Afonso tem uma luz na ponta dos dedos: “Acho que os pirilampos gostam de mim”
A Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade montou um espectáculo único: uma “expedição” num refúgio ecológico de Gaia para encontrar a luz no escuro: eis os incríveis pirilampos.
A noite quente de Junho já anunciava a chegada do Verão. O calor havia de se manter e o escuro da noite era obrigatório impor. Apesar do céu estrelado, os olhares do grupo de 25 pessoas, especialmente os dos mais pequenos, concentravam-se na altura do solo. Às escuras, numa quinta em Vila Nova de Gaia, esperava-se o início de um raro espectáculo da natureza. E, entre risos e sussurros, eis que surgem os brilhos a piscar num constante movimento à volta do grupo. Para alguns, este foi o primeiro encontro com os incríveis pirilampos. Afonso teve mais sorte ainda.
Estamos na Quinta de Chão de Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, para a primeira observação de pirilampos organizada pela Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade (FAPAS) numa sexta-feira de Junho à noite. Nuno Gomes Oliveira, presidente da associação, conta que esta visita quer, acima de tudo, “sensibilizar as pessoas para a conservação da natureza”. “Para além do interesse biológico, também é um espectáculo. Fazê-la somente para os amigos seria puro egoísmo”, constata.
Antes da observação, o presidente da FAPAS faz uma breve apresentação sobre a relevância dos pirilampos para a natureza: “Eles são importantes bioindicadores do estado do ambiente; revelam se está em boas condições.” Porém, apesar da sua importância, os humanos conseguiram que estas espécies estejam hoje ameaçadas de extinção. O uso de luz artificial, pesticidas e herbicidas, e a destruição do seu habitat transformaram os pirilampos num insecto raro.
De geração em geração
Toda a luz do dia deu lugar a uma intensa escuridão e silêncio, interrompido apenas pelo som dos galhos no chão a quebrar com os passos das pessoas. A caminhada começa às 22h. O grupo inclui várias crianças e adultos, elementos de várias gerações da mesma família. Sandra Pinho, de 40 anos, que nunca viu pirilampos, alinhou neste programa de sexta-feira à noite com a mãe, Alice Pinho, de 60 anos, e a filha Matilde, de oito.
Talvez Matilde, que segura uma pequena lanterna com papel celofane vermelho na ponta, seja a que mostra mais entusiasmo. Para a avó, a novidade não são os pirilampos. “Este momento é importante para elas e para mim. Eu vi-os [os pirilampos] durante muitos anos, fiquei décadas em avistá-los, e agora, de repente, volto a observar algo que pensava já não existir. Será importante para ela [Matilde], um dia mais tarde, recordar este momento.
Passados mais de 45 minutos desta expedição nocturna, um pirilampo pousa nas mãos de Afonso de Melo Freitas, de sete anos. É a segunda vez que recebe este cumprimento especial, num momento celebrado por todo o grupo. “Acho que os pirilampos gostam de mim”, diz Afonso, enquanto sorri para o insecto que agora brilha na ponta dos seus dedos.
O pai, Pedro de Melo Freitas, ainda se recorda do tempo em que se conseguia ver pirilampos com facilidade, sem visitas guiadas ou expedições organizadas. Agora é bem mais difícil, reconhece, mas Pedro não desiste de “estimular o contacto do filho com a natureza e sustentabilidade”. Algo estará a correr bem, já que Afonso confessa, durante a conversa com o Azul, que quer ser biólogo para estar “mais perto dos animais e plantas” quando for adulto.
No caminho, Sofia Tártaro, mestre em Ciências e Tecnologias do Ambiente, e João Amorim, entusiasta na observação dos pirilampos, guiam o grupo para que não se percam nalgumas zonas onde se preservou a vegetação alta para acolher os insectos. Há várias crianças que querem saber como é que o pirilampo consegue brilhar.
“Como não é uma coisa comum, as crianças ficam sempre muito interessadas por estarmos a falar de um insecto com luz. É bonito de se ver. Elas começam a ter mais preocupação com a natureza e os animais e aproveitam este espectáculo fabuloso que a natureza nos oferece”, refere João Amorim.
Os pirilampos emitem luz por meio de um processo conhecido por bioluminescência — quando uma substância chamada luciferina, presente nos seus corpos, reage com a enzima luciferase na presença de oxigénio. O resultado é uma curta e fascinante emissão de luz apreciada pelos entusiastas.
Outro facto que chamou a atenção dos participantes foi a diferença visível na quantidade entre machos e fêmeas. As fêmeas não voam, ficam no chão e emitem uma luz mais branda. Já os machos estavam por todos os lados, a voar e a piscar intensamente.
A quantidade de pirilampos que se consegue observar nesta altura depende das temperaturas da época. Sofia Tártaro explica que “se o tempo estiver mais quente, vê-se mais”. Mas o melhor mês para os conservar no seu habitat e assistir ao espectáculo de luz é o de Junho, durante a fase de reprodução. O ciclo de vida desses insectos dura de um a três anos. No entanto, uma vez que se reproduzem, morrem de uma a duas semanas depois.
A primeira observação de pirilampos organizada pela FAPAS foi uma iniciativa gratuita. Devido à adesão dos sócios e outros interessados, a associação planeia desenvolver outras acções de educação ambiental para sensibilizar a população para a conservação da biodiversidade. Fique atento se quiser assistir a este espectáculo.