Robert Gottlieb (1931-2023), o histórico editor literário
Norte-americano tinha 92 anos e era uma das figuras de referência no mundo editorial. Da sua carteira de autores faziam parte Toni Morrison, Doris Lessing, V.S. Naipaul, Robert Caro e Bill Clinton.
Robert Gottlieb, editor literário cuja carreira foi lançada com Catch-22 de Joseph Heller e continuou com clássicos vencedores do Prémio Pulitzer, como Beloved , de Toni Morrison, e The Power Broker, de Robert A. Caro, morreu quarta-feira, aos 92 anos.
"Gottlieb morreu de causas naturais num hospital de Nova Iorque", anunciou em comunicado o Knopf Doubleday Publishing Group.
Robert A. Caro, que trabalhou durante décadas com Gottlieb nas suas biografias de Lyndon Johnson e apareceu com ele no ano passado no documentário Turn Every Page, disse nunca ter trabalhado com um editor "tão sintonizado" com o processo de escrita.
"Desde o dia em que, há 52 anos, olhámos juntos para as minhas páginas pela primeira vez, Bob compreendeu o que eu estava a tentar fazer e permitiu-me dedicar o tempo [necessário] e fazer o trabalho que precisava de fazer", afirmou Caro num comunicado.
"As pessoas falam-me de alguns dos momentos de triunfo que eu e o Bob partilhámos, mas hoje lembro-me de outros momentos, difíceis, e lembro-me de como o Bob esteve sempre, sempre, lá para mim durante meio século. Era um grande amigo e hoje choro o meu amigo com todo o meu coração", realçou na nota já citada.
Alto e seguro, com cabelo ondulado e óculos de aros escuros, Gottlieb ajudou a moldar o cânone editorial moderno. Os seus créditos incluíram ficção dos futuros prémios Nobel Toni Morrison, Doris Lessing e V.S. Naipaul, romances de espionagem de John le Carré, ensaios de Nora Ephron, thrillers científicos de Michael Crichton e épicos de não-ficção de Caro.
Também editou as memórias das actrizes Katharine Hepburn e Lauren Bacall, assim como de Katharine Graham, editora do Washington Post - o livro da jornalista, Personal History, viria a ganhar um Pulitzer.
Gottlieb impressionou tanto Bill Clinton que o antigo Presidente americano assinou um contrato com a Alfred A. Knopf, em parte pela oportunidade de trabalhar com Gottlieb no seu livro My Life.
"Editor inigualável"
No obituário que hoje lhe dedica a revista The New Yorker descreve-se a sua carreira de forma simples, mas altamente elogiosa em se tratando de um editor: “Gottlieb era um editor inigualável - alguém que parecia ter lido tudo o que valia a pena ler e que tinha publicado uma quantidade bastante razoável dessas coisas”.
O texto, assinado pelo director da New Yorker David Remnick, fala de um dos homens fortes de duas casas editoriais de respeito, a Simon & Schuster e a Alfred A. Knopf, mas também de um editor da casa, já que Gottlieb esteve na New Yorker entre 1987 e 1992. E fá-lo começando por referir Turn Every Page, o filme que o põe lado a lado com Robert A. Caro, reconhecido biógrafo e um dos seus amigos de longa data.
É Caro quem, aliás, lembra, numa entrevista na Paris Review agora citada pela publicação americana, que Gottlieb não era de elogio fácil, dando como exemplo o que se passou entre ambos desde o primeiro livro em que trabalharam juntos, a biografia que o jornalista escreveu sobre o urbanista Robert Moses: “Em todas as horas de trabalho em The Power Broker, Bob nunca me disse uma única coisa simpática - nem uma única palavra elogiosa, quer sobre o livro como um todo, quer sobre uma única passagem. O mesmo se passou com o meu segundo livro, The Path to Power, o primeiro volume da biografia de [Lyndon] Johnson [Presidente dos EUA]. Mas depois ele amoleceu. Quando terminámos a última página do último livro em que trabalhámos, Means of Ascent, segurou o manuscrito por um momento e disse, lentamente, como se não quisesse fazê-lo: ‘Nada mau’."
Considerado um dos mais influentes editores contemporâneos, era um homem de muitas paixões para lá dos livros, mesmo que mesmo essas acabassem numa estante qualquer. Cinema, dança, música viam-se muitas vezes reflectidos em volumes que acabava por publicar. É por isso que entre os seus autores estão, para além dos já referidos, John Cheever, John le Carré, Jessica Mitford e Salman Rushdie, mas também Mikhail Baryshnikov, Bob Dylan, John Lennon, Lauren Bacall, Sidney Poitier, Elia Kazan ou Katharine Hepburn.
Os livros como refúgio
Nascido em 1931 em Nova Iorque no privilegiado Upper West Side, numa casa em que não faltavam livros e a leitura era encorajada a qualquer hora por uma mãe professora e um pai advogado, Robert Gottlieb teve uma carreira editorial fulgurante desde que entrou para a Simon & Schuster, com apenas 24 anos, saído de Cambridge.
"Lia três ou quatro livros por dia depois da escola e podia ler durante 16 horas seguidas", disse ao The Times em 1980, admitindo ter sido um adolescente tímido, pouco feliz, que procurava refúgio nos livros de Proust e de Tolstói.
Em 1968 estava já como editor-chefe da Alfred A. Knopf e, no final dos anos 80, aceitou algo relutantemente o cargo de editor da New Yorker, um dos mais ambicionados do jornalismo americano e, de igual modo, um dos mais expostos, atrevendo-se a substituir o lendário William Shawn, que esteve à frente dos destinos da revista durante 35 anos.
"Numa editora, estás ao serviço como editor", recordou em The Art of Making Magazines, uma antologia de 2012 agora citada pelo diário The New York Times. "O teu trabalho é servir o livro e o escritor." Na New Yorker era completamente diferente, reconhecia: "Tu és o deus vivo. Não estás lá para agradar aos escritores, mas os escritores estão lá para te satisfazer porque querem publicar na revista."
Deixou a prestigiada publicação ao fim de cinco anos e, mesmo sem fazer parte dos quadros da Knopf, continuou a editar livros para ela e a escrever em jornais e revistas como o Observer e a The New York Review of Books, assinando ainda livros sobre algumas das suas estrelas preferidas: George Balanchine, Sarah Bernhardt ou Greta Garbo.
“Com a excepção do aspecto físico, sabemos pouco mais sobre Garbo do que sobre Shakespeare”, escreveu em Garbo: Her Life, Her Films, biografia publicada em 2021.
“Nada é real para mim até que tenha lido a respeito”, admite nas suas memórias, Avid Reader: A Life, o homem que defendia que a relação de um editor com um livro devia ser “invisível”.
Casado duas vezes, a segunda com a actriz Maria Tucci, Robert Gottlieb teve três filhos.
Na sua secretária esteve durante décadas um pisa-papéis de bronze que lhe foi oferecido quando começou a trabalhar em publicações com a seguinte gravação: "Give the reader a break" ("Deixe o leitor fazer uma pausa" ou, mais radical, "Dê uma folga ao leitor").
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