Uma semana antes de aterrar em Veneza para a minha primeira Bienal de Arquitectura, uma das principais histórias no site da Dezeen era: “Venice Architecture Biennale 'does not show any architecture' says Patrik Schumacher”.
Apesar de vir com o nome de Schumacher no título, razão suficiente para ser cuidadoso com o conteúdo de qualquer declaração, o artigo e a publicação completa no Facebook do visado deixaram-me preocupado com aquilo que iria encontrar ou, mais precisamente, não encontrar.
A “falta de arquitectura” descrita por Schumacher e “o risco de [a Biennale] perder a sua posição enquanto evento líder mundial” eram ideias fortes que até tinham alguns paralelos com a recepção da última Trienal de Arquitectura de Lisboa feita no Público por Paulo Martins Barata, na altura descrita como “muita terra e pouca arquitectura”, com a qual eu concordei parcialmente.
O problema parecia ser o facto dos curadores de exposições de arquitectura estarem demasiado distantes da prática de arquitectura. Demasiado focados em pequenos problemas sociais e políticos e não preocupados, de todo, em apresentar soluções pragmáticas e alcançáveis.
A verdade é que as batalhas diárias da prática de arquitectura são demasiadas vezes focadas em problemas laterais. Não da importância capital da descarbonização e descolonização estudadas pela bienal de Lokko, mas de origens comezinhas como as consequências do timing de um anúncio público ou os atrasos de licenciamentos e o absurdo de alguns regulamentos e legislações.
Em retrospectiva, a minha experiência de trabalho enquanto arquitecto no “mundo real” depois da universidade parece por vezes paradoxalmente desligada do mundo real propriamente dito. Quando estava a terminar a minha tese de mestrado, temas como a crise ecológica ou a necessidade de uma mudança de paradigma social e político não eram nada estranhos.
Nem a mim, nem — pensava eu — a ninguém. A dado momento, estes metaproblemas estavam na primeira página dos jornais e na abertura dos telejornais todos os dias. Pensemos nos protestos pelo clima e na remoção de estátuas de esclavagistas um pouco por todo o lado. Estas ideias não eram estranhas à arquitectura, tal como não eram estranhas à filosofia, economia ou mesmo ao cinema, música e às outras artes.
É por isto que me parece que o Laboratório do Futuro está bem enraizado no mundo em que vivemos. O mundo real. Não apenas o mundo de uma pequena elite intelectual europeia, mas um verdadeiro escopo global de contributos de arquitectos com prática activa, educadores, investigadores e até mesmo de estudantes.
Apesar de, por vezes, o alcance impressionante dos trabalhos apresentados ser difícil de assimilar — como no labiríntico Pavilhão Central ou nas múltiplas salas escuras que mostram longos vídeos por todo o lado — a maioria das exposições são coerentes e fáceis de acompanhar.
Chegando até a tocar a ironia em alguns momentos. O que encontrei em Veneza foi muito boa arquitectura. Arquitectura em múltiplos entendimentos, escalas e experiências. Como imagino que aconteça em todas as bienais, algumas participações são uma oportunidade perdida.
Este foi o caso dos Estados Unidos, da Coreia e da Alemanha que, na minha opinião, falharam nas suas apresentações. Muitos dos países apresentaram temas desafiantes. A Áustria, por exemplo, conseguiu transformar uma proposta falhada num manifesto. França transformou um manifesto numa instalação artística e a maioria das participações transformou uma investigação numa boa exposição: Bélgica, Grécia Dinamarca e Portugal. Para nomear alguns.
Estes últimos estão provavelmente entre os meus favoritos, com o pequeno detalhe de me ver obrigado a comprar e ler os respectivos catálogos. Graças à política de bagagem de cabine da Ryanair não comprei um único. Arrependo-me dessa decisão desde que aterrei de novo em Lisboa.
O principal mérito da Biennale de Lesley Lokko é posicionar (ou melhor, reposicionar) a elite global de arquitectos naquilo que ela poeticamente descreveu como the blue hour: “Um período de tempo imediatamente antes do nascer ou do pôr do Sol em que este ilumina de uma forma difusa por baixo do horizonte e o céu toma um vívido tom de azul.” Escolho acreditar que estamos a viver o momento antes de um novo dia.