Maria (nome fictício) está na praia com duas amigas e confessa que passou mal na pandemia. Não ficou doente, a covid-19 passou-lhe ao lado, mas acabara de entrar no ensino superior e foi todo um mundo novo — professores e colegas do outro lado do ecrã. Como estudar? Como escolher os grupos de trabalho? Como fazer novas amizades? Uma dor de cabeça, um desespero. "A minha saúde mental... Acho que deprimi..."

Estar em casa com pais com os quais não se identificava também não ajudou e, pouco a pouco, a felicidade dos outros, das amigas e da família mais alargada, começou a irritá-la, admite. Quem a irritava mais era a prima, um ano ou dois anos mais velha, presa em casa como o resto do mundo, mas com rotinas que lhe pareciam felizes, "demasiado felizes". A prima estava a candidatar-se a um mestrado no estrangeiro, ao qual concorreram mais de 300 pessoas, e foi escolhida. "O seu drama, imaginem...", desdenha, "era se o namorado ia com ela ou não."

Maria não aguentou. A sua vida era nada quando comparada com a da prima. Não era apenas inveja, era frustração, fazia-lhe mal assistir àquilo tudo, diz. Primeiro deixou de atender os telefonemas da prima, depois as mensagens, por fim, cancelou-a da conta de Instagram. "Ela irritava-me!" Mas as histórias da prima apareciam-lhe no topo da página daquela rede social, houve um dia que não resistiu e viu uma story, estava a prima de top e leggings, "tão gira", a fazer um treino de fitness frente ao ecrã do smartphone. Foi quando decidiu criar uma nova conta e não convidar a prima a segui-la.

As quarentenas acabaram, a pandemia parece que nunca aconteceu, a prima foi para o estrangeiro, o namorado ficou em Lisboa, e deixou de aparecer nos almoços de família, ao domingo. Até que o dia de regresso chegou e lá estava a prima em casa da avó — "estava ainda mais gira do que antes..." Maria cumprimentou-a e, depois disso, não voltou a olhar para a prima. Aquela falava, ria-se, dirigia-se-lhe directamente e Maria respondia-lhe olhando para o ar ou para o prato. "Eu sei que parece estúpido, mas foi a minha maneira de a cancelar", ri-se. As amigas riem com ela. "Sim, 'miga, se a tua saúde mental não está bem, é o melhor que tens a fazer... Não olhes, ignora", conforta uma delas.

E, de repente, estamos a viver a nossa vida como se vive nas redes sociais. Não gosto do que diz x, cancelo. Não gosto de ver y, cancelo. Não gosto de ler z, cancelo. E só ouço, vejo e leio o que quero, as coisas com as quais me identifico, fechando-me e isolando-me na minha bolha. Não contentes por já não conseguirmos falar com normalidade sobre os temas, agora também poderemos ser cancelados, ao vivo e a cores, pensei.

Há pais que começam a estar atentos aos malefícios que os smartphones e as redes sociais trouxeram. Corre uma petição, que não chegou ainda aos 17 mil subscritores, que alerta para isso mesmo e que pede para que os telefones fiquem à porta da escola. Recentemente, a Dove fez um inquérito em oito países, Portugal incluído, a jovens (dos 10 aos 17 anoos) e a pais, que concluiu que nove em cada dez jovens aderiram às redes sociais com 13 anos e mais de metade admite que a vida social e a vida real estão intimamente interligadas. Por cá, a maioria (86%) admite estar viciado e prefere comunicar através das redes do que ao vivo.

Um outro estudo, feito nos EUA, Austrália, Espanha e Reino Unido, concluiu que os menores passam "agarrados" aos ecrãs, fora da sala de aula, cerca de quatro horas por dia, o equivalente a dois meses por ano, dando preferência a redes sociais como o TikTok sobre aplicações de comunicação como o WhatsApp.

As consequências não são felizes. Diz Margarida Marrucho Mota Amador: "Alguns alunos são completamente dependentes dos smartphones com interferência séria no seu desenvolvimento social, emocional, psicológico, psiquiátrico e rendimento escolar."

Em Maio, Kate Winslet venceu o seu quarto BAFTA (o equivalente britânico ao Óscar) e aproveitou o momento para voltar a alertar contra os efeitos nocivos das redes sociais nos mais jovens. Também Vivek H. Murthy, o cirurgião-geral dos EUA (que é o principal porta-voz para as questões de saúde pública no governo federal norte-americano), defende que é preciso ensinar as crianças a construir relações saudáveis; falar mais com familiares, amigos e colegas de trabalho; e passar menos tempo online e nas redes sociais — naquele país o tempo passado com os amigos diminuiu 20 horas por mês entre 2003 e 2020, enquanto o tempo passado sozinho aumentou 24 horas por mês no mesmo período.

Os sinais estão todos aí, assim como os avisos e as recomendações. Vamos ter coragem para dizer não aos telefones, para impor limites ao seu uso, para fazer propostas diferentes às nossas crianças e jovens. Mais tempo para conversarmos, ouvirmos as suas perguntas, para fazer actividades ao ar livre, para que no almoço de domingo não estejamos todos de smartphone na mão ou a olhar para o ar quando respondemos aos elementos da família de que gostamos menos.

Boa semana!