Emprego científico: FCT-Tenure!? Alguém que me segure…

A ministra do transístor em papel fez o papel de um interruptor e apagou-se. Não esclarece, não reúne, não discute, não negoceia.

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“E é preciso ter presente que não há coisa mais difícil de empreender [...] do que tomar a iniciativa de introduzir novos ordenamentos. Porque quem o fizer terá por inimigos todos aqueles que beneficiavam com a antiga ordem [...].”
Maquiavel, in O Príncipe

A ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, propôs substituir o concurso CEEC-institucional [Concurso de Estímulo ao Emprego Científico] da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) — concurso para financiar contratos a prazo de seis anos, a modalidade mais utilizada, ou os primeiros seis anos de contratos para a carreira de investigação, ou os seis primeiros anos nas carreiras docentes a 50% — pelo concurso FCT-Tenure, destinado a financiar exclusivamente contratos para as carreiras, mas apenas a 50% e só durante três anos. Ou seja, é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.

As instituições de ensino superior não têm aberto concursos para docentes à medida que outros se aposentam. Escolheram sobrecarregar os que ainda têm, recorrer abusivamente a professores convidados — que lecionam muito mais recebendo muitíssimo menos — e “convidar” todos os investigadores a prazo a lecionar várias cadeiras gratuitamente. Fizeram-no esperando este momento e podemos até ler os seus pensamentos: “Se há que contratá-los para as carreiras, então que seja para as carreiras docentes, pois os investigadores querem-se precarizados e em alta rotatividade.”

E a ministra ainda ajuda, retirando do financiamento para a investigação um subsídio à contratação de docentes que deveria ser feita através do financiamento direto às instituições. Desta paupérrima proposta, oficialmente, nada mais se sabe. Nada. Ao ver a grande manifestação de 16 de maio, a ministra do transístor em papel fez o papel de um interruptor e apagou-se. Não esclarece, não reúne, não discute, não negoceia.

Mas não é só à tutela que falta lisura. Outros engodos se servem com uma no cravo e outra na ferradura. Não deixando de pôr a nu muitas verdades, os mesmos que no passado defenderam a contratação dos investigadores por bem menos que o valor das suas bolsas vêm agora também defender a contratação de técnicos doutorados para o sistema científico, aos quais seria generosamente poupado o fardo da liberdade de investigação, e a inclusão da categoria de investigador júnior na carreira de investigação — investigador júnior que mais não é do que o novo nome de uma bolsa de pós-doutoramento transformada em contrato a termo. Munidos de um risível e velho inquérito, onde perguntaram a investigadores se preferiam morrer à fome ou ter alguma coisinha para comer, surpreenderam-se com a escolha da segunda, concluindo que o trabalho a troco de pão e água era boa coisa a defender.

Batem palmas os reitores, presidentes e diretores, sabendo que depressa virá a defesa da categoria de professor júnior. Depois, quem sabe, virá o professor/investigador juvenil, com salário mínimo, e o professor/investigador infantil, que pagará para trabalhar até conseguir, se merecer muito e não se julgar alguém, chegar a juvenil, por 760 mil-réis e um vintém.

A lei de graus e diplomas é clara ao dizer que “o grau de doutor é conferido aos que demonstrem [...] capacidade para conceber, projetar, adaptar e realizar uma investigação significativa respeitando as exigências impostas pelos padrões de qualidade e integridade académicas [...]”. O argumento por uma carreira de apoio à investigação não é para se poder empregar doutorados pagando-lhes menos, é para se empregar e valorizar um corpo técnico especializado ao qual as carreiras gerais não se adequam.

Maquiavel, se aqui caísse, não mudaria muito a alegoria. Todos quantos beneficiaram com a antiga ordem das coisas, os príncipes, tudo farão para a preservar. Alicerçaram os seus principados na legalização pós-esclavagista do trabalho sempre precário e subalternizado, de preferência recorrendo a bolsas em vez de contratos, fazendo crer aos seus súbditos que poderiam ascender à nobreza pelo suor do seu trabalho e não apenas pelo matrimónio, enquanto em privado se repugnavam com o vermelho sangue da plebe que jamais seria azul. Fizeram do discurso do mérito e do talento um ardil, sobre o qual foram construindo novos obstáculos, infinitamente. Só horizontal, na tumba, um trabalhador científico estará à altura de um monarca.

Como se não bastasse, os nossos príncipes não se limitam a subalternizar. Como o mítico Erisícton, estão atacados de um apetite voraz, que nada sacia, vendendo os seus próprios filhos — os doutorados, que até são mais uns enteados —, para comerem mais e mais, terminando inevitavelmente por se devorarem a si próprios. Este é o ominoso cenário com o qual nos deparamos: uma nobreza que não hesita em destruir toda a investigação e todo o ensino superior para manter a antiga ordem, onde ainda reina, cega à lei, mouca à sociedade. Com a velha ordem, perder-se-ão 3000 investigadores em menos de três anos: o que restará depois disso?
A nossa luta é por um ensino superior e uma ciência de qualidade, democraticamente construídos, por todos e ao serviço de todos, sem príncipes nem principados, por uma vida digna dos seus trabalhadores, pela transformação das bolsas em contratos, pelo trabalho valorizado e com direitos e pelo acesso às carreiras. E é para mim um orgulho estar nesta batalha com a Fenprof, ao lado da ABIC [Associação dos Bolseiros de Investigação Científica], da FNSTFPS [Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais] e de muitos outros, unidos neste propósito comum. Esta é a nossa derradeira hora: o ocaso da velha ordem é a tarefa que se nos impõe!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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