Plástico: olhar e não ver

Ao contemplarmos a superfície do oceano não imaginamos que quase todo o plástico que nele foi descartado ao longo dos tempos se encontra no fundo, inacessível aos nossos olhos.

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A presença de plástico disperso no ambiente é uma evidência em todo o mundo e os impactos ecológicos e económicos que provoca não podem mais ser ignorados, no entanto e apesar deste reconhecimento e de todas as iniciativas que têm sido promovidas a diferentes escalas para reduzir quantidades e impactos, não encontrámos ainda uma solução promissora.

Este é um problema global que envolve toda a sociedade, por isso é absolutamente necessário que a informação e a divulgação cheguem a todas as pessoas, e não apenas ao cidadão comum. É preciso que todos os intervenientes no ciclo de vida do plástico façam a sua parte, e também os reguladores e decisores políticos.

Porque olhamos mas não vemos o problema do plástico? Literalmente podemos não ver porque alguns plásticos são muito pequenos e passam despercebidos – é o caso de diversos fragmentos que existem um pouco por todo o lado, fragmentos de objectos maiores, que se encontram facilmente na praia por exemplo, ou em jardins públicos.

Um saco que voou e se perdeu, a lavagem da roupa sintética acaba por originar diversos pedaços e fibras cada vez mais pequenos, os microplásticos que incluem igualmente as pastilhas que a indústria utiliza para produzir os diversos objectos de plástico ou as microsferas que estão em muitos produtos de cuidado e higiene pessoal. Relativamente aos objectos maiores dispersos por aí e a que chamamos lixo, sentimos distância ou indiferença, e não temos a percepção de que nos podem afectar negativamente.

Esquecemo-nos também que a escala do problema é esmagadora. Ao contemplarmos a superfície do oceano não imaginamos que quase todo o plástico que nele foi descartado ao longo dos tempos se encontra no fundo, inacessível aos nossos olhos. Igualmente difícil imaginar rios de lixo que escoam permanentemente para o Oceano enormes quantidades de plástico, em locais do mundo onde a gestão de resíduos é mínima ou mesmo nula.

Por consequência também a quantidade de microplásticos aumenta continuadamente, e a realidade da sua ingestão por diversas espécies coloca riscos para a biodiversidade e para a saúde humana, uma preocupação crescente, já que todos se apresentam contaminados por diversos compostos, entre os quais os aditivos, na sua maioria tóxicos. Quando olhamos é preciso ver o que está para além da superfície.

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Michael Valos

Importa perceber que mesmo com todos os avanços científicos e tecnológicos, que até ao momento foram feitos, estamos ainda muito longe de uma verdadeira solução. Nem a reciclagem, que introduz material já utilizado no ciclo de produção de novas embalagens, nem os plásticos de base biológica, biodegradáveis e que nos fariam prescindir do petróleo, estão ainda suficientemente desenvolvidos para que possam ser uma solução.

Precisamos de mais investigação e melhor tecnologia, precisamos igualmente de vontade política para implementar medidas pouco populares e fazer face aos agentes económicos que sistematicamente pedem mais tempo para se adaptarem às novas regras que são impostas pela legislação. Enquanto isso continuam a ser produzidas quantidades intangíveis de plástico, 460 milhões de toneladas no ano passado, que originam resíduos dos quais uma parte acaba no oceano.

As estimativas apontavam em 2010 para 8 milhões de toneladas por ano que chegam ao oceano, o equivalente a um camião de plástico por minuto. Hoje este número terá aumentado para mais de 12 milhões de toneladas e continuará a aumentar se nada fizermos. Segundo um relatório de 2022 da OCDE, a utilização do plástico triplicará até 2060.

Na busca de soluções, a nossa actuação ao nível local, embora fragmentária, é um contributo extremamente importante no sentido da prevenção e minimização do problema, mas não podemos perder de vista a necessidade de ações concertadas que conduzam a soluções sistémicas que sustentem a mudança. Neste sentido, o novo Tratado Global para os Plásticos aprovado em março de 2022 na Assembleia do Ambiente das Nações Unidas, e que deverá estar concluído em 2024, é um marco histórico.

Trata-se de um instrumento juridicamente vinculativo cujo objectivo é acabar com a poluição por plásticos até 2040, abordando vários aspectos com ênfase na economia circular e que incluem, entre outras, medidas dirigidas à produção de plásticos aos seus aditivos, ao desenho dos produtos de modo a promover a sua circularidade e sustentabilidade, e à melhoria da gestão de resíduos tendo em vista a reciclagem que actualmente se cifra em apenas 9%. Trata-se sem dúvida de uma meta ambiciosa para a qual todos temos de contribuir.