Casa gelada no Inverno e um forno no Verão? Há um serviço gratuito que pode ajudar

Projecto da Coopérnico oferece um serviço ao domicílio para fazer o diagnóstico de eficiência energética – que tem impacto tanto no Inverno como no Verão.

Foto
É preciso um olhar treinado para procurar pistas e pontos de fuga que expliquem alguns desajustes nas contas de energia GettyImages
Ouça este artigo
--:--
--:--

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Casa gelada no Inverno e um forno no Verão? Portugal ainda deixa muito a desejar quando o tema é eficiência energética e foi por isso que a Coopérnico – Cooperativa de Desenvolvimento Sustentável se juntou à aliança europeia Powerpoor para criar uma rede de “mentores de energia” com formação para fazer diagnósticos ao domicílio.

Quando o assunto é eficiência energética, “as pessoas não sabem por onde começar”, descreve a arquitecta Catarina Pereira, membro da equipa técnica da Coopérnico responsável pelo projecto. No âmbito do Powerpoor, cerca de 400 pessoas foram formadas desde 2021, por todo o país, para este serviço gratuito de aconselhamento energético.

Nestes dois anos, a Coopérnico organizou em média uma visita por semana, mas há potencial para mais. As visitas dos “mentores de energia” são por norma presenciais mas, caso não haja um membro da rede por perto, também podem ser feitas via Zoom.

“Cada casa é um caso”, nota Catarina Pereira, e por isso é preciso um olhar treinado para procurar pistas e pontos de fuga que expliquem alguns desajustes nas contas de energia. Estas visitas abrem espaço para as pessoas colocarem questões, mesmo as mais básicas. “Quando saímos da casa, sentimos que ajudámos a pessoa”, garante a arquitecta.

Literacia energética

Como funcionam as visitas? O primeiro passo é ter à mão as facturas da electricidade e do gás. Um dos grandes objectivos do projecto Powerpoor é “promover a literacia energética”, pelo que os “mentores de energia” podem ajudar a compreender a factura de energia, “às vezes um pouco abstracta”.

Um dos problemas habituais é que a potência contratada pode não ser a mais adequada: por exemplo, há muitas pessoas que vivem sozinhas com uma potência contratada de 6,9kVA, quando uma potência de 4,6kVA pode “chegar perfeitamente” para uma família de quatro pessoas. O mesmo vale para as tarifas desadequadas aos perfis de consumo.

Catarina Pereira nota também o receio de muitas pessoas de mudar de comercializador, uma temática “um pouco opaca”. “Há quase uma sobreinformação sobre comercializadoras, de forma agressiva e contínua a promover serviços e produtos”, descreve a arquitecta, que nota que no meio de tanta informação as pessoas sentem falta de alguma orientação para fazer a escolha certa.

O passo seguinte é observar os pontos fracos do consumo da energia. A utilização de electrodomésticos antigos, pouco eficientes frigoríficos com borrachas que já não vedam, arcas antigas , é um dos sugadouros habituais de energia, além dos omnipresentes aparelhos ligados 24 horas por dia (“o modo de espera consome, mesmo que seja residual”, relembra a técnica da Coopérnico). Para analisar situações como a dos termoacumuladores (cilindros), o olhar mais apurado dos voluntários da Coopérnico pode ser uma boa ajuda.

Isolamento

Quando as casas estão muito frias (ou quentes) e as contas demasiado altas, antes de pensar em sistemas de climatização ou em soluções como a instalação de painéis fotovoltaicos, é preciso resolver o problema seguinte: o isolamento térmico.

“Para tornar cada casa mais confortável, o isolamento térmico das paredes é fundamental”, sublinha a arquitecta. “Paredes, pavimentos e coberturas são a primeira coisa em que devemos apostar.”

Os mentores da Coopérnico olham para as habitações “com olhos de tirar dali informação necessária” e apontam, sempre que possível, “soluções de baixo valor”: calafetagem das janelas (“em borracha, não em espuma”), rolos de areia nas portas, comprar escovinhas para minimizar a entrada de frio.

A aposta no isolamento pode passar por materiais como lã de rocha, soluções em cortiça ou XPS mas qualquer um destes produtos tem de ter uma espessura adequada, nota Catarina Pereira, pelo que é boa ideia ouvir uma opinião informada antes de escolher.

Há ainda a “praga” das varandas convertidas em marquises. “As paredes de uma varanda são de um tijolo pouco espesso, com paredes simples, que tiveram como finalidade proteger a varanda” mas não a casa. No Inverno entra demasiado frio; no Verão, como o espaço é envidraçado, há o problema do sobreaquecimento. O mesmo cuidado é preciso ao olhar para garagens e arrecadações, que “sugam o calor”.

Por fim, a questão da ventilação, que tem de ser controlada para não deixar escapar energia, mas tem de ser suficiente para não deixar acumular humidade (outro dos “sintomas” de pobreza energética).

Para algumas destas intervenções, há já apoios do Estado, que podem ser obtidos para obras tanto a nível da habitação como do condomínio, privilegiando a utilização de isolamentos térmicos ecológicos.

Apoios para painéis

Sendo a Coopérnico uma cooperativa de energias renováveis, também há alguma ajuda para decidir se vale a pena avançar, por exemplo, para a instalação de painéis fotovoltaicos?

Foto

Catarina Pereira sublinha que a prioridade do Powerpoor é resolver os problemas de eficiência energética, já que não faz sentido, por exemplo, “instalar um painel fotovoltaico para produzir energia se depois não há capacidade de a conter”. Mas é possível, sim, pedir uma ajuda para descodificar as opções nesse sentido por exemplo, calcular os painéis fotovoltaicos para alimentar um edifício, dando o exemplo do apoio técnico que a Copérnico está a dar a uma comunidade de energia renovável em Telheiras.

Esta opção pode ser, aliás, uma solução a considerar em bairros sociais, onde a produção de energia para autoconsumo pode ajudar a aliviar os gastos de famílias com menos rendimentos.

Tendo em conta que a pobreza energética afecta as famílias não apenas do ponto de vista económico, mas também de saúde e bem-estar, Catarina Pereira considera que seria um investimento certeiro a formação gratuita dos técnicos entre as equipas de acção social das juntas de freguesia e câmaras municipais, ou mesmo associações de moradores, centros paroquiais ou IPSS, em contacto directo com famílias com dificuldades económicas que dependem de apoios do Estado e vivem em condições extremamente precárias.

Os convites foram enviados, mas foram poucas as respostas recebidas das instituições contactadas para participar na formação destes “mentores de energia”. Ainda há tempo para isso, mas talvez menos do que se esperaria. O projecto Powerpoor deverá terminar oficialmente no final do Verão, mas a Coopérnico e os outros parceiros internacionais estão à procura de alternativas para continuar o serviço.