A União Europeia (UE) comprometeu-se a reduzir em 55% as suas emissões de gases com efeito de estufa até 2030 (em relação aos níveis de 1990), mas um relatório do Tribunal de Contas Europeu (TCE) nota que, tendo por base o orçamento comunitário 2021-2027 e os planos nacionais de energia e clima dos Estados-Membros, não é, de todo, claro como chegaremos lá. O relatório do TCE sobre Metas da UE em matéria de clima e energia é bastante directo logo no subtítulo: “pouco indica que as acções para alcançar as aspirações de 2030 serão suficientes”.
“Encontrámos poucos indícios de que as medidas que estão a ser postas em prática pela Comissão e pelos Estados-Membros serão suficientes”, afirmou o auditor do TCE Lorenzo Pirelli, numa conferência de imprensa esta segunda-feira. A publicação deste relatório especial acontece a poucos dias do prazo para os Estados-membros entregarem as suas propostas de revisão dos Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC), a 30 de Junho, e espera-se que seja uma referência para o processo que se segue, nos próximos meses, para aperfeiçoamento destes planos.
Diga-se, antes de mais, que não é novidade que existem várias incógnitas no caminho da UE para as metas climáticas de 2030. Afinal, o orçamento da UE para 2021-2027 prevê cerca de 87 mil milhões de euros por ano para a acção climática, um montante que, recorda o relatório do TCE, “é inferior a 10% do investimento total necessário para atingir as metas de 2030, estimado em cerca de um bilião de euros por ano, prevendo-se que o resto do investimento provenha de fundos nacionais e privados.”
O problema seguinte, identificado pelo Tribunal de Contas Europeu, é que os PNEC dos Estados-membros também não dão respostas claras sobre como serão financiadas as medidas previstas para enfrentar a crise climática. É por isso que o TCE recomenda “aumentar a transparência da comunicação de informações sobre o desempenho das acções em matéria de clima e energia pela UE e pelos Estados-Membros”, assim como “apoiar o empenho dos Estados-Membros em atingirem as metas para 2030”.
“Foi este o principal problema que encontrámos na maioria dos planos nacionais de energia e clima: não é claro de onde virá o dinheiro nem como esta lacuna será preenchida”, esclarece Lorenzo Pirelli, explicando a urgência de que a Comissão Europeia (CE) trabalhe com os Estados-membros para clarificar quais serão as fontes de financiamento, incluindo como conseguir atrair mais investimento do sector privado.
2020, uma incógnita
Para reflectir sobre o percurso até 2030, o relatório faz uma retrospectiva sobre a meta anterior. Conclui-se que, sim, a UE atingiu globalmente as suas metas para 2020, mas tal não parece ter acontecido de forma intencional: entre a influência da crise financeira iniciada em 2009 e a pandemia de covid-19 nas emissões (cujo impacto nas metas para 2020 não foi devidamente avaliado pela CE), “a Comissão tem uma ideia apenas parcial sobre que áreas de acção mais contribuíram para esse fim”, afirmou Joëlle Elvinger, membro do TCE responsável pela auditoria, na conferência de imprensa.
Esta lacuna de análise, aliada à falta de dados concretos, faz com que ainda faltem “informações fundamentais sobre a relação custo-eficácia” das medidas previstas para atingir os objectivos para 2030, descreve o relatório. Até à data, concluem, “há poucas indicações de que as metas mais ambiciosas da UE se traduzirão em acções suficientes”.
E ainda sobre as metas para 2020, há alguns cartões amarelos. Embora a maioria dos Estados-Membros tenha concretizado os contributos previstos, nem todos o conseguiram.
O TCE nota que, por exemplo, sete Estados-Membros — Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Lituânia, Polónia e Suécia — não atingiram as metas indicativas relativas à eficiência energética.
Noutras metas, alguns tentaram dar a volta ao assunto e “resolver na secretaria”. Três dos Estados-Membros que não atingiram as metas vinculativas para os gases com efeito de estufa “unicamente com base nas suas próprias acções climáticas” compraram licenças de emissão a outros Estados-Membros que ultrapassaram as suas metas ou recorreram a créditos internacionais.
Houve ainda seis países que não atingiram as suas metas vinculativas para a quota de energias renováveis e tiveram de comprar quotas a outros Estados-Membros que ultrapassaram as suas metas (à excepção, aliás, de França, que até Abril de 2023 não tinha adquirido as dotações que lhe faltavam para atingir a sua meta).
Eficiência energética e outros calcanhares de Aquiles
Os relatores notam que o objectivo de eficiência energética, um dos que foram atingidos com mais dificuldade em 2020, foi precisamente aquele que não tinha metas obrigatórias. “Quando as metas são obrigatórias, há mais compromisso dos Estados-membros, mais segurança para os investidores”, conclui Lorenzo Pirelli. Ora, isto não traz boas notícias para os objectivos para 2030, já que há menos metas obrigatórias, uma “opção política” que foi considerada necessária para que o conjunto dos Estados-membros aceitasse, de forma colectiva, compromissos mais ambiciosos.
O relatório menciona que a própria Comissão Europeia — que considera (ao contrário do TCE) as metas nacionais previstas pelos Estados-Membros nos PNEC suficientes para atingir as metas da UE em matéria de emissões de gases com efeito de estufa e de quota de energias renováveis — reconhece que os 27 Estados-Membros “demonstraram uma ambição colectiva insuficiente em relação à meta de eficiência energética para 2030”.
Há ainda alguma névoa sobre os termos de comparação da UE a nível internacional. O TCE faz uma avaliação positiva do percurso da UE na redução de emissões de gases com efeito de estufa, mas alerta que é preciso mais rigor na contabilização das emissões para uma comparação mais precisa.
Actualmente, nota o TCE, nem todas as emissões são tidas em conta, nomeadamente as emissões líquidas originadas pelas mercadorias importadas (ou seja, a “pegada carbónica” de produtos importados) e as emissões da aviação e transporte marítimo internacionais. Assim, o relatório recomenda que sejam contabilizadas todas as emissões, de forma a que seja possível, de facto, avaliar e comparar o desempenho da UE a nível internacional.
Por fim, um dos grandes pontos de interrogação é a participação do sector privado no investimento necessário para a transição. A aparente falta de investimento privado deve-se a poucos fundos mobilizados ou simplesmente à falta de dados? Um pouco dos dois, de acordo com os auditores. “A grande questão é a falta de informação. Sabemos que não há medidas suficientes e que não há financiamento suficiente, mas a informação concreta está em falta”, explicou Joëlle Elvinger.
Com base em relatórios anteriores, contudo, é possível concluir que, mesmo sem informação consolidada, existem “poucos sinais de que estes investimentos privados estejam a materializar-se”, relembra Lorenzo Pirelli. E tenta dar algum contexto: “É preciso lembrar que o sector privado por norma precisa de alguma segurança e de clareza sobre quanto precisa de ser investido. O facto de todos os anos haver objectivos revistos também não ajuda o sector privado a fazer investimentos numa direcção clara.”