Delegação africana foi a Moscovo pedir paz, mas apenas ouviu a narrativa de Putin

Presidente sul-africano alertou para o impacto negativo da guerra sobre o continente africano. Putin disse-lhe que a culpa é do Ocidente.

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Cyril Ramaphosa foi um dos líderes africanos recebidos por Putin em São Petersburgo EPA/EVGENY BYATOV/HOST PHOTO AGENCY/RIA NOVOSTI/SPUTNIK HANDOUT
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Sem muitas surpresas, a visita da delegação de líderes africanos à Rússia para tentar mediar algum tipo de solução política para a guerra na Ucrânia esteve longe de lograr qualquer sucesso.

O Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, entregou ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, um documento com dez medidas de “construção de confiança” para que seja aberta uma janela de negociações que ponha fim ao conflito. “Esta guerra tem de ter um fim”, afirmou o chefe de Estado sul-africano, repetindo a mesma mensagem ao longo da sua intervenção.

“Deve ser resolvida através de negociações e meios diplomáticos”, disse Ramaphosa, num discurso em São Petersburgo no sábado, em que também sublinhou os efeitos do conflito em África. “Esta guerra tem tido um impacto negativo no continente africano e, de facto, em muitos outros países em todo o mundo.”

Por envolver dois dos maiores produtores de cereais do planeta, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia tem surtido efeitos nefastos sobre a cadeia de abastecimento a nível mundial, criando um aumento generalizado de preços.

Ramaphosa disse ainda que as duas partes do conflito devem organizar trocas de prisioneiros de guerra e pediu à Rússia que devolva às famílias as crianças ucranianas retiradas dos territórios ocupados.

Foi neste momento, segundo a BBC, que Putin, que assistia à intervenção do Presidente sul-africano, decidiu interromper o convidado para oferecer a versão do Kremlin. “As crianças são sagradas, nós tirámo-las de zonas de conflito, salvando as suas vidas e a sua saúde”, afirmou Putin. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em Março um mandado de captura internacional em nome do Presidente russo por considerar que as crianças ucranianas que têm sido levadas para a Rússia desde o início da invasão estão a ser raptadas.

Apesar de considerar que as propostas dos líderes africanos são equilibradas, Putin repetiu várias das suas posições que responsabilizam a Ucrânia e o Ocidente pela escalada do conflito e acusou Kiev de bloquear qualquer tentativa de negociações. O líder russo defende que qualquer iniciativa de paz deve contemplar as “novas realidades” territoriais, ou seja, um acordo terá sempre de legitimar as ocupações de território ucraniano pela Rússia – algo que Kiev rejeita.

Putin também culpou os países ocidentais pela subida dos preços dos produtos agrícolas, dizendo que apenas 3% dos cereais que conseguiram ser exportados graças ao acordo que permite a sua passagem segura pelo Mar Negro foram enviados para os países mais pobres. A renovação deste acordo está em risco, com Moscovo a ameaçar não assinar um novo prolongamento por causa das sanções económicas impostas pelos aliados da Ucrânia.

Para além da África do Sul, a delegação africana inclui elementos do Egipto, Senegal, República do Congo, Comores, Zâmbia e Uganda. Na véspera, os líderes africanos tinham estado em Kiev onde se encontraram com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que lhes disse que a retirada das tropas russas do país era uma condição indispensável para que fossem iniciadas as negociações de paz.

Durante a estadia da delegação africana em Kiev, a capital ucraniana foi alvo de bombardeamentos.

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