Encontradas quatro novas espécies de moscas em Portugal
Espécies de moscas agora descobertas têm menos de dois milímetros e podem ser encontradas desde Vila Nova de Gaia até ao Algarve.
É preciso ter um olho bem apurado para ver as novas espécies de moscas descobertas em Portugal. A Empidideicus blascoi, a Empidideicus carrapateira, a Empidideicus inesae e a Empidideicus pallidifacies têm menos de dois milímetros. É possível agora reconhecer a sua existência graças ao trabalho de uma equipa internacional, que inclui a participação dos portugueses Jorge Almeida e Rui Andrade.
Todos os anos, em alguns fins-de-semana, Jorge Almeida e Rui Andrade vão ao campo recolher amostras de insectos. O último fim-de-semana não foi excepção. “Vamos ao máximo de pontos possíveis, mas mais particularmente ao norte e ao centro do país”, diz ao PÚBLICO Jorge Almeida, que é entomologista amador. Rui Andrade é trabalhador independente da área da entomologia.
Nessas saídas de campo, vão sempre preparados com uma rede e com frascos, para conseguirem capturar de forma manual insectos. Rui Andrade vai ainda com outro método debaixo da manga: as armadilhas pan-traps – pratos coloridos com alguma água misturada com detergente para baixar a tensão superficial da água, para que a captura possa ser mais fácil.
Foi assim que os dois entomologistas portugueses têm vindo a encontrar novas espécies de moscas em Portugal. As quatro novas espécies descritas este ano num artigo científico na revista Bishop Museum Occasional Papers fazem parte de uma já longa busca de Jorge Almeida e Rui Andrade pela família destas moscas – a Mythicomyiidae – em Portugal.
Em 2002, numa revisão científica de Espanha, Portugal e Andorra não havia uma única espécie desta família em Portugal. Só em 2008, os dois entomologistas começaram a encontrar exemplares desta família no país.
A identificação das espécies desta família tem tido a ajuda de Neal Evenhuis, entomologista do Centro para a Investigação em Entomologia J. Linsley Gressitt, do Museu Bishop, no Havai. Foi mesmo com o contributo de Neal Evenhuis que se identificou a primeira espécie e se fez uma publicação científica sobre a descoberta.
A partir daí, tem-se mantido uma colaboração que chega aos dias de hoje, com a descoberta de quatro novas espécies de moscas em Portugal. “Após esta publicação [da primeira espécie], continuamos o trabalho de prospecção e fomos notando que estávamos a encontrar várias espécies diferentes devido a diferenças óbvias na morfologia e coloração”, conta Jorge Almeida.
Quem são elas?
As novas espécies têm todas menos de dois milímetros. São todas pequenas, mas todas diferentes e é a coloração que as distingue. A Empidideicus carrapateira diferencia-se pela sua coloração preta. A sua parte posterior do tórax, que tem uma forma de triângulo mais conhecida como “escutelo”), é completamente preta. Até hoje, só foi encontrada na Carrapateira, no concelho de Aljezur. “Se se provar, mais tarde – dentro de anos –, que só existe aí é um grande mistério. É endémica”, nota Jorge Almeida. O nome é uma homenagem ao local onde foi encontrada.
Já a Empidideicus inesae é reconhecida pelo amarelo. A região occipital da sua cabeça tem partes amareladas. Também a parte anterior ao escutelo é amarelada. Tal como a Empidideicus carrapateira, só foi observada na Carrapateira. O nome desta mosca é um tributo à filha de Jorge Almeida, Inês, que comemora este ano 20 anos.
Falando em amarelo, a Empidideicus blascoi também tem a zona anterior e o escutelo amarelos. Já foi vista em São Bartolomeu de Messines (em Silves), Leomil (Moimenta da Beira), Mértola e Carrapateira. Não está apenas presente em Portugal, podendo ser encontrada em Espanha e Marrocos. O nome desta espécie é um agradecimento a Javier Blasco-Zumeta, que vive perto de Saragoça e enviou imensos exemplares a Neal Evenhuis.
Por fim, a Empidideicus pallidifacies distingue-se por ter uma “face” pálida. Aliás, o seu nome vem precisamente dessa característica – facies, de face; e pallidi, de pálido. Pode ser encontrada na Torreira (no concelho da Murtosa), na zona de Vila Nova de Gaia e na Apúlia (Esposende).
Estas novas espécies trazem-nos novos conhecimentos, mas Jorge Almeida diz que ainda há muito para aprender sobre as moscas em Portugal. “Há muito para conhecer sobre a distribuição biogeográfica do género Empidideicus, mas os recursos são parcos, tanto em pessoas que saibam identificar insectos desta família como recursos de tempo e financiamento”, assinala.
O entomologista não tem dúvidas da importância do conhecimento agora alcançado. “Há demasiadas lacunas no universo das moscas em Portugal”, realça. “Temos uma quase inexistente massa crítica de entomólogos virados para a taxonomia, que é insuficiente para conhecer o que existe em Portugal.”
Jorge Almeida refere que há hoje à volta de 3200 espécies de moscas descritas em Portugal e especula que pode ser possível que mais de metade esteja ainda por conhecer. As grandes ameaças a estes insectos (e outros) são a agricultura intensiva, as alterações climáticas e a destruição do seu habitat. Por tudo isso, nota: “Apesar de tudo isto, é óbvio que nos deixa orgulhosos saber que Portugal esconde jóias espectaculares à espera de serem apreciadas.”