Demissões no organismo eleitoral da Venezuela deixam oposição desconfiada
A manutenção de membros independentes no Conselho Nacional Eleitoral é vista como crucial para a legitimidade das eleições do próximo ano.
O aparente degelo no relacionamento entre o regime venezuelano e a oposição sofreu um retrocesso com a demissão em bloco de todos os membros do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Na quinta-feira, oito dos membros do organismo que tutela as eleições, incluindo o presidente e seis suplentes, anunciaram a sua saída sem apresentar qualquer justificação. Na sequência dessa notícia, a Assembleia Nacional, onde o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Nicolás Maduro, dispõe de maioria, anunciou que pretende substituir todos os membros do CNE, incluindo aqueles que não haviam apresentado demissão, citando a “falta absoluta” causada pelas primeiras saídas.
A substituição do CNE abre um momento de incerteza para o futuro do processo de normalização política na Venezuela. Com eleições presidenciais marcadas para o próximo ano, este organismo é considerado crucial para que a votação seja considerada livre e competitiva, duas exigências básicas da oposição para que se apresente às urnas.
Durante vários anos, o CNE foi visto como mais uma instituição controlada pelo chavismo e, por isso, alvo de desconfiança por parte dos partidos opositores, que não consideravam viável participar em eleições à partida condicionadas. Há dois anos, Governo e oposição haviam chegado a um acordo muito elogiado internacionalmente para que o CNE integrasse cinco elementos considerados independentes.
Foi dessa forma que, em Novembro de 2021, a oposição voltou a participar em eleições, após vários anos de boicote e não reconhecimento dos resultados. Embora o chavismo tenha conseguido eleger os seus candidatos na maioria das regiões e municípios, os partidos oposicionistas obtiveram algumas vitórias importantes, como a eleição do governador de Barinas, o estado natal de Hugo Chávez.
A manutenção de um CNE com elementos independentes e capaz de despertar confiança junto da oposição é um requisito fundamental para que as eleições do próximo ano possam ter legitimidade. Por isso, a notícia da demissão em bloco dos membros da entidade é encarada com muita preocupação. “É um grande retrocesso, um ponto de inflexão muito negativo”, diz o investigador do Wilson Center, Michel Penfold, citado pelo El País.
A decisão teve consequências imediatas. Os partidos da oposição a Maduro decidiram avançar para as suas eleições primárias – onde esperam escolher um candidato de unidade que tente derrotar o actual Presidente – sem o apoio técnico do CNE. A intenção inicial era de que a entidade pudesse fornecer apoio logístico para a votação prevista para Outubro, mas a hipótese de a demissão dos membros do CNE poder vir a atrasar o processo motivou a mudança.
O dirigente da oposição e antigo candidato presidencial Henrique Capriles, que é candidato às primárias, afirmou que “não havia alternativa” ao modelo de autogestão da votação interna.
Abre-se agora um processo para a escolha dos novos membros do órgão eleitoral, mas persistem os receios de que haja um novo aparelhamento com a escolha de personalidades ligadas ao chavismo. A inclusão da mulher de Maduro, a deputada Cilia Flores, na comissão parlamentar que vai escolher os novos membros do CNE tem sido vista como um indicador preocupante.
“Criou-se deliberadamente uma crise institucional que permitiu substituir os elementos que não são da linha dura do PSUV por, provavelmente, pessoas que tenham uma afinidade ideológica muito mais próxima do partido do Governo”, disse à Radio France Internacional o jornalista Eugenio Martínez.