União Europeia: proposta da Lei de Restauro da Natureza “está viva”

Tentativa do Partido Popular Europeu de pôr na gaveta a proposta de lei que quer restaurar habitats marinhos e terrestres na Europa foi rejeitada na Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu.

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Replantação de mangais para a recuperação do habitat oceânico na zona costeira da Tailândia Akarawut Lohacharoenvanich/GettyImages
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Foi por um triz, mas a proposta da Comissão Europeia da Lei de Restauro da Natureza ainda está viva. A votação que ocorreu na manhã desta quinta-feira em Estrasburgo, na França, na Comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu não deu luz verde à proposta do Partido Popular Europeu (PPE), que quer rejeitar uma lei em que um dos principais objectivos é restaurar 20% das áreas de terra e de mar da União Europeia até 2030.

No entanto, o resultado foi renhido: 44 dos 88 eurodeputados da comissão votaram a favor da proposta do PPE e outros 44 votaram contra. Ou seja, houve um empate técnico que, de acordo com as normas, significa que a proposta é rejeitada, permitindo que a Lei de Restauro da Natureza se mantenha de pé. Se 45 eurodeputados tivessem votado a favor da proposta do PPE, então a Lei de Restauro da Natureza não avançaria e uma das peças-chave do Pacto Ecológico Europeu cairia por terra.

“A Lei de Restauro da Natureza está viva e recomenda-se”, afirma ao PÚBLICO Sara Cerdas, eurodeputada portuguesa do Partido Socialista que faz parte da Comissão de Ambiente e votou contra a proposta do PPE, liderada por Manfred Weber, eurodeputado alemão e presidente do grupo parlamentar europeu do PPE, que tem sido muito criticado pela sua posição. “É uma primeira derrota do PPE. A rejeição [à Lei de Restauro da Natureza] foi rejeitada. Mas os votos estão muito renhidos.”

O resultado mostra o estado de dissenso que reina na União Europeia relativamente a esta lei e também como as eleições europeias de 2024 já estão a influenciar as discussões em Estrasburgo.

Nas várias horas seguintes, os eurodeputados votaram uma série de emendas da Lei de Restauro da Natureza, muitas foram rejeitadas com o mesmo equilíbrio de 44 eurodeputados a favor e 44 contra. E a sessão foi insuficiente para terminar a votação das emendas e do relatório da lei como um todo. Por isso, haverá novo encontro da comissão a 27 de Junho.

“A posição aprovada em Comissão de Ambiente [a 27 de Junho] irá a plenário em Julho”, explica ainda a eurodeputada. “Aí Manfred Weber já não pode escolher os deputados que votam contra, já que todos [os 705] eurodeputados têm de votar”, alega Sara Cerdas, referindo-se a eurodeputados da bancada do PPE que foram substituídos na Comissão de Ambiente por discordarem do boicote que Manfred Weber está a fazer à lei de restauro, como é caso de Stanislav Polčák, da República Checa.

“Não considero que a rejeição geral proposta pelo PPE seja uma boa decisão, mas decidi respeitá-la, e como a minha posição se tornou tão fundamentalmente contra o meu grupo, pedi para ser substituído na votação da comissão de quinta-feira”, lê-se no Twitter do eurodeputado.

O resultado final ainda é um enigma

A proposta da lei ainda terá que ser aprovada no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu. Só depois, juntamente com a Comissão Europeia, é que será iniciado o trílogo entre as três entidades legisladoras da União Europeia. Se for aprovada, o resultado final da lei ainda é um enigma.

“Não estamos completamente felizes, porque as coisas ainda estão em aberto e muitas das emendas aprovadas diminuem a ambição da lei, mas ainda há uma esperança de que o resultado da Comissão de Ambiente seja positivo”, diz ao PÚBLICO Bianca Mattos, técnica de políticas da associação ambientalista ANP/WWF.

Depois de um tempo em produção na Comissão Europeia, a proposta da Lei de Restauro da Natureza ficou pronta em Junho de 2022. A lei quer responder aos problemas dos ecossistemas. Ao todo, 80% dos habitats europeus estão num estado de conservação mau ou pobre e 70% do solo europeu não é saudável.

A proposta é um “passo-chave para evitar o colapso dos ecossistemas e prevenir os piores impactos das alterações climáticas e da perda da biodiversidade”, lê-se no comunicado de imprensa da Comissão Europeia sobre a proposta.

Entre os objectivos da proposta, está o restauro de 80% dos habitats europeus em más condições, a reversão do declínio dos insectos polinizadores até 2030, o aumento em 5% dos espaços verdes urbanos até 2050, a redução em 50% do uso de pesticidas químicos até 2030, banindo o seu uso em “áreas sensíveis” tais como as protegidas e as áreas verdes urbanas.

“Enquanto não houver uma certeza absoluta de que esta lei fique completamente aprovada e tenha um consenso de todos, eu continuo preocupada”, diz ao PÚBLICO Maria Amélia Martins-Loução, bióloga, professora catedrática de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia, que num artigo de opinião recente alertava para um “aviso laranja: risco acentuado de degradação dos ecossistemas”.

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Manfred Weber, eurodeputado alemão e presidente do grupo parlamentar europeu do Partido Popular Europeu (PPE)

Um euro a render

No entanto, a proposta não impede a actividade económica, um receio de parte do sector de agricultura que tem alimentado a rejeição da lei e resultou, nos Países Baixos, na vitória do partido BoerBurgerBeweging (BBB, ou Movimento de Cidadãos Agricultores). Os críticos a Manfred Weber dizem que, com esta posição, o líder do PPE está a tentar angariar votos que, de outro modo, iriam para a extrema-direita. Na votação desta quinta-feira, o PPE angariou também os votos da extrema-direita e dos liberais.

“Não vamos alcançar os nossos objectivos climáticos indo contra as áreas rurais”, defendeu nesta quarta-feira Manfred Weber, na sua conta de Twitter, que nas últimas semanas tem alimentado a narrativa de que a Lei de Restauro iria diminuir a autonomia alimentar da Europa, um receio que tem mais tracção desde o início da Guerra na Ucrânia. A sua posição vai frontalmente contra à de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que pertence ao mesmo grupo partidário que Weber.

Mas a lei de “restauro é sobre a vida e a produção juntas com a natureza, ao trazer de volta mais biodiversidade para todos os lugares, incluindo áreas onde a actividade económica ocorre como nas florestas geridas, nas terras agrícolas e nas cidades”, lê-se no comunicado da Comissão Europeia.

A proposta calcula que um euro investido no restauro da natureza renderá entre oito e 38 euros. Além disso, a proposta ambiciona evitar 25% das emissões de dióxido de carbono vindas do solo, ajudando a cumprir o Acordo de Paris, e, ao promover o aumento de zonas verdes nas cidades, tornará as zonas urbanas mais resistentes ao aumento das temperaturas devido ao aquecimento global.

“Estamos à beira do precipício com o colapso da biodiversidade e a rejeição da lei seria um salto para o vazio”, disse, por sua vez, Virginijus Sinkevičius, comissário europeu para o Ambiente, Oceanos e as Pescas numa entrevista ao jornal britânico The Guardian dada há algumas semanas.

“Não há a possibilidade de executar o Pacto Ecológico sem a natureza”, acrescentou. “Podemos fazer um trabalho excelente em diminuir as emissões de CO2. Podemos atingir as zero emissões. Mas se os ecossistemas se degradam, se o solo se degrada, se as nossas florestas se degradam, se os nossos ecossistemas marinhos se degradam, eles não poderão absorver o carbono e mitigar o calor.”