Para dar sentido aos acontecimentos sem precedentes de 6 de Janeiro de 2021, Vitus “V” Spehar fez o que nenhum jornalista tradicional faria — rastejou para debaixo de uma secretária e começou a gravar um vídeo para o TikTok.
Como outros que assistiram à invasão do Capitólio, nos EUA, pela televisão, Spehar, que usa pronomes neutros, sentiu que precisava de falar sobre isso. Contudo, “não queria fazer as pessoas pensarem que era um especialista”, refere Spehar, que filmou o vídeo em casa, em Rochester, Nova Iorque. “Por isso, pensei: há um sítio seguro para ter uma conversa?”
Dois anos mais tarde, a conta de TikTok Under the Desk News (Notícias debaixo da secretária, numa tradução literal), atrai perto de três milhões de seguidores, que apreciam a forma gentil de Spehar contar as notícias do dia. O canal evita histórias de crime, focando-se em temas que podem levar as pessoas a entrar em acção. Spehar tenta terminar todos os vídeos numa nota leve.
Desde o aumento da popularidade da app de vídeos curtos, no início da pandemia, pessoas como Spehar entraram na plataforma para discutir, documentar e partilhar o que está a acontecer no mundo. Muitos dizem ser criadores ou influencers. Não ambicionam ser jornalistas tradicionais.
O que une estes criadores é o desejo de falar sobre o mundo de forma autêntica. Isso ressoou em milhões de jovens seguidores, a evasiva mas altamente procurada próxima geração de consumidores de media, que é altamente improvável de ver notícias ou ler um jornal.
Estes novos criadores estão a tentar criar uma nova narrativa para o jornalismo, numa altura em que o sector está em declínio e a precisar de reinvenção. Em vez de regurgitar um resumo dos títulos do dia, alguns escolhem conectar-se directamente com a audiência na secção de comentários dos vídeos, e outros usam os seus pontos de vista como um emblema.
Josh Helfgott, um utilizador do TikTok com 5,5 milhões de seguidores, publica uma série de vídeos chamados Gay News, onde discute temas relevantes para espectadores LGBTQ. A sua inspiração para a conta é o seu eu de 13 anos, que se sentia isolado enquanto crescia como um adolescente gay.
“Quero inspirar as pessoas ou fazê-las sentir-se menos sozinhas”, diz Helfgott.
Os seus novos vídeos, que normalmente têm mais de um milhão de visualizações, cobriram temas como Joe Biden a ser anfitrião de uma celebração do Pride na Casa Branca, até à Human Rights Campaign a declarar estado de emergência para os cidadãos americanos LGBTQ.
“Há muito poucas histórias centradas nas questões LGBTQ que são ouvidas pela generalidade da sociedade”, afirma Helfgott.
Lutar contra os sentimentos de desamparo e solidão tem inspirado outros canais. Kristy Drutman lançou um canal com foco na crise climática, chamado Brown Green Girl e diz que começou a publicar conteúdo no TikTok e Instagram porque as pessoas negras raramente são representadas em discussões sobre o ambiente.
“Tento acompanhar as notícias sobre o ambiente e as notícias que possam dar esperança às pessoas”, refere. “Penso em soluções.”
Um dos seus vídeos explica como as pessoas podem ter benefícios fiscais tornando as suas casas mais eficientes a nível energético, enquanto outro mostrava um relatório internacional que reportava que não era demasiado tarde para os países lutarem contra o aquecimento global.
Onde está o dinheiro?
Os media tradicionais estão numa crise profunda. Salvo algumas excepções, como o New York Times, que tem visto a sua receita com subscrições aumentar, há mais histórias de terror que mostram audiências estagnadas e um declínio de leitores. Só este ano, mais de 1900 postos de trabalho foram eliminados na indústria americana de notícias, ultrapassando assim os 1808 de 2022, de acordo com um relatório da empresa Challeenger, Gray & Christmas. Os sites de notícias mais populares da era das redes sociais, como o BuzzFeed e a Vice, morreram ou estão a passar dificuldades.
Enquanto isso, o TikTok é a plataforma para notícias que mais cresce, de acordo com um relatório do Reuters Institute for the Study of Journalism, publicado esta terça-feira. 20% dos jovens entre os 18 e os 24 anos usam o TikTok para ficarem a par do que está a acontecer, mais cinco pontos percentuais em relação ao ano passado, mostra o relatório.
Lisa Remillard, uma veterana com 20 anos de experiência em jornalismo, que já foi pivô em Tallahassee, Florida e San Diego, California, espera que este crescimento se transforme num novo modelo que pode ajudar jornalistas independentes a ganhar a vida no TikTok e noutras plataformas.
Remillard fundou a BeondTV, uma empresa de media de entretenimento e lifestyle.
Desde 2020, também foi uma espécie de redacção de uma pessoa, filmando vídeos para os seus 2,5 milhões de seguidores, a falar sobre as principais notícias de cada dia, como a possibilidade de o TikTok ser banido dos Estados Unidos.
“Nos meus mais secretos e obscuros sonhos e esperanças, espero que isso possa ser o resultado de todo este trabalho árduo”, diz, expressando a sua esperança para novos modelos de negócios para jornalistas independentes.
À medida que o Under the Desk News começou a arrancar, o Los Angeles Times contratou-o por seis meses para ser a cara da sua conta de TikTok. O benefício foi mútuo: Spehar aprendeu como se faz jornalismo, e o jornal beneficiou das aptidões de Spehar.
O conselho de Spehar para os jornalistas: cria uma base de seguidores que pague pelas tuas reportagens ou subscrição em plataformas como o Substack, onde alguns escritores conseguiram construir carreiras lucrativas.
“Escolhe o mundo que queres mostrar às pessoas e diz-lhes exactamente que histórias contas.”