Calor a partir de quinta-feira pode elevar termómetros até aos 43 graus

Temperaturas aumentam e podem ultrapassar os 42 graus nalguns pontos do país. “Vamos entrar num período de tempo quente, que não tem propriamente fim à vista”, avisa meteorologista.

Foto
Onda de calor que vem aí deverá ser um pouco mais forte daquela que foi registada em Julho de 2022 Nuno Alexandre
Ouça este artigo
--:--
--:--

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O Verão começa esta quarta-feira e, com ele, vem o anúncio de uma subida acentuada das temperaturas, sobretudo a sul do vale do rio Tejo. O calor aumenta a partir de quinta-feira, podendo ultrapassar os 42 graus Celsius em algumas estações meteorológicas. E, quem sabe, tocar no patamar dos 43 graus Celsius. Não são esperados, contudo, recordes de temperatura.

“Esta onda de calor não tem nada de anormal. Se olharmos para o boletim de 2022, veremos que houve uma onda de calor em Junho, mais cedo do que agora, e que ultrapassámos os 40 graus Celsius. Este ano, estamos à espera de, nalguns sítios, chegar aos 42 e possivelmente até aos 43 graus. É uma onda um pouco mais forte, mas não é excepcional como foi a de Julho de 2022 – essa, sim, foi excepcional. Não estamos à espera de que sejam batidos recordes de temperatura”, afirma ao PÚBLICO Nuno Lopes, responsável pela área técnica de previsão meteorológica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

A subida dos termómetros deve-se a uma crista anticiclónica entre o golfo da Biscaia e o arquipélago da Madeira, que consiste numa região de alta pressão à volta da qual o vento circula. Este rodopiar no sentido do ponteiro dos relógios traz, por sua vez, em altitude, uma massa de ar quente vinda do Norte de África. Resultados práticos: preparem-se para um período de tempo quente, seco e estável.

Vamos entrar num período de tempo quente, que não tem propriamente fim à vista, com especial incidência da zona do vale do Tejo para Sul”, avisa Nuno Lopes. Sobem sobretudo as temperaturas máximas, mas também as mínimas. Esperam-se temperaturas acima dos 30 graus Celsius no território nacional, à excepção de alguns segmentos da costa ocidental, “e valores entre os 35 e 40 graus Celsius no interior. Na região Sul, os termómetros devem ultrapassar a fasquia dos 40 graus Celsius.

A partir do dia 23 de Junho, sexta-feira, devem ser emitidos avisos amarelos de tempo quente. Nessa ocasião, apenas o litoral da zona Norte, e eventualmente a costa da zona Centro, não estarão sob advertência. “Este aviso amarelo na zona Sul parece que vai durar muitos dias, podendo durar até dia 29 de Junho. Mas há aqui alguma incerteza”, afirma Nuno Lopes ao PÚBLICO numa videochamada.

Onda de calor não se deve ao El Niño

Nuno Lopes frisa que “não faz sentido” a associação entre o fenómeno climático El Niño e o calor que vem aí. “O El Niño foi declarado há duas semanas, ocorre do outro lado do globo e tem uma influência lenta, vai influenciar todo o território próximo do Pacífico Leste. A relação com os acontecimentos com a Europa é muito mais difícil de extrapolar”, explica o meteorologista do IPMA.

A longa relação que as pessoas construíram com os serviços meteorológicos parece ter-se tornado ainda mais imediata com a popularização dos telemóveis. Com um simples deslizar dos dedos no ecrã, ficamos a saber qual é a previsão do tempo ao longo de toda a semana, incluindo valores estimados de temperaturas máximas e mínimas. Contudo, quando falamos do El Niño, e no possível impacto nas temperaturas da Europa, torna-se mais complicado oferecer previsões exactas. O que se faz é verificar os dados dos anos anteriores.

“Não é uma previsão, mas olhar para o que aconteceu no passado. É expectável que se possa repetir no futuro, mas também pode não ser bem assim. O problema é que os cidadãos se habituaram a uma previsão muito assertiva, a ter valores específicos para temperatura, humidade e vento, e ficam com a expectativa de que a médio ou longo prazo se possa fazer o mesmo. Mas não se pode. A partir dos 15 dias, as previsões são feitas com base estatística, não se consegue dar valores – só tendências”, explica o responsável do IPMA.

Foto
Previsões metereológicas muito fiáveis são feitas numa janela temporal inferior a duas semanas SayDung/DR

Assim, da mesma forma que não é possível dizer com exactidão qual será a temperatura e a humidade relativa do ar no dia 30 de Agosto, também é pouco fiável prever a ocorrência de ondas de calor ao longo do mês de Julho. “A muitos dias de antecedência, é muito difícil. Há um limite teórico. Para além de 15 dias, só encontramos informação estatística. Uma previsão, para ter qualidade, é até duas semanas”, refere o meteorologista.

Vale a pena ainda recordar que uma onda de calor só é declarada oficialmente pelo IPMA quando, no período de pelo menos seis dias seguidos, a temperatura máxima está cinco graus Celsius acima da temperatura média de uma determinada estação, numa dada época do ano.

“Podemos prever uma onda de calor, mas temos de estar próximos de uma janela de dez dias. Há muitas estações a indicar que possivelmente haverá uma onda de calor. Mas uma onda de calor é algo que é observado, não é previsto. Temos uma certeza elevada de que na zona Sul haverá uma onda de calor. A norte do Vale do Tejo é possível, mas queremos esperar mais um pouco para ter um grau maior de certeza”, diz o meteorologista.

Após um Junho “simpático”, vêm os incêndios?

Após três semanas de um Junho comedido em termos de calor, chegamos ao fim do mês com uma subida acentuada das temperaturas que agrava o perigo de incêndio rural.

“Este ano tem sido um Junho ameno, com alguma precipitação e índices de perigo de incêndio moderados. No ano passado, havia níveis muito mais elevados. Esta onda de calor vai fazer subir esse índice, mas, ainda assim, tudo mais calmo do que estava no ano passado, porque estamos a beneficiar de um mês de Junho mais simpático”, diz Nuno Lopes.

O comunicado mais recente do IPMA refere que “estas condições meteorológicas, associadas a valores baixos de humidade relativa do ar”, fazem com que diferentes concelhos do interior das regiões Norte e Centro, bem como na região Sul, sejam “classificados com valores de perigo de incêndio máximo ou muito elevado, com restrição ao uso do fogo e das actividades permitidas em meio rural”.

Como se proteger dos golpes de calor

Os golpes de calor podem ser mortais e afectam sobretudo grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos, grávidas e pessoas com doenças crónicas. O médico internista Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), recorda ainda o risco da prática de exercício físico ao ar livre nos dias de calor extremo. Esta terça-feira, por exemplo, um recruta entrou em coma induzido após sofrer golpe de calor durante uma corrida de quilómetros no âmbito do Curso de Comandos.

“É preciso ter a noção de que as consequências dos golpes de calor podem ser lentas, e que podem não ser facilmente percebidas. Os indivíduos que pertencem aos grupos de risco devem estar acompanhados por pessoas que sejam capazes de reconhecer alterações como, por exemplo, o início de uma certa falta de ar ou a frequência cardíaca acelerada”, recomenda Luís Campos, presidente do CPSA, uma entidade que reúne 61 organizações da área da saúde empenhadas não só em mitigar o impacte das alterações climáticas na saúde humana, mas também reduzir a pegada ecológica neste sector.

Perante uma criança, idoso, grávida ou uma pessoa com doenças crónica que comece a apresentar sinais como fraqueza, discurso lento, irritação, descoordenação, alterações de comportamento, períodos de delírio, é preciso agir. “Nestas situações, o acompanhante deve imediatamente procurar uma urgência hospitalar.”

Entre as recomendações da Direcção-Geral da Saúde estão o aumento da ingestão de água, a escolha de um local fresco, a limitação da exposição directa ao sol entre as 11h e as 17h, o uso de acessórios como chapéu e óculos com protecção contra radiação solar, o uso de roupa larga e fresca (de preferência de fibras naturais como o algodão) e a ingestão de refeições leves.

Nuno Lopes recorda que, nesta onde de calor, haverá as chamadas noites tropicais. “Quando há muito calor durante o dia, as pessoas podem geralmente restabelecer algum equilíbrio à noite – mas agora poderá estar também calor à noite, e a população idosa terá de ter alguma atenção, sobretudo na zona Sul do país”, alerta o meteorologista.

Uma publicação da Organização Mundial de Saúde sobre os riscos das ondas de calor, que integra uma série dedicada à saúde global em temos de crise climática, indica outros factores de risco quando o termómetro dispara. Além da idade e da desidratação, aspectos como o sobrepeso, a privação de sono, o abuso de álcool, problemas intestinais, a fadiga excessiva e o exercício intenso também podem deixar o organismo mais exposto a doenças provocadas pelo calor.

Há ainda medicamentos que interferem com o sistema de regulação da temperatura. É o caso de fenotiazinas, por exemplo, um composto orgânico que está presente em muitas drogas anti-histamínicas e antipsicóticas.

Um estudo da revista científica Science, publicado este ano, revela que pessoas com esquizofrenia estão em grande risco durante ondas de calor. Os cientistas verificaram que as pessoas com questões de saúde mental pareciam ter um risco elevado de morte relacionada com o calor. E concluíram que as pessoas com esquizofrenia apresentavam um risco particularmente grave — um aumento de 200% em comparação com Verões menos quentes.