Paulo Mota Pinto contra inquérito às secretas: “os factos não justificam” e é “desproporcionado”
Ex-líder parlamentar do PSD é contra a comissão de inquérito ao SIS e não entende sequer a retirada de confiança a Mira Gomes
Foi líder do grupo parlamentar do PSD com Rui Rio e presidente da comissão de fiscalização dos serviços de informações com Pedro Passos Coelho. Paulo Mota Pinto apela ao sentido de Estado e distancia-se do seu partido no que diz respeito ao caso Galamba e o SIS. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, alerta ainda para os riscos de populismo em todo o ambiente político e pede união ao PSD. Pode ouvir a entrevista na íntegra esta quinta-feira pelas 23h.
O presidente do PSD, Luís Montenegro, escreveu esta semana uma carta ao primeiro-ministro a pedir a demissão do secretária-geral do SIRP. Também concorda com esta retirada de confiança?
Não entendi bem é exactamente o que é que isso significa: a retirada de confiança política. Não tem de haver uma relação de confiança política entre cada um dos líderes partidários e o secretário-geral do SIRP. Os factos para mim não estão claros no sentido de justificarem essa retirada de confiança política. Tenho dúvidas sobre os fundamentos dessa retirada. Nem percebo bem qual é o alcance dela.
Acha então que o SIRP agiu bem. Não lhe merece nenhum tipo de censura?
Os factos, para mim, não estão claros. Não percebi ainda bem quem foi que tomou a iniciativa. Mas a comissão de fiscalização do SIRP emitiu um comunicado. Não tenho razões para entender que não tem exercido as funções de de forma diligente e não tenha averiguado isso. Se realmente havia riscos de fuga de informação classificada, é normal que os serviços de informações tentem prevenir isso. Não parece ter havido exercício de funções de polícia.
Confia no parecer da comissão de fiscalização de que foi tudo regular?
Não tenho motivos para desconfiar dele. Não me parece que a crítica político-partidária à volta disto seja muito produtiva. Eu fui eleito presidente da comissão de fiscalização do SIRP em 2013, numa altura em que tinha havido uma grande polémica e uma exploração partidária e política também à volta do SIRP. Recordo bem que o primeiro-ministro na altura, Pedro Passos Coelho, me disse: que era preciso acabar com essa exploração partidária e política à volta de um serviço fundamental para a política portuguesa. E durante esses quatro anos, de 2003 a 2017, conseguimos isso sem deixar de exercer as nossas funções de escrutínio.
É irresponsável que o líder do PSD tenha tomado esta atitude?
Essa qualificação é sua, não é minha. O que digo é que não entendi bem qual é o alcance dessa retirada de confiança política, nem o seu fundamento.
Também não acompanha o pedido de demissão de Graça Mira Gomes, feito por Luís Montenegro?
Não tenho toda a informação que ele provavelmente terá, mas não me parece, com a informação que é pública, que haja razão para isso.
Na carta que Luís Montenegro enviou ao primeiro-ministro, também diz que o PSD irá apresentar uma proposta para mudar o regime de fiscalização das secretas. Concorda com isso?
Há vários modelos de fiscalização na Europa e no mundo. Há um modelo de fiscalização parlamentar directa. Em Portugal, esse modelo foi rejeitado, tendo em conta a experiência que já tivemos de fugas de informação no Parlamento, até de fontes dos serviços de informações. Não há segurança suficiente para que essa fiscalização parlamentar directa seja adoptada. Há um modelo de fiscalização judicial ou por uma magistratura, pelo Ministério Público, pelos juízes. Tem o problema de não ser uma fiscalização que seja exercida por um órgão democraticamente eleito. E há este modelo intermédio que é, aliás, o predominante.
Também não vejo razões imperativas ou muito fortes que levem a mudar o sistema. Talvez possa haver aqui ou ali alguma melhoria na prestação de informação pela comissão de fiscalização à Assembleia da República ou no acompanhamento da sua actividade. Discordo da colocação dos serviços de informações no centro da discussão político-partidária. Tem a ver com sentido de Estado, com a preservação de um serviço que é importante para a soberania. Pela informação que é pública a intervenção [do SIS] não pôs em causa os direitos, liberdades e garantias. Pode haver a questão de saber qual a base jurídica mas não quero entrar numa discussão jurídica. Ainda que estejamos a entrar numa zona cinzenta, não me parece que tenha havido uma compressão ou ameaça séria a direitos, liberdades e garantias neste caso.
O PSD tem embarcado nesta estratégia de utilização dos serviços de informações como arma de arremesso político?
Não tem sido o centro da sua actividade nesta legislatura, mas toda a oposição entrou um pouco nisso. Não devia. Isso tende a beneficiar os partidos mais radicais e extremistas.
Veria com bons olhos a instalação de uma comissão de inquérito das secretas?
Não vejo com bons olhos. Os trabalhos dessa comissão de inquérito poderiam ter efeitos bastante negativos para uma estrutura fundamental para o Estado. Pela mesma razão pela qual sou contra o modelo de fiscalização parlamentar directo, julgo que isso seria algo desproporcionado. Os factos não justificam isso.
Vamos avançar e falar do caso que também está a marcar a actualidade, que é o processo Tutti Frutti, que envolve suspeitas sobre os ministros deste governo, Fernando Medina e Duarte Cordeiro, mas também sobre membros e militantes do seu partido, um deputado, Carlos Eduardo Reis, e também o líder do PSD de Lisboa. O modo como o PSD geriu este processo, trazendo ao debate e desafiando o primeiro-ministro a tomar posição, foi a melhor maneira de gerir este caso?
Este tipo de processos que vêm a público através de violações flagrantes, delituosas do segredo de justiça, através de libertações seleccionadas de informação, não devem suscitar debate político, sob a pena de fomentar isso.
O PSD não devia ter feito política com isso?
O PSD ou qualquer outra entidade. Não queremos fomentar a violação do segredo de justiça. Nós temos que ser responsáveis quanto a isso. Quanto ao caso, parece-me censurável a fuga de informação e também a inércia na investigação.
Perante as notícias, o PSD decidiu fazer um inquérito interno para apurar como é que decorreu a escolha de candidatos em Lisboa em 2017. Como é que vê também essa iniciativa?
Não conheço os resultados desse inquérito. Não sei em que consiste. Agir apenas com base em fugas de informação e notícias não confirmadas parece-me talvez precipitado.
O que pensa do deputado Carlos Eduardo Reis, que disse que não ia deixar que fizessem dele o idiota útil para derrubar ministros?
Não me vou pronunciar me sobre a posição concreta de ninguém. Sou contra essa política do lamaçal, do acusar outros de factos delituosos, etc. Penso também que os portugueses não querem isso. Os portugueses querem é propostas, discussões de questões substanciais, de alternativas, de propostas substanciais na economia, na educação, nos juros da habitação.
Em relação à eutanásia, o PSD prepara-se para apresentar um pedido de fiscalização sucessiva ao diploma. Vai ajudar a prepará-lo?
Eu votei contra o diploma da eutanásia, mas não foi por razões de constitucionalidade. Votei contra por entender que devia ter avançado primeiro, numa primeira fase, apenas para casos em que o prognóstico fosse fatal e o sofrimento intolerável. Portanto, não faz muito sentido.
Foi líder parlamentar com Rui Rio. Regressou há uns meses à bancada parlamentar e integra a Comissão de Revisão Constitucional. Revê-se na actual liderança parlamentar?
Eu fiquei bastante agradado com o facto de, no projecto de revisão constitucional, terem sido adoptadas bastantes propostas de uma comissão que eu liderei na anterior direcção. Quanto ao desempenho da liderança parlamentar, sinto o dever ético de não estar a comentar quem me sucedeu, sob pena até de poder ser acusado de estar fazer o mesmo que outros fizeram à anterior direcção.
A direcção de Luís Montenegro diz que o partido está a ter uma subida consolidada, mas o PSD não tem descolado muito nas sondagens. O que é que falta?
Analisando a evolução das sondagens desde as eleições de 30 de Janeiro, as duas grandes alterações são a perda de cerca de 8, 9, 10 pontos percentuais pelo PS e uma subida preocupante do Chega. O PSD manteve-se ou subiu ligeiramente. Concordo com o que disse o professor Cavaco Silva que o PSD tem condições para subir 7, 8, 9 pontos.
Para subir, é preciso fazer exactamente o quê?
Em primeiro lugar, deve estar unido. Em segundo lugar, deve alargar para fora do seu aparelho, para fora dos seus militantes, para o seu eleitorado natural, atrair pessoas da sociedade civil. Não pode fechar-se para dentro em questões internas ou em questões relacionadas com as eleições internas, para os pequenos poderes. Em terceiro lugar, tem de manter uma matriz social-democrata. Não deve estar centrado em questões de coligações eleitorais. Deve manter a sua matriz.
Mas a indefinição sobre a política de alianças, nomeadamente a indefinição sobre o Chega não está a prejudicar o PSD?
O PSD não deve tematizar essa questão. O PSD, por definição, tem obrigação de ser alternativa. Sempre foi alternativa no nosso sistema político. Tenho a minha opinião sobre o Chega. Acho que é beneficiado por estes casos e casinhos. No fundo, há uma espécie de ambiente de degradação geral da política, que favorece os partidos os extremistas, os partidos radicais.
Acha que o risco de populismo se infiltrou também dentro dos grandes partidos?
O populismo infiltra-se de forma insidiosa no ambiente político e mediático. Enquanto eu estiver na vida pública, não quero contribuir para isso.
E subscreve o pensamento do ex-Presidente da República, Cavaco Silva, quando apelou a António Costa para se demitir?
Não interpretei assim esse discurso. De todo modo, eu já lhe falei há pouco da grande alteração que houve desde 30 de Janeiro, baseado nas sondagens, no ambiente político. A grande alteração foi, sem dúvida, a degradação da imagem do governo, inesperada até, e a ideia de que uma maioria absoluta não garante, só por si, estabilidade. O governo tem mostrado que a maioria não é de grande estabilidade, que as reformas que por vezes propõem são más e portanto, no fundo, está a ocupar o poder, a gerir o poder. E isso mostra que o país precisa, a prazo, de um novo governo.
Acha que vai chegar até ao fim esta legislatura?
Não quero estar a fazer prognósticos.
Em relação ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em conta tudo o que já disse, considera que fez bem em não dissolver o Parlamento?
As sondagens, estudos de opinião confirmam isso. Penso que seria um risco grande para todo o nosso sistema, o República, haver uma dissolução em que o resultado fosse uma confirmação da maioria ou, uma situação talvez até pior ainda, uma instabilidade permanente e não haver soluções
Não acredita então que este Presidente um dia dissolva?
Tudo depende do contexto. Ele próprio deixou isso em aberto. Seria o primeiro Presidente a dissolver a AR duas vezes ou, pelo menos, com maioria absoluta.