, que inclui o PS), Verdes, Esquerda (que integra PCP e BE) e a outra parte do Renew, que votaram a favor da lei, com o apoio de associações ambientalistas e cientistas de todo o mundo.

Não havendo maioria na votação desta terça-feira, ao invés de propor melhorias, a comissão do Ambiente vai propor, na sessão plenária, a rejeição da proposta de lei da Comissão Europeia para conservação da natureza, que tem entre os seus objectivos restaurar 20% das áreas de terra e de mar da União Europeia até 2030. Haverá uma última oportunidade de submeter novamente as emendas na votação final, de forma a não desperdiçar o trabalho de negociação dos últimos meses. Contudo, se o Parlamento Europeu como um todo confirmar a rejeição da proposta em plenário — a votação deve ser agendada já para o plenário de 10 a 13 de Julho —, a União Europeia ficará sem uma peça-chave na protecção da biodiversidade.

Em conferência de imprensa após as votações, o relator da proposta do Parlamento Europeu, o socialista César Luena, recordou a importância desta “primeira lei de natureza e biodiversidade em 70 anos de construção europeia” e prometeu não baixar os braços até à plenária de Julho, onde se espera que seja agendada a votação final.

“Vamos acrescentar emendas e vamos negociar tudo com todos”, garantiu o eurodeputado espanhol, relembrando que no plenário ainda será possível apresentar emendas, incluindo os compromissos firmados nos últimos meses com os partidos mais à esquerda.

“Parto” Ecológico Europeu

A Lei do Restauro da Natureza foi apresentada pela Comissão Europeia em Junho de 2022 como um dos pilares do Pacto Ecológico Europeu, a cargo do vice-presidente executivo da CE,​ Frans Timmermans, traduzindo-se num conjunto de estratégias e leis que têm tido um longo “parto” desde 2019, quando foi anunciado. A legislação sobre restauração vem preencher uma lacuna nas provisões sobre a recuperação a longo-prazo de recursos naturais na UE, permitindo atingir os objectivos climáticos e da biodiversidade, não apenas da UE, mas os que foram assumidos na COP15 da Biodiversidade, em Novembro do ano passado.

Entre os objectivos da proposta está o restauro de 80% dos habitats europeus em más condições, a reversão do declínio dos insectos polinizadores até 2030, o aumento em 5% dos espaços verdes urbanos até 2050, a redução em 50% do uso de pesticidas químicos até 2030, banindo o seu uso em “áreas sensíveis” tais como as protegidas e as áreas verdes urbanas.

A proposta da Comissão tem estado em análise tanto pelo Conselho da União Europeia — que aprovou a sua proposta na semana passada — como pelo Parlamento Europeu. No PE, foi a comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar que ficou a cargo de formular as propostas de melhoria da lei (para serem mais tarde negociadas com o Conselho), com o relatório a cargo do eurodeputado socialista César Luena.

As más notícias começaram a chegar nas comissões que emitiram pareceres, nomeadamente a da Agricultura e a das Pescas, que rejeitaram a proposta de lei perante uma aliança entre o PPE e os partidos mais à direita do Parlamento Europeu. O PPE, aliás, retirou-se das negociações nos últimos meses, alegando que a proposta da Comissão irá pôr em risco a segurança alimentar europeia e prejudicar a economia agrícola em geral.

Por trás do boicote à Lei do Restauro estará o eurodeputado alemão Manfred Weber, presidente do PPE. Esta posição, contudo, tem sido vista como um dos primeiros indícios dos confrontos partidários que se prevêem até às eleições europeias de Junho de 2024.

O presidente da comissão de Ambiente, Pascal Canfin (do grupo liberal centrista Renew), afirma ter havido “uma clara manipulação de votos” na votação da comissão de Ambiente, denunciando que “um número significativo de membros da comissão” — nomeadamente “um terço dos deputados do PPE” — foram substituídos por outros colegas, em particular “eurodeputados alemães da comissão de Agricultura”.

Do outro lado da barricada, a eurodeputada alemã Christine Schneider, relatora-sombra do projecto de Lei do Restauro pelo PPE, relembrou as objecções do grupo parlamentar democrata-cristão, como a ameaça à segurança alimentar ou o prejuízo para o sector agrícola, alegando que não houve uma “avaliação de impacto clara e em condições”. “Se a Comissão Europeia tivesse levado a sério as nossas preocupações, não estaríamos aqui hoje”, rematou.

Já Peter Liese, porta-voz do PPE na comissão de Ambiente, deixou claro o alvo do ataque do seu grupo parlamentar: “Timmermans está a avançar demasiado e a avançar mal”, afirmou, atacando várias vezes o vice-presidente da CE responsável pela pasta do Pacto Ecológico Europeu.

O relator socialista César Luena relembrou que, fora das movimentações em curso no Parlamento Europeu, a Lei do Restauro da Natureza continua o seu caminho, nomeadamente com a aprovação no Conselho da UE. “Dentro de poucos dias começa a presidência espanhola do Conselho da UE”, lembrou ainda, garantindo que a negociação bem-sucedida desta lei na fase de trílogo — que só acontecerá caso seja aprovada pelo Parlamento — será uma das bandeiras do governo espanhol.

Face ao resultado desta terça-feira, César Luena deixou, por fim, uma palavra de condenação à atitude apresentada pela direita ao tentar travar esta lei. “A pergunta que muitos se fazem, em particular jovens, é: ‘Foram capazes de fazer tanto nos últimos anos, como é possível não conseguirem passar uma lei sobre biodiversidade?’”