Clima: de boas intenções está o sector empresarial cheio, mas faltam planos credíveis
Relatório confirma que, apesar das boas intenções, apenas 5% das empresas europeias tem um plano de transição credível. Portugal segue ao mesmo ritmo da Europa. Mas isso chega?
Mais de metade das grandes empresas europeias afirma ter objectivos alinhados com a meta de redução de emissões de gases com efeito de estufa, mas um olhar mais apurado mostra que apenas cerca de 5% têm um plano de transição verdadeiramente avançado - que é como quem diz, credível. São estes os resultados do relatório da CDP Europa 2022, que analisou os planos de transição climática de cerca de 1500 grandes empresas europeias.
Em Portugal, a amostra é mais pequena - apenas 18 grandes empresas reportaram à CDP -, mas a percentagem é mais robusta: cerca de 70% das empresas portuguesas afirmam ter estratégias de transição climática alinhadas com a meta de 1,5 graus Celsius de aquecimento global, segundo os objectivos definidos no Acordo de Paris. Contudo, apenas uma empresa (6%) apresentou um plano de transição considerado avançado de acordo com os critérios da CDP, organização sem fins lucrativos anteriormente chamada “Carbon Disclosure Project”, que tem ampliado o âmbito das suas análises aos compromissos empresariais para além das emissões de carbono.
Pepa Chiarri, directora executiva para a área de Clima e Sustentabilidade da consultora OliverWyman, que colaborou com a CDP na elaboração deste relatório, sublinhou que “os planos de transição das empresas são uma realidade relativamente nova”, em que as empresas têm muito caminho para trilhar. E há uma realidade mais ou menos transversal: falta à maioria dos planos de transição “elementos concretos para assegurar que os planos são alcançáveis e podem ser medidos”, descreve a analista Joana Freixa, da OliverWyman Portugal, numa conferência de imprensa sobre os dados das empresas portuguesas.
De uma maneira geral, o país está em linha com o que está a acontecer na Europa: “não há nenhuma dimensão onde Portugal está muito atrás ou muito à frente”, descreve a analista. Ou seja, a nós como ao resto do continente, falta assegurar que os planos têm objectivos específicos e “encaixar a estratégia de transição na estratégia de crescimento de negócio”, traduzindo os planos em linhas de acção concretas.
A consultora esclarece que os dados sobre Portugal se baseiam em empresas representativas do sector empresarial nacional, com um grupo composto por “grandes empresas em Portugal”, líderes nos respectivos sectores. Entre o top de empresas europeias apresentadas no relatório europeu surgem três portuguesas - a EDP, a NOS e a Navigator -, mas poucos pormenores são dados sobre os pontos em que estas mais se destacam.
Muita parra, pouca uva?
Uma das questões em que Portugal se destaca é na presença de especialistas em matéria de clima nos conselhos de administração das grandes empresas. Aliás, 72% das empresas inquiridas integram indicadores ambientais na remuneração de executivos séniores. É claro que este copo meio cheio também pode ser visto como meio vazio: se estes indicadores se referem a objectivos que, como diz o relatório, não são muito robustos ou credíveis, o que pode estar a acontecer é que estes prémios estão a ser atribuídos, em muitos casos, com base em promessas vazias.
De acordo com os dados da CDP, a esmagadora maioria (93%) das empresas portuguesas que responderam ao inquérito participam em iniciativas de redução de emissões, e há mesmo 80% que oferecem “produtos e serviços com baixas emissões de CO2”. Há, contudo, diferenças significativas entre sectores: a nível europeu, enquanto mais de 90% das empresas de electricidade oferecem “energia com baixas emissões de CO2”, apenas 40% dos produtores de alimentos, bebidas e tabaco o fazem.
Há também dificuldades em traduzir as promessas em acções concretas, com indicadores sobre os resultados: apenas 33% das empresas portuguesas (26% das europeias) são capazes de verdadeiramente avaliar o alinhamento dos seus gastos e receitas com os planos de descarbonização.
Um terço das empresas portuguesas (em linha com a média europeia) já definiu objectivos abaixo dos 2ºC para o chamado Scope 3 - ou seja, as emissões indirectas, relacionadas com a sua cadeia de valor ou com as emissões no consumo dos seus produtos -, mas ainda falta pô-los em prática.
A nível europeu, 73% das empresas afirmam colaborar de forma “holística” com a cadeia de valor, mas apenas 39% integram, de facto, cláusulas com compromissos climáticos nos contratos com fornecedores. Em Portugal, já bate mais a bota com a perdigota: apenas 57% das empresas afirmam colaborar com a sua cadeira de valor, mas são 50% as que traduzem esse compromisso nos contratos assinados.
Existem, como se viu, sectores mais avançados do que outros: as empresas de electricidade, por exemplo, têm um “grau de maturidade” nas medidas propostas superior a sectores como o petróleo e gás, alimentação ou metais e mineração. Isto deve-se, descreve o relatório, a uma maior centralidade da questão climática entre os desafios do sector, com mais apoio financeiro ao desenvolvimento e uma maior oferta de tecnologia testada e utilizada em escala, assim como ao empurrãozinho de políticas públicas, que têm ajudado a acelerar a adopção de energias renováveis e, no fundo, obrigado alguns sectores a conterem as suas emissões.
O motor do sector bancário
O relatório da CDP nota que um dos grandes motores da mudança pode ser o sector bancário - afinal, no caminho para a neutralidade carbónica, as empresas com excesso de emissões estão em risco de se tornarem obsoletas (pelo menos em teoria), pelo que os bancos podem e devem reflectir esse risco na negociação de financiamento.
A analista Joana Freixa descreve que, à medida que os indicadores para a transição climática se tornam obrigatórios para as empresas, os bancos terão um papel fulcral para “acompanhar empresas que têm progressos menos avançados no que toca à transição energética”, estando já a investir em “equipas de sustentabilidade”.
Muitos bancos têm assumido compromissos com a transição energética, incluindo a aliança internacional Net-Zero Banking Alliance, com o propósito de alinhar os seus portefólios de empréstimos e de investimento com o objectivo de neutralidade carbónica até 2050. A Caixa Geral de Depósitos é o único banco português inserido na aliança, mas não comunicou, até agora, os indicadores escolhidos para apoiar essa transição; há, contudo, uma série de bancos europeus que actuam em Portugal e que têm planos de transição, como o Santander, BBVA, BNP Paribas ou o grupo Caixabank.
Por fim, além das emissões de gases com efeito de estufa, há também outros critérios que se espera que entrem nas preocupações das empresas, como a protecção da água, das florestas e da natureza em geral. Em Portugal, entre as 18 empresas que reportaram à CDP, apenas cinco tinham planos dedicados a políticas florestais, e cinco tinham planos relacionados com a água.
No entanto, também aí é preciso olhar com atenção: entre as 311 empresas europeias que reportaram planos de segurança hídrica, apenas 21% tinham adoptado uma política de melhores práticas; entre as 182 empresas que assumiram compromissos de conservação florestal, apenas 29% tinham compromissos de desflorestação zero - uma percentagem europeia que, apesar de tudo, ainda está melhor do que a percentagem global (14%).
No fundo, explica a analista Joana Freixa, o factor-chave para a verdadeira transformação do sector empresarial rumo a um futuro de neutralidade carbónica é “assegurar que internamente existe uma cultura e uma visão comum” em prol do ambiente. É isso que é esperado, pelo menos, das empresas líderes de mercado. Resta saber se o compromisso actual será suficiente para cumprir o Acordo de Paris.